Mário Xavier, de 66 anos, frequenta o Mercado Central de Belo Horizonte há três décadas. Dificilmente ele volta para casa sem degustar uma porção de fígado com jiló, o mais famoso tira-gosto dos bares de lá. A tigela, com cerca de 300 gramas, custa R$ 20. Nessa mesma época de 2013, saía por R$ 17. A diferença, de 17,6%, supera em quase três vezes o avanço de 6,5% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do Brasil, no acumulado dos últimos 12 meses, encerrados em julho. A disparada do preço da iguaria é apenas um dos exemplos de como a inflação estará presente no aniversário de 85 anos do tradicional ponto comercial da capital mineira.
Uma multidão é aguardada pelos feirantes e lojistas do Mercado. O clima de festa que tomou conta do lugar, com direito a sorteio de brindes nas compras acima de R$ 150, perde um pouco do brilho para a inflação de produtos típicos da culinária mineira e que são negociados com toda pompa pelos pequenos comerciantes no cartão-postal. Há mercadorias que ficaram 100% mais caras apenas de janeiro para cá. O percentual está bem distante do IPCA do acumulado dos sete primeiros meses do ano (3,76%). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vai divulgar o indicador de agosto amanhã.
“Mas não dá para ficar sem o fígado com jiló”, disse Mário Xavier, que costuma ir ao Mercado uma ou duas vezes por semana. Quem explica o porquê de o preço da iguaria ter disparado é Wilson Guide, chefe do Departamento Técnico da CeasaMinas: “A oferta do jiló em 2014 foi até 20% menor do que em 2013. Isso ocorreu por razão climáticas. É importante frisar que a irrigação encarece o custo. Temos de levar em consideração que, na Ceasa, 60% da produção está concentrada em oito cidades. De janeiro a agosto deste ano, o preço do quilo subiu 79%. De setembro de 2013 para cá, 83,5%. Este mês, o preço médio do quilo do jiló está em R$ 1,45”.
Donos de bares amenizam a alta do tira-gosto, dizendo que não repassam todo o aumento do quilo do miúdo e do fruto amargo para a clientela. Acrescentam que seguram o preço até o limite e que, ao longo do último ano, houve também alta no valor do gás que esquenta a chapa, na conta de energia elétrica, no salário dos funcionários etc. “Se os estabelecimentos fossem reajustar (o valor do tira-gosto) levando-se em conta todos os aumentos, o fígado com jiló estaria muito mais caro”, garante Miro, apelido de Jamiro Luiz de Souza, funcionário que ganha a vida no bar Valadarense. A expectativa é que o valor do quilo do jiló caia a partir do fim de outubro ou de novembro, caso São Pedro decida abrir a torneira. Até lá, há a possibilidade de o famoso tira-gosto sofrer mais aumentos.
Queijo ‘salgado’
A forte estiagem que castiga todo o país também afetou o preço do queijo canastra, fabricado por fazendeiros na serra homônima do interior de Minas e um dos alimentos mais procurados no Mercado Central. Na loja Queijinho de Minas, o quilo do queijo feito por um produtor em São Roque de Minas sai a R$ 16,90. “Em janeiro passado estava em R$ 13,90”, recordou o funcionário José Orozimbo.
A diferença, de 21,5%, é quase seis vezes maior que a inflação deste ano, encerrada em julho. Apesar disso, destaca o rapaz, o preço do queijo ainda não garante uma boa margem de lucro aos feirantes. “O ideal é que custasse em torno de R$ 18,90 (11,8% acima do preço atual). Se a chuva chegar, contudo, a tendência é reduzir o valor”, analisa o homem. Em outras palavras, ele destaca que a seca queimou o pasto, aumentou o custo do fazendeiro com a alimentação do gado e encareceu o valor do litro do leite.
O relatório mensal do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP) reforça a tese de Orozimbo: a média do litro de leite vendido diretamente pelo produtor mineiro passou de R$ 0,9967, em janeiro, para R$ 1,1190, em agosto – crescimento de 12,2%. Esse é um dos motivos que levou os comerciantes a reajustar, na última semana, o preço da lata de 800 gramas do doce de leite Viçosa, sete vezes eleito o melhor do gênero no Brasil. No latício Mozzer, a lata passou de R$ 15,90 para R$ 16,90 – diferença de 6,2%.
O aumento, acima da inflação no acumulado do ano (3,76%, até julho), quase atingiu os 6,5% considerados pela equipe econômica do Palácio do Planalto como o teto do IPCA para 2014. “Também tivemos de reajustar o preço da embalagem de 680 gramas da goiabada cascão produzida em Machado (Sul de Minas). No início do ano, custava R$ 5. Agora está em R$ 7,99”. O preço saltou 59,8%. Outras mercadorias, contudo, subiram ainda mais.
É o caso da garrafa de um litro de um mel que vem de Januária, no Norte do estado. O produto, que em janeiro custava R$ 15, é negociado hoje a R$ 30. “O preço dobrou. Os aumentos, desde janeiro, ocorreram gradativamente, porque o fornecedor teve gastos a mais com frete, combustível etc. O produtor também. Não houve como escapar”, lamentou José Antunes Moreira, de 53 anos, que a há quatro décadas trabalha no Mercado Central.
Invasão estrangeira
Embora seja um centro de vendas conhecido por oferecer grande diversidade de ingredientes da culinária mineira, o Mercado Central tem novidades da gastronomia internacional. As irmãs Suarez, Ana Flávia e Camila, montaram o Sushi Modelo há um ano e três meses. As vendas, segundo elas, subiram 15% e devem crescer mais nos próximos meses.
“Somos a terceira geração a trabalhar no mercado. Meu avô, que era espanhol, começou com um aviário. Meu pai, por sua vez, com uma peixaria. Percebemos que a procura, na peixaria dele, por ingredientes para sushi estava boa e decidimos montar a loja”, conta Ana Flávia.
Já um argentino de Buenos Aires, amigo do feirante José Antunes, o vendedor de mel e abacaxi, colocou à venda, na barraca do colega, alfajor de doce claro e escuro. Cada unidade sai a R$ 4. Ele também negocia oferecer no local o chimichurri, típico tempero platino para carne, por R$ 8 a unidade. As embalagens vêm com a bandeira do país vizinho. (PHL)