Brasília – Nem mesmo os bons resultados do varejo e da indústria, que interromperam uma série de quedas consecutivas e voltaram a registrar números positivos em agosto, foram suficientes para reanimar o combalido crescimento econômico. Com as famílias atoladas em dívidas e diante da escalada da inflação, a atividade desacelerou e as pessoas passaram a consumir cada vez menos. Como consequência, a produção industrial despencou, as vendas do varejo escassearam e a arrecadação de impostos pelo governo minguou. Ao mesmo tempo, os mercados reagem mal às turbulências do cenário internacional.
Dados divulgados ontem pelo Banco Central e por duas instituições financeiras sugerem que a economia está estagnada ou crescendo a um ritmo insuficiente para reverter o baixo desempenho registrado no primeiro semestre do ano, quando o país entrou em recessão. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), considerado um termômetro do Produto Interno Bruto (PIB), avançou apenas 0,27% em agosto, na série com ajuste sazonal. Em julho, o crescimento havia sido cinco vezes maior, de 1,52%.
A Serasa Experian informou que seu Índice de Atividade Econômica ficou em linha com a evolução do IBC-BR em agosto, também com alta de 0,2%, na comparação com ajuste frente a julho. Já o PIB mensal do Itaú Unibanco cresceu pelo segundo mês consecutivo em agosto, com expansão de 1% contra julho, na mesma comparação. Os três indicadores, porém, ainda mostram forte queda da atividade no confronto com agosto de 2013, o que sugere que a retomada é insuficiente para reverter as baixas registradas no ano. O índice do BC recuou 1,35% em agosto, acompanhado de perto pelo indicador da Serasa Experian, com queda de 0,6% no mês. Já o PIB mensal do Itaú mostrou desempenho ainda mais baixo, com tombo de 1,6%.
Para especialistas, os números deixam claro que o baixo crescimento econômico, que entrou no radar das campanhas de oposição no primeiro turno da eleição presidencial, voltará a ser o centro das atenções nessa segunda etapa do pleito. “Não há dúvidas de que os números fracos da economia, dado o nervosismo da campanha eleitoral, tendem a provocar algum estrago adicional para a campanha da presidente Dilma, até por causa da proximidade com o segundo turno, de apenas nove dias”, disse o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito.
O principal motivo é que, hoje, nada indica para uma retomada da atividade. No ano, até agosto, o IBC-BR aponta para um crescimento praticamente nulo da economia, de 0,04%. Está em linha, portanto, com o PIB, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que recuou por dois trimestres consecutivos, entre janeiro e março e de abril a junho, sinalizando que o país passa por uma recessão técnica.
CRESCIMENTO A esperança era que, vencido o período de paralisação do comércio e de parte da indústria por causa da Copa do Mundo, realizada entre junho e julho, o país retornaria as rédeas do crescimento. André Perfeito era um dos poucos economistas fora do governo que apostavam numa retomada mais forte, mas mudou de ideia. “A realidade vem mostrado que meu otimismo estava muito exagerado”, assinalou. Até ontem, as projeções da Gradual Investimentos eram de um crescimento de 0,5% do PIB em 2014. “Agora, eu certamente vou ter que revisar para baixo esses dados”, emendou.
Um dos motivos é que o resultado acumulado no ano deverá pesar contra a recuperação, por causa de um efeito estatístico chamado carregamento. No acumulado em 12 meses, por exemplo, o IBC-BR cresceu 0,93%. Mas, esse número vem caindo consistentemente com o passar do tempo, e só é positivo por causa dos bons resultados registrados no fim de 2013.
Mesmo o resultado mensal, frente julho, de alta de 0,27% veio abaixo da mediana das projeções do mercado financeiro, que apontava para um crescimento de 0,3% em agosto. Havia, porém, quem apostasse em desempenho bem maior, de 0,7%.
Isso porque, para especialistas, agosto, até mesmo por causa de fatores estatísticos, deveria apresentar resultado melhor, já que os dois principais motores econômicos, varejo e indústria, registraram resultados positivos no mês. Após cair por dois meses, em junho e julho, as do varejo subiram 1,1%, em agosto. O mesmo ocorreu com a produção industrial, que avançou 0,7% em julho e repetiu o desempenho em agosto. Ainda assim, no ano, a indústria ainda acumula perdas 3,1%.
