Brasília –Um dia depois de ser criticado pela oposição após a divulgação dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2013, um dos levantamentos mais completos sobre as características da sociedade brasileira, o governo voltou atrás. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) admitiu ter cometido erros “extremamente graves” na publicação que reúne dados de referência para programas sociais. Segundo o instituto, houve falha na checagem dos dados e que, na verdade, ao invés de aumentar, a desigualdade no país diminuiu ao longo dos últimos três anos. Em contrapartida, a taxa de analfabetismo piorou com a revisão.
Segundo o instituto, erros no cálculo da pesquisa alteraram o índice de Gini, medida da desigualdade. O Gini do trabalho, que mensura exclusivamente a distribuição dos rendimentos do trabalho, passou de 0,496 em 2012 para 0,495 no ano passado, o que indica uma estagnação, segundo o IBGE. Antes, o instituto havia informado que indicador tinha passado para 0,498. Também mudou a estimativa do renda do trabalho, que passou do dado de 5,7% de expansão para uma alta menor, de 3,8% em 2013. A renda foi reestimada de R$ 1.681 para R$ 16.51. O índice de analfabetismo caiu de 8,7%, em 2012, para 8,5% em 2013 – e não 8,3% como primeiramente informado.
Já desgastada pela crise gerada com a greve dos servidores do órgão, a presidente do instituto, Wasmália Bivar, lamentou a falha. “Nos cabe pedir desculpas à toda a sociedade brasileira”, disse ela, que, por várias vezes ficou com lágrimas nos olhos durante entrevista no fim da tarde de ontem. “O governo está chocado com este erro cometido pelo IBGE. É um erro gravíssimo”, lamentou a ministra do Planejamento, Miriam Belchior. Ela anunciou a criação de uma comissão de “especialistas independentes” que vai avaliar a consistência da Pnad. A composição da comissão deverá ser publicada até a terça-feira, previu a ministra. Além disso, uma comissão de sindicância vai apurar as razões dos erros na Pnad, “o porquê isso aconteceu e se existe alguma medida disciplinar que deve ser adotada”, garantiu Belchior.
O segundo grupo será formado por integrantes do Ministério do Planejamento, da Casa Civil, do Ministério da Justiça e da Controladoria-Geral da União. A ministra evitou falar sobre corte de cabeças no IBGE, o que só poderá ser analisado após o fim do trabalho das comissões — que ainda não tem prazo definido para apresentarem resultados. “No momento eleitoral, qualquer coisa é usada politicamente”, ponderou Belchior.
A ministra descartou que o erro na Pnad seja resultado de ajustes fiscais que prejudicaram o quadro de funcionários do Instituto, o que poderia ter comprometido a qualidade das pesquisas. “Neste ano nós liberamos 660 novos servidores para o IBGE, e o orçamento, nesse período nosso de governo, cresceu mais do que 60%. São indicadores claros dessa condição que o IBGE tem hoje de realizar as pesquisas”, afirmou a ministra “Além do que, qualquer profissional de estatística sabe quais são os procedimentos que a gente tem que fazer numa pesquisa. E, infelizmente, lamentavelmente, um procedimento básico, que é de checagem e rechecagem, não funcionou no caso da Pnad”, criticou, lamentando a “falta de cuidado em um procedimento básico para quem faz estatística em qualquer lugar”.
A falha O diretor de Pesquisa do IBGE, Roberto Luís Olinto Ramos, descartou pressão do governo sobre a pesquisa, e disse que o instituto encara o fato como um acidente estritamente técnico que será investigado. “O IBGE está extremamente abalado por isso, mas identificado o erro, ele é assumido”. Ramos explicou que ocorreu um erro técnico ao atribuir pesos aos dados de alguns estados. “Existe um processo onde você pega a amostra e projeta com um peso. Da amostra para o todo, houve um problema restrito às regiões metropolitanas de sete estados (Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul) que têm mais de uma região metropolitana, onde foi considerado o peso da região metropolitana do estado inteiro, e não apenas o da capital”, explicou o diretor.
