Brasília –O mercado reagiu de forma eufórica ao resultado do primeiro turno da eleição presidencial, com a arrancada final do candidato Aécio Neves (PSDB) e a possibilidade de uma vitória da oposição. Ontem, a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) chegou a operar com alta de quase 8% ao longo do dia e fechou o pregão com valorização de 4,72%, a 57.115 pontos, puxada pelas ações da Petrobras, que tiveram o terceiro volume de negociações da história do papel, de R$ 2,355 bilhões. O dólar também teve uma reação positiva ao quadro eleitoral e registrou queda de 1,38%, cotado a R$ 2,429.
Mais do que comemorar a presença do tucano no segundo turno, o mercado reagiu à especulação de que pesquisas internas do próprio Partido dos Trabalhadores (PT), de Dilma Rousseff, apontariam um empate técnico entre os dois concorrentes ao Palácio do Planalto, com Aécio Neves ligeiramente à frente da presidente. “Diante da surpresa da presença do seu candidato preferido na disputa, o mercado vislumbrou a chance real de vitória da oposição”, analisou o economista-chefe da SulAmérica, Newton Rosa.
O resultado da euforia foi a superação de alguns recordes. A BM&FBovespa atingiu ontem a marca histórica de 1.779.282 negócios no mercado de ações. O anterior era de 1.650.568 operações, registrado em 20 de junho do ano passado. A alta de 4,72% é a maior em três anos, desde agosto de 2011, quando chegou a 5,10%, empatando em valorização percentual diária com o desempenho de 27 de julho de 2012. Das 70 ações mais negociadas no pregão, 64 subiram e seis caíram. A movimentação também foi surpreendente, com giro financeiro de R$ 14,4 bilhões, bastante acima da média diária do ano, de R$ 6,9 bilhões.
As ações das estatais puxaram a alta na bolsa. Os papéis da Petrobras tiveram valorização de 15% do fechamento do pregão de sexta-feira até a abertura de ontem. Depois houve uma acomodação ao longo do dia e os ativos da petroleira fecharam com alta de 11,11% os papéis preferenciais, cotados a R$ 20,39, e valorização de 9,71% nas ações ordinárias, a R$ 19,20. As ordinárias da Eletrobras subiram 9,29%, enquanto os papéis preferenciais tiveram alta de 6,46%. Liderando os ganhos do dia ontem, os ativos do Banco do Brasil se valorizaram 11,92%.
Aceleração
Em Nova York, os American Depositary Receipts (ADRs) — recibos das ações negociadas nos Estados Unidos — da Petrobras dispararam no mercado. Os ADRs dos papéis preferenciais subiram 12,66% a US$ 16,55. Já os ordinários tiveram alta de 15,25% a US$ 16,10. Isso num dia em que a bolsa nova-iorquina operou em queda. A Nasdaq caiu 0,43% e o Dow Jones recuou 0,10%.
Na avaliação do economista da DX Investimentos Lino Gill, o desempenho da bolsa brasileira, que teve uma das maiores altas entre os principais pregões do mundo, é resultado do “efeito Aécio”. “Estruturalmente, não houve nada que impulsionasse essa valorização. Não há um movimento contábil sequer. De concreto, apenas, a possibilidade de mudança na política econômica”, assinalou. Para Gill, a oposição é mais bem vista pelo mercado porque sinaliza com maior controle da inflação e taxa de juros. “A proposta é de uma condução da política econômica mais amigável ao capital privado”, ressaltou.
Jason Vieira, economista do portal de informações financeiras Moneyou, destacou que o mercado prefere Aécio a Marina, por isso reagiu tão bem ontem. “Quando olha para o Aécio, o mercado vê Fernando Henrique Cardoso, Armínio Fraga e um conjunto de especialistas que, do ponto de vista econômico, enfrenta melhor as crises”, ponderou. Vieira explicou que o mercado é um reflexo das ações de investidores e empresários. “Ele pode reagir de forma emocional, visceral, mas seus motivos são técnicos e racionais”, pontuou.
A disputa eleitoral também influenciou o mercado cambial ontem. Em um dia de apreciação das principais moedas emergentes perante o dólar, o real conseguiu liderar a relação das divisas com maior alta ante a moeda americana. Para o gerente de câmbio da corretora Treviso, Reginaldo Galhardo, houve um certo exagero na abertura do pregão, quando a cotação caiu a R$ 2,368 na mínima do dia. “Houve uma dose excessiva de especulação antes e o mercado tirou um pouco do preço diante do atual quadro eleitoral e a presença de Aécio no segundo turno”, esclareceu. O especialista estimou que a
volatilidade continuará alta, com oscilações conforme os dados de pesquisas eleitorais.
Hora de mostrar as estratégias
Brasília – As próximas três semanas serão decisivas para que Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) explicitem as diferenças do pensamento econômico de cada partido e sinalizem, de forma clara, de que forma o novo governo poderá melhorar a vida do eleitor. Até então as campanhas foram centradas em áreas como corrupção e políticas sociais, temas debatidas à exaustão durante as eleições de 2010, e que deram a vitória à presidente Dilma sobre o recém-eleito senador José Serra (PSDB).
