Promissora fonte de energia limpa, uma vantagem em meio à crise no setor elétrico que o Brasil enfrenta, o gás natural despontou na matriz energética do país, mas derrapa em desafios que vão da falta de arcabouço jurídico claro para atrair investidores na exploração, no transporte e distribuição do insumo ao seu custo elevado. Em Minas Gerais, os entraves ganham proporção. O elevado potencial de crescimento da oferta no estado, impulsionado pelas descobertas de gás não convencional na Bacia do São Francisco, convive com um baixo grau de desenvolvimento da atividade e o fato de o estado comprar todo o suprimento necessário integralmente da Petrobras, seja por meio da produção interna, seja pelas importações da Bolívia.
Em Minas, como no Brasil, aumentar a oferta a preços competitivos representa, para a CNI, um dos maiores desafios da política energética do Brasil, destaca Roberto Wagner Pereira, especialista de políticas e indústria da instituição. “Investidores interessados há e temos uma grande quantidade de empresas de pequeno e médio portes que podem participar desse mercado. Precisamos é começar a criar as condições para que eles atuem com competitividade”, afirma. Além de uma regulamentação clara, o estudo da CNI enfoca a infraestrutura deficiente, ante a baixa produção e de uma malha de distribuição muito limitada.
Na avaliação de Wagner Pereira, o marco do setor elétrico pode ser um modelo referencial para a política do gás, com dezenas de produtores atuando e a coordenação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) sobre quem produz, despacha e comercializa as cargas de energia. Entre as barreiras regulatórias e de mercado ao aumento da oferta de gás produzido em terra no país, o estudo da CNI enfatiza medidas de promoção de rodadas de licitação mais frequentes para blocos em terra e investimentos significativos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em sísmica terrestre para criação de prospectos exploratórios a serem levados a leilão.
Do ponto de vista dos investimentos, a instituição sugere iniciativas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em busca de opções no mercado de capitais para reduzir o custo das inversões das operadoras independentes; prega o livre acesso às infraestruturas de transporte existentes e o desenvolvimento de um mercado livre de gás natural. As propostas estão incluídas num conjunto de documentos que a CNI apresentou aos candidatos às eleições para presidente, Dilma Rousseff, candidata à reeleição, e o senador Aécio Neves. “Sabemos que a Petrobras tem dificuldades de investir em gasodutos e que seu orçamento está comprometido com a camada do pré-sal e a expansão do parque de refino nacional”, diz Wagner Pereira, ao defender o aumento do número de agentes principalmente nas etapas de exploração e produção do insumo.
AVANÇOS E RESTRIÇÕES
Terceiro consumidor industrial de gás do Brasil, atrás de São Paulo e Rio de Janeiro, Minas Gerais consumiu cerca de 4 milhões de metros cúbicos por dia em junho, referência usada no estudo da CNI. A malha de distribuição é considerada pequena frente à extensão territorial do estado. Os três gasodutos de transporte – Gasbel 1, que liga Betim, na Grande BH, ao Rio; Gasbel 2, uma duplicação do Gasbel 1; e o Gasoduto Paulínia-Jacutinga, ligando o Gasoduto Bolívia-Brasil ao Sul de Minas – são operados pela empresa TAG, subsidiária da Petrobras. Cerca de 30 municípios, das 853 cidades mineiros, têm acesso ao gás natural.
A questão central para o desenvolvimento da exploração do gás não convencional no estado está na definição do arcabouço legal, avaliam Humberto Zica e Frederico Macedo, diretores da Cemes Petróleo, empresa mineira criada para abrigar as participações no segmento das empresas Delp Engenharia, Orteng Equipamentos e Sistemas e Imetame. Os três parceiros integram consórcio pioneiro na descoberta de gás na porção mineira da Bacia do São Francisco. “Precisamos definir as regras do jogo e já na primeira etapa, que é o licenciamento ambiental, não há definição clara”, afirma.
A ANP publicou recentemente portaria contendo exigências em relação a procedimentos técnicos para a perfuração de poços em reservatórios de gás não convencionais, caso da Bacia do Velho Chico. O licenciamento ambiental dado à exploração em terra é realizado pelo órgão ambiental estadual. No entanto, cogita-se mudança na regulação do setor, transferindo-a ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Essa indefinição nos tira o sono. Entendemos que a melhor alternativa é a análise e liberação das licenças pelo órgão estadual, que conhece melhor os mananciais da região a ser explorada”, diz Humberto Zica, membro da Câmara da Indústria do Petróleo e Gás da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg).
A regulamentação, com segurança jurídica de contratos, é o principal item, no momento, de uma política de estímulo aos investimentos na exploração do gás natural não convencional, diz Frederico Macedo. “É questão-chave para a continuidade da pesquisa e dos investimentos na Bacia do São Francisco, um mercado novo no país”, afirma.
Na porção mineira da Bacia do São Francisco, 34 poços exploratórios foram perfurados, com investimento de cerca de R$ 1 bilhão, dos quais em 28 houve indícios de gás. Estudos sísmicos estão sendo aprofundados e perfurados os primeiros poços de teste para verificar a viabilidade da produção.