Rosana Hessel
Brasília – A violência nos centros urbanos tem sido banalizada no Brasil de uma forma que a maioria da população raramente se choca ao ver o corpo de uma pessoa estatelado no asfalto. Chico Buarque, que acaba de completar 70 anos, retratou muito bem o tema em uma de suas mais belas canções, Construção. O verso “morreu na contramão atrapalhando o tráfego” resume com exatidão o descaso, que não mudou desde a década de 1970, quando a música foi composta.
Todavia, é preciso prestar atenção em números cada vez mais assustadores. No país, 280 pessoas morrem diariamente em acidentes de trânsito ou em homicídios. Isso é mais gente do que os 239 passageiros do Boeing 777-200 da Malaysia Airlines, que desapareceu em março deste ano, causando comoção internacional.
Considerando que o PIB de 2014 está estimado em R$ 5,2 trilhões pelo Orçamento da União, a conta dessas mortes violentas vai de R$ 262 bilhões a R$ 524 bilhões. Outras previsões, como a da Organização Mundial da Saúde (OMS), apontam que apenas as perdas com vítimas da violência urbana podem chegar a 7% da economia, que, somados a outros 5% de custos das vidas perdidas no trânsito, subam para R$ 580 bilhões, montante próximo ao PIB de países como Chile e Finlândia.
O maior problema do crescente extermínio no tráfego urbano está na escolha, pelo governo, de um modelo de mobilidade que privilegia o transporte individual, de carros e motos. “Com isso, o nível de acidentes avança de forma acelerada”, explica Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Ele está finalizando o Mapa da Violência de 2014, o mais completo do setor, com dados de 2012.
Perda crescente Um balanço preliminar do estudo, que terá a sua versão integral lançada nos próximos dias, mostra que o total de homicídios em 2012 foi de 56,3 mil, acima dos 52,2 mil registrados em 2011. No trânsito, as mortes subiram de 44,5 mil para 46 mil, no mesmo período. Com isso, o total de óbitos nos centros urbanos ultrapassou 100 mil em 2012, e a expectativa é que esse número continue aumentando, na avaliação de especialistas.
O grau de violência no país é tão elevado que supera qualquer guerra recente, o que faz com que os brasileiros convivam com uma guerra civil velada. Os 56,3 mil homicídios em 2012 praticamente equivalem ao número de norte-americanos mortos durante a Guerra do Vietnã. De 2009 a 2012, por exemplo, os homicídios no país chegaram a 212,2 mil, superando as 208,3 mil vítimas fatais computadas em 62 conflitos armados ocorridos entre 2004 e 2007.
Em meio ao aniversário de cinco anos da Lei Seca, em 19/06, os especialistas demonstram maior preocupação com o aumento da violência no trânsito, em função principalmente, do salto gigantesco da frota de veículos do país. “O aumento da renda do brasileiro e a oferta do crédito ajudaram a ampliar o congestionamento das cidades”, avalia o presidente do Observatório Nacional de Segurança, José Aurélio Ramalho. Ele lembra que, de 2003 a 2013, a frota de veículos saltou 125%, passando de 36 milhões para 81 milhões. Enquanto isso, a população cresceu 14% no mesmo período, chegando a 201 milhões de pessoas.
O pesquisador do Ipea Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho estima que as perdas com mortes no trânsito provocam um prejuízo, em sua maioria pela perda de produtividade, de mais de R$ 40 bilhões por ano, dinheiro que poderia ter outras destinações mais nobres para a economia do país. Ele ainda alerta que o índice de homicídios é crescente e está muito acima da média mundial, de 18 casos para cada 100 mil habitantes. “Nos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, essa taxa é de apenas 9 para cada 100 mil habitantes”, completa.
Previdência
Vale lembrar que, todo dia, 1.217 pessoas são vítimas de invalidez permanente no trânsito no país. Esse dado também é considerado alarmante pelos especialistas porque está impactando seriamente no déficit da Previdência Social, que arrecadou R$ 307,1 bilhões e pagou R$ 357 bilhões em benefícios em 2013, conforme dados do Tesouro Nacional. Com isso, o rombo no ano passado foi de R$ 49,9 bilhões. Um levantamento feito pela Secretaria de Políticas de Previdência Social, no ano passado, revelou que os acidentes de trânsito representam uma despesa anual de R$ 12 bilhões, ou seja, 24% desse buraco
cada vez maior.