Naquela época, porém, a economia não era motivo de preocupação. Enquanto a disputa pelo segundo turno pegava fogo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciava que a carestia acumulada em 12 meses, até setembro daquele ano, era de 4,7%. Portanto, apenas 0,2 ponto percentual acima da meta de inflação, de 4,5% ao ano. Era o país do crescimento chinês, cujo Produto Interno Bruto (PIB) avançou 7,5% naquele ano — o melhor desempenho em mais de três décadas.
“Agora a situação é totalmente diferente”, assinalou a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Em vez de crescimento forte, o país convive com a recessão. Já a inflação só não fugiu do controle porque o governo represou preços administrados por si próprio, como combustíveis e energia elétrica. Mesmo assim, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 6,51% até agosto, rompendo o teto da meta estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o que ocorreu durante um terço do governo Dilma Rousseff.
Diante do crescimento nulo e da carestia elevada, a renda real dos trabalhadores passou a crescer em ritmo cada vez maior. Em 2014, o avanço será de, no máximo, 1,5% — o menor desempenho desde 2003. Para completar, os juros ao consumidor não param de subir. Em agosto chegaram ao maior patamar em três anos. Não por acaso, o endividamento das famílias também recorde. Hoje, 46% do que o brasileiro ganha está comprometido com o pagamento de dívidas, diz o Banco Central.
Ao PSDB, diz o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, caberá traduzir o debate econômico pouco palatável em situações reais do cotidiano. “Será preciso mostrar ao eleitor que a política atual não é sustentável, e que a consequência dos desarranjos na economia será a piora do lado social, que tem sido a principal bandeira do PT”, emendou. Para o economista, a principal diferença entre Aécio e Dilma está na forma como planeja o crescimento econômico.
Decisões para 27 de outubro
Brasília – O novo governo começará em 27 de outubro, dia seguinte ao segundo turno das eleições, e não em 1º de janeiro de 2015, quando o vencedor subirá a rampa do Planalto. Nos dois últimos meses deste ano, Dilma Rousseff (PT) ou Aécio Neves (PSDB) terão de tomar decisões importantes para que a economia reaja, se livre dos artificialismos e consiga se desgarrar do marasmo que a levou ao crescimento pífio e à inflação alta e persistente.
Entre os temas a serem resolvidas de imediato pelo candidato vitorioso nas urnas, estará o imbróglio do preço dos combustíveis. Dilma ou Aécio precisará não só definir quando será o reajuste da gasolina e do diesel, como serão pressionados a dar uma resposta à defasagem atual dos valores em relação ao mercado externo, que pressiona o caixa e os investimentos da Petrobras, fazendo a estatal perder milhões de reais todo dia, comprometendo ainda mais a sua saúde financeira.
Pelo andar da carruagem, independentemente das intenções do próximo presidente, o reajuste dos combustíveis deve ocorrer em novembro, ainda em meio à ressaca do resultado. Também já no mês que vem, quando o governo terá de colocar na mesa receitas e despesas, será a hora de discutir sobre o Orçamento de 2015 e sobre o superávit primário deste ano. Nesse ponto, o principal entrave, sustentam analistas, está no fato de que as receitas estão infladas e difíceis de serem domadas.
Logo após a vitória, da petista ou do tucano não haverá muito tempo para descanso ou comemoração. Quem conquistar a preferência do eleitorado precisará negociar com o Congresso a redução da meta de superávit primário, a economia do governo. Os 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) fixados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não serão atingidos até dezembro, mesmo com o atual governo utilizando manobras contábeis para melhorar as contas.
O maior desafio, que não vai esperar a festa da posse na virada do ano, corresponde à “menor expansão da despesa”, na opinião do economista e professor da Universidade de São Paulo (USP), Simão Davi Silber. “A gastança pública é o ponto mais preocupante. No curtíssimo prazo, para conseguir acabar com o artifício contábil e propor um superávit maior, o próximo presidente terá de segurar custos no maior número de áreas”, defendeu.
Mesmo com boa vontade e disposição para mudar a política econômica, quem herdar o cenário atual não escapará de aumentar impostos a partir de 2015, analisou Silber. “Não haverá outra saída para ajustar as contas públicas. Aécio ou a própria Dilma terá nas mãos um abacaxi monumental”, comentou ele, lembrando que as agências de classificação de risco estão de olho no Brasil e, caso não haja mudança de rumo, o país tem tudo para sofrer novos rebaixamentos.
Anunciar a equipe o quanto antes também ditará os humores da economia, acrescentou Newton Marques, conselheiro do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal. “Mesmo se for Dilma a vitoriosa, o discurso e o posicionamento terão de mudar, para provocar uma reversão de expectativas para o ano que vem, uma vez que 2014 está perdido”, disse. Aécio já anunciou Armínio Fraga como seu ministro da Fazenda. Dilma avisou que Guido Mantega não continuaria.