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Estado de Minas CONTAS EXTERNAS

Receita quer barrar a farra no exterior, mas turistas defendem alívio na tributação

Com gastos dos brasileiros chegando ao recorde de US$ 17,2 bi em viagens para fora do país, fisco cria medidas para cercar o contrabando e a sonegação


postado em 25/09/2014 06:00 / atualizado em 25/09/2014 07:15

Cecília Kruel optou por comprar seu vestido de noiva nos EUA; bem mais barato do que no Brasil(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Cecília Kruel optou por comprar seu vestido de noiva nos EUA; bem mais barato do que no Brasil (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)

A fiscalização da Receita Federal vai ficar mais rigorosa nos aeroportos de todo país. Antes mesmo do desembarque o fisco já terá feito uma seleção dos contribuintes que vão passar pelo seu crivo. Além de informações que já pode monitorar, como os gastos dos viajantes em moeda estrangeira, a Receita vai saber exatamente quem é o passageiro, sua profissão, lugares que visitou, quantos dias ficou em seu destino. No momento do desembarque, as companhias aéreas já terão informado à Receita o peso da bagagem de cada um de seus passageiros. Será implementado também nos aeroportos sistema de reconhecimento facial, que contribui para identificar a população de maior risco nas alfândegas. As novas medidas valem a partir do primeiro semestre de 2015.

De certa forma, as novas medidas da Receita foram pensadas para que o governo possa arrecadar mais com os gastos dos brasileiros no exterior. Apenas de janeiro a agosto, os turistas já deixaram lá fora nada menos que US$ 17,254 bilhões, um recorde para o período desde o início da série histórica pesquisada pelo Banco Central, em 1969. Por dia, o gasto médio chega a US$ 71 mil. Apenas como comparação, em 2010, ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 7,5%, essa despesa, no acumulado entre janeiro e agosto, somou US$ 9,8 bilhões – ou US$ 40 mil por dia, ao câmbio de ontem. O valor desembolsado diariamente pelos brasileiros em outros países quase dobrou.

À primeira vista, os números dão a entender que o brasileiro está mais rico. Mas não é exatamente isso o que ocorreu, reforçam especialistas. No último ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, a massa de salários expandiu-se 7,4% acima da inflação. Já em 2014, conforme cálculos de especialistas em consumo, a estimativa é que os rendimentos dos trabalhadores avancem entre 1% e 1,5% acima da alta do custo de vida. Trata-se, porém, de uma previsão considerada otimista, tendo em vista que o mercado financeiro tem renovado semana a semana o pessimismo com o crescimento econômico.

“A que tudo indica, não é o crescimento econômico mais forte que tem puxado os gastos dos brasileiros em viagens internacionais, mas justamente o contrário disso”, emendou o estrategista-chefe para o Brasil do banco japonês Mizuho, Luciano Rostagno. “Como a economia não avança e os problemas estruturais se avolumam, significa dizer que, a cada dia, fica mais caro produzir no país. Então, quem tem oportunidade de viajar, acaba comprando lá fora, para fugir dos preços absurdos praticados aqui dentro”, explicou.

DE OLHO NAS MALAS Diante da farra do gasto em dólares no exterior, o objetivo do aperto no controle da Receita é evitar que os contribuintes tragam malas carregadas, com compras que passem da cota de US$ 500. Assim, barra também o contrabando, a sonegação e o desequilíbrio das contas externas. A partir do ano que vem, quem não declarar os produtos correrá mais risco de pagar multa e impostos, que somados correspondem a 100% do valor do produto. “A partir dos dados transmitidos pelas companhias aéreas, a Receita fará análise de risco, cruzando informações, e selecionará passageiros, dando tratamento mais ágil ao viajante comum”, explicou o subsecretário de Aduana e Relações Internacionais da Receita, Ernani Checcucci. No primeiro semestre, os tributos relacionados com mercadorias flagradas acima da cota máxima permitida somaram R$ 129 milhões, mais que o dobro do registrado no último semestre de 2013, R$ 49,2 milhões.

Cecília Kruel é coordenadora de inteligência em uma agência de comunicação. Ela costuma viajar ao exterior e no fim do ano deve aproveitar a viagem que fará à Miami e Orlando, nos Estados Unidos, para adquirir o seu vestido de noiva. Os motivos que levaram Cecília a se decidir pela compra em solo estrangeiro é o mesmo de milhares de brasileiros: “Vou pagar cerca de US$ 500 por um vestido exclusivo que aqui custaria perto de R$ 6 mil.”

