O juiz Thomas Griesa, de Nova York, rejeitou nesta terça-feira o pedido do governo argentino para suspender até o final do ano o pagamento de US$ 1,3 bilhão (mais juros) aos chamados fundos abutres – que compraram títulos da divida argentina a preços baixos, depois do calote de 2001, para depois entrar na justiça e cobrar a totalidade, sem desconto.
Em comunicado divulgado pelo Ministério da Economia, o governo argentino acusou o juiz norte-americano de prejudicar os credores, que aderiram aos dois planos de reestruturação (2005 e 2010) e aceitaram receber o total devido com descontos de ate 65%. Eles representam 93% dos detentores de títulos da divida argentina e deveriam ter cobrado um vencimento de US$ 900 milhões no último dia 30 de junho. Mas o pagamento foi sustado por ordem de Griesa.
O juiz deu ganho de causa a dois fundos abutres (NML e Aurelius) e treze particulares, que abriram processo em Nova York para cobrar a totalidade da divida. A sentença obriga o governo argentino a pagar esse grupo (que representa 1% do total dos detentores de títulos da divida) antes ou ao mesmo tempo que os demais credores.
Apesar de a Argentina ter depositado o dinheiro para o vencimento da divida reestruturada, o Banco de Nova York só poderá realizar o pagamento depois de acertar as contas com os fundos abutres. Pelos cálculos do economista Guillermo Nielsen, que participou do processo de renegociação da divida argentina, com os juros, a divida chega a US$ 1,65 bilhão.
O Banco de Nova York, por sua vez, está no meio de um imbróglio financeiro-judicial. A instituição bancária tem uma conta no Banco Central Argentino, para pagar os credores do país. Mas nem todos os títulos estão regidos pela legislação norte-americana: existem papéis em euros, libras esterlinas e ienes, pagos pelas sucursais do mesmo banco na Europa e no Japão. “O dinheiro que a Argentina depositou na conta do Banco de Nova York não pertence mais ao país – pertence aos credores e portanto não pode ser embargado”, explicou Nielsen. “Mas o juiz pressionou o banco, que é norte-americano, dizendo que se fizer qualquer pagamento violará a sentença judicial”, explicou.
O que mais preocupa o governo argentino não é a quantidade que deve desembolsar agora, mas as consequências futuras desse desembolso. Quando fez as duas propostas de reestruturação, a Argentina assegurou aos credores que não faria outras ofertas mais favoráveis. Essa promessa foi colocada por escrito na chamada Cláusula Rufo (Rights Upon Futures Offers), que protege os credores que aceitaram trocar os títulos da dívida referente à moratória de 2001 e caduca no final deste ano.
“Se a Argentina negociar uma oferta melhor com os fundos abutres, estaria violando a Cláusula Rufo e abriria a porta para que os demais credores, que aderiram às propostas de reestruturação, percam a revisão de seus contratos”, explicou Nielsenl. “Pode-se argumentar que a Argentina não fez uma proposta mais favorável, que foi obrigada pela Justiça dos Estados Unidos a pagar a totalidade da divida ao grupo que representa 1% dos credores e que ganhou o processo em Nova York”, acrescentou. Mas o risco legal existe e, segundo ele, pode custar ao país US$ 40 bilhões.
Pior que isso, na avaliação do economista, é o default, a moratória. Desde a crise de 2001, a Argentina conseguiu recuperar sua economia, sem financiamento externo, e ainda saldou sua divida com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Além de renegociar a divida com 93% dos detentores de títulos da divida, o país acaba de chegar a um acordo para pagar o que deve ao Clube de Paris. Outra moratória, segundo Nielsen, “significaria recomeçar da estaca zero”.
Uma opção para evitar esse problema, de acordo com Nielsen, seria fazer um depósito na Justiça (para demonstrar vontade de cumprir a sentença), que só seria cobrado em 2015, depois que a Cláusula Rufo caducasse. No entanto, o governo argentino, que há um mês esta buscando apoio político em todos os fóruns internacionais, também teme a reação dos outros credores. A sentença de Griesa favorece apenas 1% dos credores, outros 6% estão recorrendo a diferentes tribunais pela mesma razão.