Nova corrida à Justiça reacende a longa batalha dos brasileiros prejudicados pelos expurgos das cadernetas de poupança de correções monetárias que deixaram de ser aplicadas pelos bancos durante o Plano Verão, adotado em 1989 como instrumento para o combate à inflação. Vence no dia 24 o prazo determinado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para os clientes do Banco do Brasil pleitearem o benefício do direito reconhecido a todos os poupadores da instituição de receber as diferenças não creditadas àquela época. A restituição deve ser paga a quem tinha dinheiro depositado em conta com aniversário de 1º a 15 de janeiro de 1989, por meio de ações de execução de sentença.
A decisão se limita aos poupadores do BB e às diferenças das correções feitas a menor durante o Plano Verão. A condenação imposta à instituição resultou de ação civil pública transitada em julgado há cinco anos, apresentada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Em agosto, a 2ª Seção do STJ definiu que todos os clientes deveriam ser contemplados e não só aqueles incluídos no processo do Idec. Ficou também decidido que as ações de execução de sentença –não se discutirá mais o mérito da questão –podem ser ajuizadas no domícilio do poupador.
O representante do Idec no julgamento da ação civil pública Walter Faiad de Moura lembra que os poupadores sem recursos para pagar um advogado têm a opção de procurar as defensorias públicas. “A possibilidade de uma execução nesse caso trata-se de um marco no Brasil em matéria de defesa coletiva. É o que há de mais moderno nessa área”, afirma. Com a prescrição do prazo de 20 anos da data em que os poupadores sofreram as perdas, os benefícios de decisões judiciais dadas em ações civis públicas, como esta apresentada pelo Idec, mantêm as chances de cumprimento do direito para quem ainda não recorreu à Justiça.
Reivindicação Além do Idec, outras entidades de defesa do consumidor, a exemplo da Associação Brasileira de Consumidores (ABC), com sede em Belo Horizonte, apresentaram ações para assegurar o direito da coletividade nesses casos. Corre o prazo para pleitear o benefício de decisões judiciais obtidas em ações civis públicas contra os bancos Nossa Caixa, Mercantil e os bancos dos estados do Paraná e Pernambuco (veja o quadro). Com o mesmo objetivo, aguardam julgamento recursos para que os efeitos coletivos se tornem efetivos para poupadores da Caixa Econômica Federal, Itáu e Banco Safra, entre outros. Há estimativas de que o número de ações no país envolvendo expurgos durante os planos Bresser, Verão e Collor pode ter passado de 500 mil individuais e coletivas.
O advogado Pedro Ivo Neves Santiago Cardoso, do escritório De Paula, Neves e Santiago Advogados, de BH, observa que a decisão trouxe agilidade na perspectiva de restituição aos poupadores do BB. “O poupador chega já na fase de cumprimento da sentença, com a apresentação dos cálculos dos valores devidos e o juiz determinará o pagamento”, afirma. Para os clientes que não guardaram os extratos das contas à época das correções monetárias a menor ou tiveram negados pelo banco os pedidos de entrega do documento, há a hipótese de apresentação de uma ação de exibição de documentos junto daquela de execução de sentença.
Dinheiro suado O advogado Santiago Cardoso trabalha em mais de 200 ações apresentadas por poupadores do BB de Belo Horizonte e Varginha, no Sul de Minas Gerais. Segundo o advogado, considerando-se a conversão da moeda à época, o cruzeiro, em reais e as devidas atualizações do dinheiro, as restituições podem variar de oito a 10 vezes sobre os valores depositados na época do Plano Verão. Há poupadores que se preparam para apresentar ações na semana que vem, como o delegado aposentado e escritor José Moreira Alves, de 74 anos. Ele não vê justificativa na resistência dos bancos ao pagamento.
“Naquela época, os brasileiros valorizavam a poupança mesmo que fosse com pequenas quantias disponíveis e até mesmo com parte do 13º salário para complementar o orçamento da família. Devemos lutar pelo cumprimento do direito de receber as diferenças”, afirma.
Cálculos podem ser embargados
Clientes que tinham contas de poupança no Banco do Brasil durante o Plano Verão podem tanto ter dificuldades na hora da definição dos valores a ser restituídos, quanto começam a surgir casos de acordo com a instituição. A advogada Valentina Avelar de Carvalho, de Belo Horizonte, trabalhou em dois deles, mas alerta para o fato de que os poupadores devem ter segurança nesse opção. “A execução de sentença dá continuidade a um fato reconhecido, no entanto, os cálculos do valor a ser restituído podem ser embargados pelo banco”, afirma.
Funcionária federal aposentada, Almira Guaraci Rebelo, de 91 anos, optou pelo acordo, com a vantagem do pagamento imediato. “Se a pessoa tiver elementos para recorrer na Justiça, e eu havia guardado as minhas cadernetas, não deve deixar de fazer valer o direito”, diz. A advogada Valentina de Carvalho conduz mais de 200 processos abertos contra vários bancos, assim como a advogada Sabrina Rodrigues de Oliveira, do escritório Danilo Santana Advocacia, que move 300 ações para dar cumprimento ao direito de restituição de diferenças na correção durante os planos econômicos.
Novas decisões estão pendentes em vários processos desde 2010, quando o ministro Dias Toffoli, reconhecendo a repercussão geral da matéria, acolheu parecer da Procuradoria Geral da República, determinando a suspensão de todos os processos judiciais em tramitação no país em grau de recurso que discutem o pagamento da correção monetária dos planos econômicos. Não há prazo para julgamento. (MV)