Não é a primeira vez que o IBGE corrige os resultados de uma pesquisa. Mesmo na Pnad, não é raro os repórteres receberem a brochura da pesquisa sem partes de alguns capítulos, que são posteriormente anexados em folhas destacadas. São correções, resultado de filtros internos. Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE, afirma que, neste momento politicamente sensível – em razão do debate eleitoral – o desejável seria que cerca de 30 variáveis passassem por um processo de “crítica” mais rigorosa antes da divulgação. Mas para isso é preciso mais gente e orçamento. “É um erro técnico, lamentável, que ocorre em um momento em que sociedade está em processo eleitoral. Mas não acredito em ingerência política”, disse ele.
Aécio: ‘erros não são pequenos’
Brasília – Um dia depois de ser condenado pelos candidatos à Presidência, Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB) pelo aumento na desigualdade social e no desemprego apontados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domícilio (Pnad), o Executivo Federal voltou a ser criticado ontem depois da revisão dos dados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Em nota divulgada no início da noite de ontem, o candidato do PSDB à presidência, Aécio Neves, afirmou que os sucessivos erros são decorrentes da incompetência da atual gestão. “É impressionante o dano que o governo federal vem causando às instituições do país. Na ânsia de se manter no poder, o governo não hesita sequer em colocar em xeque instituições que são guardiãs da memória da sociedade brasileira”, afirmou ele.
Segundo Aécio, os dados equivocados são decorrentes da pressão feita sobre os pesquisadores e demais profissionais de institutos como o IBGE e IPEA, aliado ao sucateamento desses órgãos, que acabam colocando em dúvida todos os dados apresentados, inclusive, e sobretudo, os positivos. “A pressão do governo sobre os pesquisadores e demais profissionais de institutos como o IBGE e Ipea e o sucateamento desses acabam colocando em dúvida todos os dados apresentados, inclusive, e sobretudo, os positivos. Os erros não são pequenos. É o governo do PT acabando com a credibilidade de nossas mais sérias e conceituadas instituições”, completou o tucano.
O líder do PSDB, deputado Antonio Imbassahy (BA), acusou o governo de interferir no resultado da pesquisa e disse que a gestão do PT, "não conformada em danificar a imagem da Petrobras" parte para “destruir” o IBGE. “É muito estranho”, resumiu o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE).
O coordenador-geral da campanha de Marina Silva (PSB), Walter Feldman, cobrou investigação e explicações sobre as falhas do IBGE. “O dramático é o IBGE ter cometido esses erros. Mais importante que o dado em si, agora, é saber por que o IBGE errou. O Brasil não pode ficar sujeito a esses problemas nas informações oficiais”, disse Feldman. Já para o coordenador financeiro da campanha presidencial de Marina Silva (PSB), deputado Márcio França, são tantas idas e vindas nos números divulgados oficialmente que fica difícil saber “qual é o governo verdadeiro e qual é o falso”. França, que é candidato a vice na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB-SP) afirma que essas revisões trazem insegurança a outros dados, como índices de inflação e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “Passa a impressão de que todas ações do governo terão de passar pelo crivo do João Santana (marqueteiro da campanha de Dilma Rousseff)”, lamentou o deputado socialista.
Histórico de dados errados
Essa não é a primeira vez que um instituto ligado ao governo federal divulga estatísticas incorretas. Depois de uma repercussão gigantesca de uma pesquisa que mostrava 65% dos brasileiros concordando total ou parcialmente com a ideia de que mulheres de roupas curtas merecem ser violentadas, divulgada em abril pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a instituição admitiu que os dados estavam errados. O percentual correto era de 26%. Presidente do Ipea à época, o atual ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri, defendeu o instituto das críticas.
O erro, decorrente de uma “troca de gráficos”, levou o diretor de Estudos e Políticas Sociais, Rafael Guerreiro Osorio, a pedir exoneração do cargo. Como o pesquisador é servidor concursado, permaneceu no instituto. O dado inicialmente apresentado causou tanto repúdio que até a presidente Dilma Rousseff lamentou o achado do levantamento, rechaçando o machismo no país e dizendo que o Brasil precisava avançar.
Uma mobilização tomou conta da internet, com mulheres declarando “eu não mereço ser estuprada” nas redes sociais. Apesar do erro, a pesquisa “Tolerância social à violência contra as mulheres” trouxe constatações graves, tais como 58,5% dos entrevistados afirmando concordar com a afirmação de que haveria menos estupros se as mulheres soubessem como se comportar.