Para setembro, é esperada uma ligeira melhora, mas que será insuficiente, no entanto, para reverter o baixo desempenho do PIB. “Avaliamos que a atividade econômica deverá apresentar aumento moderado (em setembro), o que está em linha com nossa avaliação de estagnação ou baixo crescimento do PIB no terceiro trimestre”, escreveu o economista Rodrigo Miyamoto, em análise a clientes do Itaú Unibanco.
Mercados em turbulência
Brasília – As turbulências do cenário internacional têm deixado rastros nos mercados financeiros de todo o planeta. Pelo segundo dia seguido, eles reagiram mal à perspectiva de perda de fôlego da economia mundial, ilustrada por diversos indicadores pessimistas divulgados nos últimos dias. No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (BMF&Bovespa) despencou ontem 3,27% e o dólar chegou a encostar em R$ 2,51, fechando o dia em R$ 2,46, uma alta de 0,28%.
O cenário retrata uma série de resultados ruins que desanimaram os investidores: recentes dados de desaceleração da economia alemã, locomotiva da Zona do Euro, o recuo no desempenho dos mercados emergentes, sobretudo da gigante China, e as incertezas em torno da retomada econômica nos Estados Unidos. Até mesmo o avanço da epidemia do vírus Ebola tem levado mau humor aos negócios.
Aqui, o pessimismo tem ainda o agravante das eleições. “O processo eleitoral é, por enquanto, o protagonista do comportamento da nossa bolsa. O dólar também deve continuar volátil até que se defina o presidente da República e a nova equipe econômica”, analisou Felipe Chad, sócio da DXI Planejamento Financeiro.
O morno crescimento mundial ameaça, contudo, o desempenho futuro da já fragilizada economia brasileira. O Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou a expectativa para o avanço global: de 3,7% em julho para 3,3% em outubro. Há um ano, a previsão era de 3,9%. Separadamente, o Brasil teve uma das mais bruscas quedas, saiu de uma estimativa de avanço do PIB de 1,3% para 0,3%. O país vive hoje um grave problema de confiança, aliado altos indicadores de inflação.
Diante da recuperação dos Estados Unidos (EUA), há o receio de que a situação piore. Os investidores de todo o mundo se preocupam com a retirada de estímulos do Federal Reserve (Fed, o banco central estadunidense) e a consequente elevação dos juros naquele país. Com isso, há o risco de uma fuga de recursos, sobretudo dos emergentes, em direção aos EUA.
“A economia norte-americana é, aparentemente, a que possui recuperação mais forte hoje. Mas o aumento dos juros é um exercício de adivinhação. Ninguém sabe o que vai acontecer, nem quando”, explicou o professor André Nassif, especialista em economia internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV). Mesmo com os sinais de recuperação, o FMI prevê que o desempenho dos Estados Unidos este ano será inferior a 2013 (veja arte).
Pessimismo
O organismo multilateral estima ainda o recuo de outras potências. Principal economia da Zona do Euro, o governo da Alemanha anunciou recentemente a revisão da expectativa para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, de 1,8% para 1,2%. O FMI reduziu a projeção de 1,9% para 1,4%. “A Alemanha vinha sendo o pilar da Zona do Euro e também está abalada. O país começa a mostrar as primeiras reações do peso de ter carregado parte da recuperação da região nas costas”, afirmou o gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo.
A China também já tem demonstrado uma perda de fôlego e cresceu, no primeiro trimestre deste ano, no menor ritmo em 18 meses, 7,4%. Como a economia chinesa ainda tem forte dependência da demanda mundial, deve continuar volátil até que o cenário externo esboce uma recuperação mais concreta. “Embora esteja transitando para um novo modelo voltado para o mercado interno, a China ainda depende da demanda mundial e isso coloca o país em situação de vulnerabilidade”, pontuou Nassif, da FGV.