Sem trens, caminhões ou voos domésticos, uma segunda greve nacional convocada por centrais sindicais da oposição foi realizada nesta quinta-feira na Argentina, que sofre com alta inflação, recessão e tensão financeira. O alcance da greve gerou polêmica entre o governo da presidente peronista, Cristina Kirchner, que minimizou o protesto, e os líderes sindicalistas do peronismo ortodoxo de centro, que calcularam adesão de 85% dos sindicatos em todo o país.
"Aproximadamente 85% dos trabalhadores expressaram seus desejos frente a um governo que não dá respostas. A inflação está corroendo os salários", disse em coletiva de imprensa um dos organizadores da greve, Hugo Moyano, do sindicato dos caminhoneiros. A mobilização desta quinta-feira não foi capaz, contudo, de paralisar o país como aconteceu no 10 de abril.
A inflação anual supera os 30%, e a economia parece estar em declínio, rumo à recessão. Além disso, o setor financeiro vive um momento de incerteza em meio a uma batalha legal contra os fundos especulativos em Nova York, que acabou levando o país ao "default seletivo" declarado pelas agências de classificação de risco. "Não foi uma greve geral. Cerca de 75% não pararam. A greve é política, para posicionar os sindicatos frente às eleições (presidenciais) de 2015", disse em coletiva de imprensa o ministro do Trabalho, Carlos Tomada.
Cristina, decime qué se siente
Enquanto Moyano falava na sede da central sindical CGT, seus partidários cantavam "Cristina decime qué se siente" (Cristina me diga como se sente), em uma versão política da música que os torcedores argentinos transformaram em hit durante a Copa do Mundo no Brasil.
Em sua página do Twitter, a presidente disse que sentia, mas como lamento, a destruição de vagões novos. "Quem faz isso? Os trabalhadores? Sem palavras", fazendo referência aos vagões depredados na linha de trem Sarmiento, que une Buenos Aires à periferia, e aos militantes da esquerda trotskista.
A greve teve início durante a madrugada com o bloqueio de ruas e acessos a Buenos Aires pelos sindicalistas e ativistas de esquerda, que também paralisaram as atividades nas províncias, a exemplo de Córdoba (centro), Santa Fé (centro-este) e Jujuy (norte). Os sindicatos denunciam que a inflação anual, superior a 30%, castiga sem piedade o bolso dos assalariados e que o desemprego cresceu de 7,1% no primeiro trimestre deste ano a 7,5% no segundo.
A greve foi convocada contra a queda do emprego, contra um imposto sobre a renda que afeta grande parte da massa trabalhadora e contra uma inflação incontrolável que é vivida em um clima de incerteza financeira pelo bloqueio judicial de pagamentos da dívida nos Estados Unidos. O impasse empurrou a terceira economia da América Latina para um "default" seletivo. "Não vamos mudar o imposto", insistiu Tomada.
Piquetes em áreas-chave
Antes do meio-dia, os manifestantes que bloquearam os acessos a áreas-chave, protestaram e, exceto por um pequeno incidente com a polícia, o ritmo nas ruas foi quase normal, com bancos privados, comércio e supermercados abertos. "Se eu não viesse trabalhar me descontariam o dia, e nessa crise temos que trabalhar, senão é como lutar contra o próprio bolso", disse à AFP José Hernández, técnico em odontologia a caminho do trabalho na Recoleta.
A maioria das escolas, públicas e privadas, abriram, embora com menos alunos. Os setores que mais sentiram a medida foram os de transporte de carga pesada, correspondência, distribuição de bebidas e coleta de lixo. Os táxis e ônibus não aderiram à greve, ao contrário do dia 10 de abril passado, quando a adesão dos motoristas foi determinante para garantir o maior alcance da mobilização.
Além da CGT de Moyano, também convocaram a greve a CGT Azul y Blanca, de Luis Barrionuevo, e o setor opositor da também dividida Central de Trabalhadores da Argentina (CTA). Os outros setores da CTA e a CGT Balcarce, mais próxima do governo, não aderiram à paralisação.
Clima de crise
A greve acontece em meio a um clima de incerteza financeira pelo bloqueio judicial de pagamentos da dívida nos Estados Unidos. O impasse empurrou a terceira economia da América Latina para um "default" seletivo. No primeiro trimestre deste ano, a atividade econômica caiu 0,8% em comparação ao último trimestre de 2013, quando recuou 0,5% em relação ao trimestre anterior. No primeiro trimestre, a queda foi de 0,2% anual. A previsão para o segundo trimestre será divulgada no dia 24 de setembro.
Na última semana, a tensão se estendeu para o mercado de câmbio, onde o preço do dólar informal superou os 14 pesos, enquanto no mercado formal a cotação era de 8,42. Analistas afirmam que as grandes empresas pressionam por uma desvalorização para beneficiar suas exportações. "Não haverá desvalorização", disse Capitanich nesta quinta-feira, que insistiu no argumento de que a pressão sobre a moeda faz parte de uma estratégia impulsionada pelos fundos especulativos dos EUA.