Você passa o cartão de crédito desconfiado, sem ter certeza de que há dinheiro disponível, mas a maquininha acusa “transação aceita” e a vida segue. Dias depois, a fatura chega e o surpreende com um valor acima do limite e ainda com a cobrança de uma taxa, até então, desconhecida. Prova de que os bancos conhecem bem o ímpeto consumista dos clientes e não se acanham em ativar, com bastante frequência, o chamado limite emergencial de crédito, serviço de nome grande que se apequena nos longos contratos de letras minúsculas, quase nunca lidos.
Há quem, mesmo sendo pego de surpresa, use e até festeje o crédito extra. As instituições financeiras não têm do que reclamar: ganham com as taxas — por mais insignificantes que pareçam ser individualmente — e com os juros exorbitantes cobrados dos que abusam dos empréstimos e acabam caindo no rotativo, pagando apenas o valor mínimo da fatura. Já as entidades de defesa do consumidor, com base em relatos de clientes insatisfeitos, alertam para práticas abusivas e permissivas dos bancos quando se trata do tal limite emergencial.
Embora os bancos aleguem que o serviço consta em contrato devidamente assinado no ato da contratação do cartão — o que nem sempre é verdade —, a liberação do crédito extra deve obrigatoriamente ser comunicada, na avaliação da coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dulci. “O banco precisa avisar o custo e pedir autorização. Mesmo que esteja no contrato, a medida passa a ser ilegal a partir do momento em que o cliente não é informado da ativação do serviço”, sustenta a advogada.
Quando, de fato, a possibilidade de aumentar o limite em situações emergenciais aparece no contrato, sublinha Maria Inês, as cláusulas referentes ao serviço costumam ser genéricas e não trazem os valores a serem incluídos na fatura do cliente caso ele seja ativado. “Não é só dizer que está no contrato e pronto. As instituições financeiras sabem que não funciona assim”, comenta a especialista, para quem o livre direito dos bancos de buscar o lucro acaba quando o consumidor passa a ser prejudicado.
INDIGNAÇÃO
A analista de redes sociais Rafaela Lima, de 23 anos, soube da existência do limite emergencial de crédito no dia em que arriscou passar o cartão para comprar uma calça, embora tivesse quase certeza de que não daria certo. Para espanto dela, cliente do Itaú, a transação foi autorizada. No mês seguinte ela descobriu que havia extrapolado o limite e, por isso, seria obrigada a pagar, além do excedente, claro, a taxa de R$ 18,90. Mesmo com a calça nova no guarda-roupa, Rafaela se indignou com o serviço. Ao vasculhar informações na internet descobriu que não era a única.
O banco informou à jovem, pela central de relacionamento, que o limite emergencial estava previsto no contrato. “Mas nunca pedi esse serviço. Muito menos sabia que ele existia”, desabafa Rafaela, que exigiu e conseguiu a devolução da taxa sem precisar acionar entidades de direito do consumidor ou mesmo o Juizado Especial Cível.
A falta de transparência dos bancos se reflete na dificuldade que eles têm de tornar públicas informações de interesse dos clientes. O Itaú Unibanco avisou que não responderia, pois não obteve retorno da “área responsável” quatro dias após o pedido. Em outros bancos, a taxa varia de R$ 15 a R$ 17. O Banco do Brasil informou não cobrar a tarifa, mas autoriza transferência de limites do cheque especial para o cartão de crédito.
Muleta
Em uma economia desacelerada e com o cenário de inflação e juros altos, o cartão de crédito se torna uma armadilha ainda mais perigosa. A displicência tem levado milhões de brasileiros, todos os meses, a não conseguirem fechar as contas. O grande problema, alertam os especialistas, é fazer do crédito uma “muleta” para manter o padrão de vida e garantir os ímpetos consumistas. Com ou sem limite emergencial, a recomendação é evitar ao máximo os longos parcelamentos sem a garantia de recursos disponíveis no fechamento da fatura.