Altamira (PA) – Nas entranhas do Pará, é mais fácil encontrar ouro do que uma resposta simples sobre os rumos do país. Quem tem dúvidas quanto ao balanço das perdas e ganhos da sociedade brasileira nas duas últimas décadas não sairá esclarecido desta terra de superlativos. Altamira já foi o maior município do mundo. Ainda é o maior do Brasil. Seus 155 mil quiômetros quadrados abarcariam o estado do Ceará inteiro. Ou então um punhado de nações europeias: Dinamarca, Holanda, Bélgica e Suíça, todas juntas.
A área é gigantesca e os preços também. Um galão de água custa R$ 12, mais que o dobro do registrado em Santarém. Aluguel de imóvel pode chegar a R$ 25 mil. A inflação é consequência das obras da hidrelétrica de Belo Monte, que, entre as usinas que estão só em território nacional (o que exclui Itaipu), será recordista em capacidade instalada de geração. Além da carestia, a construção traz prejuízos ambientais: vão-se embora áreas de floresta amazônica e praias do Rio Xingu, engolidas pelo reservatório. Entre os benefícios estão os novos empregos, renda extra para empresários e várias obras públicas — a maior parte delas ainda na promessa.
Em junho de 1994, o Estado de Minas acompanhou a distribuição das primeiras notas de real pela Transamazônica. A carga viajou em uma Kombi, com escolta do Exército. De Altamira, seguiu para Medicilândia, a 90 quilômetros. Antes de chegar, um atoleiro empacou o improvável veículo milionário, que só voltou a rodar com a ajuda de muitos braços. Depois de seis horas de trajeto entre as duas cidades, parte das cédulas desembarcou na agência do Banco do Brasil no distrito de Vila Pacal, sede de uma usina de açúcar instalada pouco depois da estrada, em 1976.
Duas décadas mais tarde, o percurso leva pouco mais de uma hora nesse trecho recém-asfaltado. A primeira viagem da nova moeda até Vila Pacal seria hoje tão rápida quanto inútil. A usina está fechada desde 2001. E a agência do Banco do Brasil virou uma ruína: só paredes, sem portas nem janelas. Quanto vale o real? Em julho de 1994, a nota verde de R$ 1, hoje objeto de colecionador, dava para comprar "um quilo de carne sem osso" em Serra Pelada, no Pará, conta o maranhense Antônio José da Costa Mendes, que trabalhava em uma fazenda perto do que foi o garimpo mais famoso do Brasil. Hoje, aos 57 anos, ele vive a 600 quilômetros dali, em Altamira (PA), onde os preços competem com lugares onde metais preciosos brotam do chão. A moeda dourada e prateada de R$ 1 dá para comprar um pãozinho de padaria.
Os antigos funcionários da usina se viram como podem. Moram em casas na vila, que pertencem ao Incra, e plantam nas terras que, em vez de cana, hoje servem para o cacau, a cultura que mais tem se desenvolvido na região. A prosperidade da agricultura local é algo que atrai imigrantes e seduz os araras, que vivem em uma das 11 terras indígenas da região. Transferidos para uma área distante, com acesso apenas por rio, depois da construção da Transamazônica, eles sonham com a possibilidade de plantar cacau e pimenta, culturas que dão dinheiro, e não só mandioca. E já se acostumaram com muitos confortos do mundo industrial: voadeiras, picapes, tevês de tela plana e casas de madeira foram providenciadas pelos construtores de Belo Monte como compensação pela obra.