Nem o vale-refeição, nem o salário do mês têm sido suficientes para bancar a alimentação dos brasileiros fora de casa. Não à toa, a marmita voltou com tudo aos ambientes de trabalho: os preços em lanchonetes e restaurantes não dão trégua e seguem avançando em ritmo mais acelerado do que a inflação média do país. De 2004 até o mês passado, a alta acumulada no segmento foi de 246,8% no Brasil. Com o arrocho da renda e o endividamento recorde das famílias, comer na rua se tornou, para muita gente, um hábito insustentável.
Belo Horizonte tem a refeição mais cara do Brasil, segundo levantamento divulgado este ano pela Associação das Empresas de Refeição e Alimentação Convênio para o Trabalhador (Assert). O preço médio da refeição na capital mineira, incluindo bebida, sobremesa e café, ficou em R$ 37,71, 25% acima dos R$ 30,14 registrados na média nacional. Mas a inflação anda tão traiçoeira que os valores, observa o próprio presidente da entidade, Artur Almeida, já estão defasados. A pesquisa da Assert leva em conta a média de preços praticados para o prato feito, self-service, prato executivo e à la carte.
Se ficar refém dos cartões de benefício, o trabalhador não consegue fechar a conta. O valor médio dos vales oferecidos pelas empresas, de acordo com a Assert, é de R$ 13 por dia, quase um terço do necessário para garantir as refeições fora de casa. Quem não encontra alternativas, se enrola no cartão de crédito ou, no mínimo, vê aumentar o peso da alimentação no orçamento doméstico, que gira em torno de 25%, mas, nas famílias de renda mais baixa, pode representar mais da metade dos gastos mensais.
Na mesma empresa de Janaína e Maggy, o analista de sistemas Tiago Henrique de Oliveira, 27, compra no mercado pão, queijos, presunto e sucos e leva para o trabalho o lanche preparado em casa. “Economizo pelo menos R$ 30 por semana”, diz ele, que também participa do almoço comunitário.
Percebendo a maior demanda por parte dos funcionários, a empresa montou uma cozinha completa, com fogão, geladeira, forno, micro-ondas, sala para almoço, espaço para descanso e jogos. “Percebemos que crescia o número de funcionários que preferiam não sair na hora do almoço. Para maior integração, decidimos investir na cozinha. Assim, nossa copeira pode aquecer a refeição que os funcionários trazem, processar o suco natural e montar pratos comunitários”, diz Laura Lawton, superitendente da rede de franquias, que conta com 53 funcionários.
OPORTUNIDADE Quem se beneficiou da fúria do dragão nas refeições e no lanche foi a copeira Margarete Pacheco. Em casa, ela costuma preparar um cardápio variado de lanches e vende aos colegas do trabalho com descontos que chegam a 50%, se comparados aos preços praticados no comércio da região. Assim, Maggy faz sua caixinha. “Eu ajudo a turma a economizar em tempos de comida cara, e eles também me ajudam muito. Com o dinheiro do lanche, já reformei minha casa”, observa.
Criar caminhos para reduzir os gastos com restaurantes será uma tendência enquanto a inflação se mantiver alta, no entender do economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) André Braz. Em julho, a alimentação fora de casa encareceu 10,25% no acumulado de 12 meses. Foi o maior aumento para o mês, detalha ele, desde 2003, quando a inflação das refeições e dos lanches chegou a 15,79%, também levando em conta os preços do último ano. Mesmo que a inflação dos alimentos entre em um ciclo de desaceleração neste segundo semestre, por questões climáticas, comer fora de casa não deixará de pesar no bolso dos brasileiros tão cedo, opina Braz. “Se o custo da matéria-prima dos restaurantes aliviar um pouco, isso não implicará redução de preço da noite para o dia”, pondera o economista, que acredita em valores ainda bastante pressionados pelo menos até o próximo ano.
Ruim para todos
O setor gastronômico, reconhece o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, vive um momento delicado no país. “Precisamos repensar o modelo. Os custos estão elevados e essa é uma realidade que afasta os clientes e diminui a rentabilidade dos empresários”, defende. Apesar dos reajustes sempre acima da inflação, Solmucci afirma que ainda há preços represados. “Se repassássemos todos os custos, o setor ficaria inviável”, emenda.
O analista de sistemas Ney Marcelo Borges Pellegrini, 35, sempre comeu no restaurante da empresa. Quando o preço do quilo subiu, ele passou a almoçar em um dos quiosques em frente ao local de trabalho. Há dois anos, quando a mãe dele passou por uma crise financeira, os dois encontraram uma solução para ajudar a aliviar as finanças de ambos: ela passou a preparar a marmita do filho, que topou comprar a refeição diária por uma preço familiar.
Casado há 10 anos, pai de dois filhos, Ney visita a mãe todos os domingos e volta para casa com as quentinhas de segunda a quarta-feira. No meio da semana, é a avó quem vai ao encontro do filho para levar os almoços que faltam. “O bom é que gasto menos, ajudo minha mãe e ainda a deixo com a sensação de que ela continua cuidando de mim”, comenta. A estratégia rendeu uma economia de pelo menos R$ 100 por mês a Ney.
Somada ao vale-alimentação da mulher, que também costuma levar marmita para o trabalho, a economia feita pelo analista de sistemas garantiu folga no orçamento. “Se eu continuasse comendo em restaurante todos os dias, estaria mais apertado e mais gordo”, afirma.
A alimentação fora de casa aumentou tanto que corroeu o valor dos cartões de benefício. “E a prioridade das empresas, hoje, é manter o emprego, não aumentar tíquete”, avalia José Roberto Kracochansky, presidente da Unik, que este mês fechou parceria com a bandeira VR Benefícios apostando em melhoria da economia. “A inflação é resultado de um processo. A ficha caiu. Chegamos à crista.” (DA e MC)