Itacambira – Dono de uma mercearia no pequeno município de Itacambira, no Norte de Minas Gerais, Cristóvão Colombo Ferreira Leão, de 80 anos, guarda calhamaços de notas de cruzeiro que não têm mais valor. Consideradas relíquias para Cristóvão, as cédulas antigas, na verdade, são lembranças de prejuízos causados em lugares isolados do interior, há 20 anos, na época da criação do Plano Real, devido à falta de informação sobre a conversão da Unidade de Referência de Valor (URV) ou mesmo sobre a necessidade de troca do dinheiro antigo pelo novo. Foi o que ocorreu em Itacambira.
Em junho de 1994, às vésperas da entrada em vigor do real, a reportagem do Estado de Minas visitou o pequeno município, então com 4 mil habitantes, dos quais apenas 500 na zona urbana e outros 3,5 mil na zona rural. Na ocasião, os moradores disseram que estavam apreensivos, com poucas informações sobre o que seria a “nova moeda”. Na terça-feira, 1º de julho, quando o real comemorou seu aniversário de 20 anos, a reportagem retornou à cidade e ouviu depoimentos de moradores que tinham sido entrevistados duas décadas atrás. A constatação é que o lugar continua pobre do mesmo jeito, com a renda circulante garantida pelos salários dos funcionários da prefeitura e rendimentos de aposentados, além de contar com o reforço dos programas sociais do governo, especialmente do Bolsa-Família. “Acreditamos que depois do Plano Real a cidade melhorou muito. Itacambira não tem rico, mas também não tem pedinte ou mendigo”, disse o atual prefeito do município, José Francisco Ferreira (PSDB), o Zequinha, que era vereador e trabalhava como pedreiro antes de ser eleito para o comando da prefeitura, em 2012.
Um dos fatores que modificaram a vida de Itacambira desde o lançamento do Plano Real foi o asfaltamento de todo o trecho (90 quilômetros) da rodovia estadual que liga Montes Claros (polo regional) até a cidade – antes, só eram pavimentados 36 quilômetros do percurso, até Juramento. Somado ao cartão Bolsa-Família, o asfalto contribuiu para a melhoria do comércio local, que antes se resumia a poucos bares e “vendas”. Agora, há estabelecimentos de outros
segmentos, inclusive uma loja de eletrodomésticos.
“Antes, na época da inflação, era muito difícil. A gente comprava as coisas por um preço em um dia. No dia seguinte era outro preço”, afirma o comerciante Cristóvão Colombo Ferreira. Depois que o real entrou em circulação, ele saiu do aluguel e construiu o próprio ponto comercial. Por isso tem motivos para comemorar.
Cristóvão recorda que pouco antes do anúncio do Plano Real, a inflação passou de 50% ao mês. “Teve gente que vendeu quase tudo – carro e gado – para aplicar o dinheiro no banco, achando que estava ganhando muito por causa do juro alto. Na verdade, estava perdendo dinheiro”, afirma o comerciante.
Por outro lado, ele conta que, na ocasião do lançamento do plano, muitos moradores da zona rural de Itacambira ainda mantinham o hábito de “guardar dinheiro em casa” e não ficaram sabendo que, com a entrada em circulação da nova moeda, as notas do cruzeiro antigo perderiam valor se não fossem trocadas dentro de um prazo estabelecido. “Muitas pessoas vieram com notas de cruzeiro depois que passou o prazo para a troca. Eu dizia que o dinheiro não valia mais. Elas não acreditavam e xingavam”, disse Cristóvão, acrescentando que realizou muitas vendas “fiado”. Ele afirma que também acabou guardando as cédulas sem valor. “São relíquias que um dia serão mostradas para meus tataranetos”, diz o comerciante. “Tenho muitas notas de dinheiro, mas não sou rico”, brinca.
A vitória dos preços estáveis
Entrevistado pelo Estado de Minas quando trabalhava numa obra da Prefeitura de Itacambira, em junho de 1994, o pedreiro Oswaldo Batista Santana, então com 32 anos, disse que não sabia nada como estava sendo feita a transição do cruzeiro/URV para o real. Porém, anunciou que tiraria suas economias do banco e “aplicaria em outra coisa” porque os juros “acabariam”. Na época, não revelou valores.
Nesta semana, a reportagem localizou Oswaldo – agora, aos 52 anos –, trabalhando na construção de uma casa na localidade de Vargem Grande, na zona rural do município. Ele disse que, logo após a estreia do real, viajou para São Paulo e acabou usando o dinheiro que tinha aplicado para pagar despesas domésticas e quitar dívidas, sem comprar nenhum bem durável. Trabalhou na região de Mogi das Cruzes (SP) durante 17 anos. Depois, prestou serviços durante dois anos na região de Angra dos Reis (RJ). Em janeiro, retornou a Itacambira.
“Vim para passear. Mas agora, acho que vou continuar trabalhando por aqui mesmo”, disse o pedreiro, que pensa em vender uma casa em Angra dos Reis, o maior patrimônio que conseguiu adquirir durante a vigência do Plano Real. “Acho que com o real as coisas estão melhores agora. Antes, na época da inflação, a gente comprava alguma mercadoria de manhã por um preço e, à tarde, o valor era outro. Agora, a gente compra um produto, passam 30, 60 ou 90 dias e o preço continua sendo praticamente o mesmo”, relata.
Em junho de 1994, Gentil Soares Caldeira tinha um bar em Itacambira e, ao ser entrevistado na ocasião, comentou sobre o desconhecimento do “novo” Plano Real. “A gente fica por fora porque o lugar é longe da cidade grande.” Hoje, Gentil, aos 67 anos, é aposentado e não tem mais o bar. Ele vive no sítio da família, a oito quilômetros da sede de Itacambira. Ele recorda que na época da criação do real passou aperto pela falta de conhecimento sobre o sistema de conversão da URV. “A gente tem pouca leitura e conhecia mesmo era o cruzeiro e, um dia, uma mulher comprou alguma coisa no bar e deu uma nota de R$ 50 e eu não sabia como passar o troco para ela”, recorda. O aposentado também elogia o Plano Real: “Pelo menos a gente sabe o que pode comprar com o dinheiro que temos. Mas, não sei como será daqui pra frente”.
Na ocasião do lançamento do real, Maria Luisa Silva, dona da única pensão de Itacambira, declarou que vivia insegura, sem saber como estava sendo feita a conversão da URV. Na terça-feira, ela disse que o início do real foi “muito confuso”, mas que, com o tempo, assimilou bem o plano de estabilização da economia. Por outro lado, afirmou que, ultimamente, o custo de vida aumentou. “Os preços dos alimentos estão subindo muito”, reclamou. (LR)