É com lágrimas nos olhos que Maria das Mercedes (foto), de 48 anos, despede-se do marido, Alaor Soares dos Santos, de 50. Ele está de malas prontas para viajar para Araras (SP), onde vai trabalhar na construção civil, deixando a mulher, as duas filhas - Nicole, 20, e Juliana 24 - e a neta Wikiaila, de 1 ano, para trás. O comércio do casal, um minimercado no povoado de Tanque Velho, a 16 quilômetros do Centro de São Braz do Piauí, faliu em 2011, e só restaram as dívidas. A pequena cidade, que já ostentou o incômodo título de município mais pobre do Brasil, não oferece oportunidades para a população de 4,3 mil habitantes. "Se alguma coisa mudou por aqui desde o Plano Real, foi para pior. Nem correspondência a gente recebe. Quando vai ver, já está falido, porque as cobranças não chegam, a menos que alguém possa viajar para pegar na cidade vizinha", diz Mercedes.
Brasília – O aumento de renda, a redução do desemprego e a queda de inflação que marcaram o Plano Real, que completa 20 anos hoje, fortaleceram o mercado financeiro do país. Sem ter que correr diariamente ao supermercado para não arcar com reajustes diários que chegavam a 2% ao dia, o brasileiro sentiu segurança para poupar e investir em sonhos, como a compra da casa própria, do primeiro carro ou da primeira viagem.
Nesse período, a bolsa de valores se popularizou e atraiu o pequeno poupador. Gente interessada em ganhos mais robustos do que os das cadernetas de poupança, e confiante no fortalecimento das empresas do país. Em duas décadas, o Ibovespa — índice que mede a lucratividade das ações mais negociadas da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) — apontou valorização real de 221,11% (descontada a inflação pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo — IPCA).
Assim como a bolsa, aplicações em títulos públicos e Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) também ganharam lugar ao sol entre os investidores. Com a manutenção dos juros altos como pilar para manter o custo de vida sob controle, o rendimento de papéis indexados a Taxa Básica de Juros (Selic) fez a festa de muita gente. E, de olho nesse novo investidor, o governo criou um programa de venda de títulos papéis para pessoas físicas, o Tesouro Direto. Em maio, 402 mil investidores estavam cadastrados para negociar por meio desse sistema. Desde o início do Real, houve ganho médio real de 631,7% na renda fixa.
Dólar, o pior Mas, apesar da popularização de outras aplicações, a poupança continuou sendo a preferida dos investidores de menor renda. Durante as últimas duas décadas, a caderneta deu um retorno considerável, de 103,2% acima da inflação, melhor que o de várias aplicações de maior risco. A poupança garante 0,5% de juros ao mês, mais a Taxa Referencial de Juros (TR). Sobre a remuneração, não incide Imposto de Renda.
Em 2012, o governo mudou a regra de remuneração da caderneta, determinando que, toda vez que a Selic estiver abaixo de 8,5%, os novos depósitos sejam remunerados por 70% da taxa básica mais a TR. Nem assim houve redução do interesse dos brasileiros pela poupança. Em maio, o saldo acumulado na aplicação era de R$ 620 bilhões. De 1994 para cá, o dólar foi a única aplicação que deu prejuízo: caiu 51%.
Altos e baixos Apesar de ter ganhado valor nos últimos 20 anos de criação do Plano Real, o Ibovespa adquiriu e perdeu espaço para indicadores similares na América Latina. Segundo estudo da Consultoria Economatica, até a primeira fase do Plano, o Ibovespa ocupava o quarto lugar no ranking, com valorização real de 30,71% (descontada a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado – IPCA), perdendo apenas para os três índices dos Estados Unidos (Dow Jones, S&P e Nasdaq). A partir de janeiro de 2003, até 26 de junho, o país, apesar da valorização total, o Ibovespa perdeu posições: despencou para o sexto da lista, com retorno inferior a Peru, México, Argentina, Chile e Nasdaq (movimenta ações de empresas de tecnologia), que ainda se recupera da crise internacional.
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