A ameaça de recessão voltou a rondar o país. Mesmo com o Banco Central (BC) tendo posto fim à escalada dos juros para tentar salvar o crescimento no último ano do governo Dilma Rousseff, dados divulgados ontem pela própria instituição não deixam espaço para otimismo. Em maio, o Índice de Atividade Econômica (IBC-BR), considerado um termômetro para o Produto Interno Bruto (PIB), encolheu 0,18%, na série com ajuste sazonal. Em outra comparação, sem ajuste, a queda foi bem mais intensa: 1,59%. Foi o pior resultado em todo o ano para ambos os cenários, o que alimenta dúvidas sobre os números do PIB do segundo trimestre do ano, que serão divulgados no fim de agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para analistas, não há dúvidas de que a economia afundou de vez em maio. O mesmo pode ter acontecido em junho, já que dados preliminares reforçam o risco de retração ainda mais intensa da atividade. Em cinco meses, o IBC-BR registrou variação positiva mais consistente apenas em janeiro, com alta de 1,14%. Entre fevereiro e maio, o indicador ficou praticamente estagnado, com duas leves altas, em março e abril, e duas quedas mais fortes, em fevereiro e, principalmente, em maio. No ano, o indicador ainda apresenta alta de 0,7% — sobretudo por causa do forte resultado de janeiro. Sem ele, haveria queda de 0,18%.
Poderia ser ainda pior, disse o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, que chamou a atenção para o “surpreendente” resultado do varejo, o que ajudou a evitar uma piora ainda mais intensa do IBC-BR de maio. “O mercado projetava queda de 0,1% nas vendas do comércio no país, mas os números mostraram elevação de 0,5%, bem acima do que todos imaginavam, sobretudo por conta do Dias das Mães e da venda de televisores para a Copa do Mundo, que puxaram o desempenho do varejo em maio”, reforçou o economista.
Os bons resultados do varejo devem parar por aí, disse o diretor do Grupo de Pesquisas Econômicas para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. “Para junho, a tendência é que haja contração, tanto das vendas do varejo quanto da produção industrial, o que deve levar a um consistente declínio do PIB no segundo trimestre do ano”, observou.
Os números parecem dar razão ao economista. A utilização da capacidade instalada das fábricas desabou a 83,5% no sexto mês do ano, com queda de 0,8 ponto percentual sobre maio. Com isso, atingiu o mais baixo patamar desde novembro de 2011.
Com estoques elevados, a tendência é de piora nos resultados. Há quatro semanas, as projeções de 100 instituições financeiras consultadas semanalmente pelo Boletim Focus ainda eram de uma alta de 0,96% na produção industrial deste ano. À medida que novos números foram divulgados, essas estimativas foram revisadas, a ponto de inverterem completamente a tendência de longo prazo.
Hoje, em vez de alta, o mercado estima queda de 0,67% na atividade fabril em 2014. Mas mesmo essa projeção pode ainda piorar, tendo em vista dados recentes do setor. Dois indicadores antecedentes apontam para retração mais intensa da indústria em junho. O fluxo de veículos em estradas com pedágio – que abrange, sobretudo, as rotas de transportes de cargas para o porto de Santos, em São Paulo – encolheu 0,5% em junho. Ao mesmo tempo, a fabricação de papelão ondulado despencou 2,1% no mês. A queda nesse indicador pode sinalizar o menor volume de encomendas de varejistas às indústrias, o que deve puxar os resultados já ruins para o fundo do poço nos próximos meses.
“Os dados de produção industrial têm vindo muito fracos, assim como os índices de confiança de consumidores e de empresários, que têm sofrido fortes quedas nas últimas semanas”, observou o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno. Para ele, não há dúvidas de que o baixo crescimento está na ordem do dia do governo. “As perspectivas para o crescimento da economia, que já eram ruins, estão se deteriorando rapidamente”, assinalou. Não por acaso, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) classificou 2014 como “mais um ano de crise” para a indústria.
Inflação corrói renda
A indústria brasileira enfrenta também, este ano, o desafio do menor crescimento da renda das famílias e a alta da inflação. Nos últimos 12 meses, até março deste ano, a massa de salários reais, que desconta a variação do custo de vida no país, cresceu 2%. Em 2010, por exemplo, essa expansão era de 7,4%. Desde então, a renda real perde força, em função da escalada dos preços de produtos e serviços. Até junho, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cravou alta de 6,52%, no acumulado de 12 meses. Foi a 11ª vez que o indicador rompeu o teto da meta de inflação, de 6,5% durante os três anos e meio de governo Dilma Rousseff.
Se a inflação tem engolido uma parte crescente da renda das famílias, o mesmo pode ser dito dos juros cobrados nos financiamentos bancários. Desde abril de 2013, quando o BC deu início à elevação da Selic, as taxas cobradas nas principais linhas ao consumidor explodiram. Enquanto a taxa básica subiu 3,75 pontos percentuais num intervalo de um ano, os juros do cartão de crédito avançaram seis vezes mais: 25 pontos.
Também deve pesar mais no bolso do consumidor a menor expansão do crédito, já que, com menos dinheiro disponível para emprestar, os bancos tendem a cobrar mais caro pelos financiamentos. Após crescer a taxas superiores a 30%, até 2008, a oferta de crédito com recursos livres desacelerou para 5,7% este ano. “Descontada a inflação, significa dizer que o crédito está encolhendo”, disse o economista-chefe da Boa Vista Serviços, Flávio Calife.
Não por acaso, diante de números ruins para os principais motores do crescimento econômico, o mercado passou a esperar por dias ainda mais difíceis para 2014. O Itaú Unibanco, por exemplo, cortou a projeção de alta do PIB de 1% para apenas 0,7% este ano. Outras instituições, como Bradesco, MB Associados e outras consultorias econômicas também revisaram as projeções para o crescimento econômico.
A confirmação desses maus resultados, observa o economista português Alberto Ramos, seria a comprovação de que as decisões adotadas pelo governo para estimular a economia deram errado. “Hoje, o PIB brasileiro é quase 1% mais baixo do que o nível alcançado há 14 meses”, disse o economista do Goldman Sachs, que emendou: “Isso atesta o efeito corrosivo da inflação alta e outros desequilíbrios crescentes na economia alimentada por políticas heterodoxas”, disse.