Os empresários da indústria brasileira têm um motivo a mais para temer em 2014: além da retração da produção nas fábricas e da desaceleração do consumo das famílias, o que sinaliza menos encomendas no futuro, eles também passaram a observar, com cautela, o desfecho da negociação entre a Argentina e os chamados fundos abutres. Uma declaração de calote, como já parece ser inevitável em Buenos Aires, levaria a um cenário de restrição ainda maior de dólares no país vizinho, que já enfrenta dificuldades para atrair investidores, em função de uma inflação galopante, que ultrapassa os 25% ao ano e uma economia que já ensaia mergulhar numa recessão.
“O cenário é preocupante”, disse o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. A Argentina é um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Em 2013, mesmo já em crise, o país correspondeu, sozinho, por 8,1% das exportações totais do Brasil. Este ano, essa participação caiu para 6,7%. Mas pode ficar abaixo de 5% caso o país, de fato, anuncie o calote da sua dívida externa.
“Mesmo que o default não seja oficializado, o estrago está feito porque todo mundo agora vai ter receio de vender para a Argentina. Além disso, o próprio governo deles deverá ser ainda mais duro com as importações, já que deve enfrentar mais dificuldades para atrair dólares em meio a uma crise de confiança”, observou Castro.
A crise afeta, sobretudo, a indústria nacional, já que a Argentina é um dos principais compradores de produtos manufaturados brasileiros. “Desde o ano passado, já começaram a aparecer alguns problemas deles. Agora, a situação está ainda pior, com esse iminente calote da dívida”, reforçou o economista Rogério César de Souza, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Levando em conta apenas produtos industrializados, a participação da Argentina sobre as exportações do Brasil era de 19,4% em 2013. Mas caiu para 17,3%, em junho. “É um cenário bem ruim, que deverá tornar ainda mais difícil o ano para a indústria brasileira”, observou Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra.
Apesar disso, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, repetiu ontem o discurso do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o calote argentino não afetará o Brasil. “Não há impacto importante sobre as relações financeiras”, declarou. Para ele, o momento é de “aguardar o desenrolar dos acontecimentos e ver se será possível uma solução”. Questionado se o default alterava operações do BNDES na Argentina, repetiu: “Não há impacto”. (DB)
Enquanto isso...
…impasse é mantido
O juiz federal norte-americano Thomas Griesa pediu ontem que a Argentina e os fundos especulativos continuem buscando solução negociada para o impasse que levou o país a dar calote (default) parcial desde quinta-feira. “Voltemos a trabalhar”, convocou ele, rejeitando o pedido do governo da presidente Cristina Kirchner para mudar o mediador que acompanha o caso, Daniel Pollack, alegando perda de confiança após o fracasso das negociações travadas até a noite de quarta-feira. Griesa recusou o pedido argentino de uma medida cautelar que poderia ter evitado o default.