Cecília e o noivo vão comprar também outros itens, como o presente de seus padrinhos e bebidas. “Vamos ficar dentro da cota. Não acho que vale a pena ultrapassar o limite e correr riscos.” Para Cecília, as novas medidas que vão apertar a fiscalização deveriam vir acompanhadas de alívio na carga tributária. “Os brasileiros compram no exterior porque no Brasil os preços são muito altos. A carga tributária é elevada e não vemos retorno. O governo deveria incentivar a competitividade da indústria nacional, para que tivéssemos produtos mais baratos e de qualidade no mercado interno.”

E A TRIBUTAÇÃO? Frederico Pace, presidente do Conselho de Logística e Portos da Associação Comercial e Empresarial de Minas Gerais (ACMinas), aponta que a mundialmente a cota para compras internacionais é próxima a US$ 500 por semestre, mas os brasileiros frequentemente ultrapassam esse valor. Ele ressalta que o banco de dados da Receita Federal está cada vez mais ágil e completo, possibilitando cruzamento de dados que informam ao fisco, por exemplo, o valor gasto por uma família no cartão de crédito. Ele diz que a medida tem o objetivo de evitar a sonegação. Como contrapartida, ele também defende a redução da carga tributária. “Mas itens como um iPhone 6, lançado no exterior por US$ 700, entram nos itens isentos de impostos (uso pessoal), assim como um relógio e uma máquina fotográfica. Estes continuarão despertando o interesse do viajante”, avalia.

O diretor da Primus Turismo, Humberto Vieira , não acredita que o aperto da fiscalização provoque uma redução nas viagens. Ele destaca que os brasileiros trazem a mala recheada com produtos que são encontrados no Brasil pelo dobro do preço praticado no exterior. Pedro Paulo Victer, gerente da Pier Turismo, lembra que o lazer – e não só as compras – motivam os brasileiros a sair do país. Ele também considera que muitos produtos, mesmo com o pagamento de imposto, ainda custam bem mais barato no exterior.

A ortodontista Fernanda Aroeira viaja para o exterior, em média, uma vez ao ano. Na última viagem, ela comprou, no Chile, um tênis que custou a metade do preço cobrado no Brasil. “Fiquei surpresa com a diferença.” Fernanda também chegou a encomendar dos Estados Unidos uma bicicleta modelo montain bike. Pagou o imposto e mesmo assim a compra no exterior valeu a pena. “O aperto da fiscalização tenta restringir a entrada de produtos importados, mas ao mesmo tempo deveria haver incentivo para que empresas estrangeiras produzissem aqui produtos de qualidade com preços competitivos.”

“Muitos brasileiros têm percebido que comprar no país está ficando praticamente inviável”, disparou o economista-chefe da INVX Capital Asset, Eduardo Velho. E Apesar de ter subido nos últimos dias, até encostar nos R$ 2,40, na terça-feira, o dólar ainda continua “barato” se comparado ao quanto vale, de fato, o real. “Mesmo com a alta da divisa (norte-americana), em termos reais, nossa moeda está muito valorizada”, disse Velho, acrescentando que essa discrepância induz ao pensamento de que o brasileiro esteja ficando mais rico, quando, na verdade, o que ocorre é que a moeda é que está mais valorizado, mesmo que artificialmente. (Com agências)

Dólar preocupa governo

Se os gastos recordes dos brasileiros em viagens internacionais parecem indicar que os turistas não estão tão preocupados assim com a cotação mais alta do dólar, o mesmo não se pode dizer do governo. A recente valorização da moeda norte-americana, que chegou a ultrapassar a casa dos R$ 2,40, o maior valor em sete meses, acendeu um sinal de alerta na equipe econômica. Após intervenção do Banco Central, a moeda já havia caído para R$ 2,383, ontem, com queda de 0,98%.

Para não ver as cotações fugindo do controle, o Banco Central, sob anuência do Palácio do Planalto, anunciou que dobraria as intervenções sobre o câmbio. Até então, o BC sinalizava ao mercado ter intenção de renovar apenas 70% dos contratos de swap (venda futura de moeda) que venceriam no início de outubro. Mas, com a moeda disparando acima de R$ 2,40, não viu outra saída que não fosse rolar integralmente os contratos, o que já foi feito ontem. Na prática, significa dizer que a ação diária do BC sobre o câmbio foi elevada de US$ 500 milhões, até terça, para US$ 950 milhões, a partir de ontem. (DB)


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