Brasília – O governo federal enviou nessa terça-feira ao Congresso Nacional uma proposta que abandona totalmente a meta de superávit primário de 2014 a apenas 49 dias para o fim do ano. Essa mudança é resultado da iminência do não cumprimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), na qual o governo prometeu economizar R$ 99 bilhões para o pagamento dos juros da dívida pública neste ano. No entanto, a União vem gastando muito mais do que arrecada, e, até setembro, o rombo das contas do setor público está em R$ 25,5 bilhões.
A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, compareceu à Comissão Mista do Orçamento do Congresso e defendeu junto aos parlamentares a aprovação da alteração da meta fiscal deste ano. Ela fez o apelo logo após apresentar o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2015. A ministra, no entanto, não especificou qual será a nova meta fiscal de 2014, mas garantiu que haverá superávit. Para esse milagre acontecer a contabilidade criativa vai entrar em cena mais uma vez, na avaliação dos especialistas. O governo vai ampliar o desconto dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e das desonerações para apresentar um saldo primário no azul e não ter que se explicar no Congresso pelo não cumprimento da meta.
Pela LDO, o governo pode abater R$ 67 bilhões em 2014, mas, no início do ano, havia prometido não usar integralmente essa rubrica, que será ampliada, e, segundo a ministra, terá um teto. “A proposta prevê um limite do total de execução do PAC e das desonerações no ano. Quero lembrar que isso é o que, se aprovada pelo congresso, a LDO autorizaria o executivo a fazer”, afirmou a ministra. Todavia, ela não disse qual será esse limite, apesar de negar que o governo esteja pedindo um cheque em branco. “Posso usar dois números. Já executamos R$ 52,4 bilhões do PAC até outubro. No ano passado, de desoneração, teve R$ 78 bilhões. Acho que esses são os parâmetros que dão uma ideia de qual é esse limite”, afirmou a chefe do Planejamento reiterando que o governo não pretende utilizar a totalidade do abatimento permitido.
“O governo federal fará superávit. Fará o maior superavit possível porque achamos que isso é muito importante. Mas queremos com isso garantir investimentos e a continuidade das desonerações, e, evidentemente, um dos resultados dessas duas políticas é o emprego para a população”, completou. O presidente da CMO, deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), disse que pretende realizar a votação da proposta de alteração da meta fiscal hoje, antes da leitura do relatório sobre o PLDO de 2015, redigido pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR).
Mais mudanças A ministra também avisou que o governo pretende alterar os parâmetros do PLDO de 2015 uma vez que o cenário internacional está desfavorável e a maioria dos países desenvolvidos e emergentes estão reduzindo suas projeções. O documento, assim como a proposta de 2014, possui previsões defasadas e fora da realidade, na avaliação de especialistas.
Para se ter uma ideia, o PLDO para o ano que vem prevê um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3% e uma inflação de 5%. No último relatório Focus, do Banco Central, a mediana das projeções do mercado para o PIB do ano que vem caiu de 1% para 0,80%. A meta de superávit primário prevista para 2014 varia entre R$ 143,3 bilhões (2,5% do PIB) sem abatimento, e R$ 114,7 bilhões (2% do PIB), com abatimento. Miram não confirmou se ela também será modificada. “A Fazenda está preparando a nova grade. A gente ainda não fez a discussão, mas vamos fazer até o final do mês. Temos que mandar ao Congresso até o dia 21 (de novembro). Acho que até lá teremos uma posição”, disse.
Oposição Parlamentares da oposição criticaram veementemente a proposta feita por Miriam enquanto os petistas elogiavam os números apresentados pela ministra. Um dos mais indignados foi o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), que chamou a medida de “estelionato eleitoral”, termo que deixou a ministra “estarrecida”, palavra que ela usou outras três vezes. “O que se pregou é diferente da realidade. Se esconde dados oficiais e que a miséria aumentou, mas o fato fatídico é déficit de R$ 25 bilhões até setembro, como se isso não fosse problema e quer mudar a LDO como se isso fosse absolutamente natural”, afirmou Sávio.
Nota do país em risco
Brasília – Os pífios resultados fiscais do governo, que motivaram o Executivo a adotar nova manobra para evitar o descumprimento da meta de superávit primário este ano, podem decretar a perda do grau de investimento do Brasil, obrigando o país a arcar com custos “brutais” para a rolagem dos títulos da dívida pública. A avaliação é de Luiz Fernando Figueiredo, sócio da gestora de recursos Mauá Sekular e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central durante a gestão de Arminio Fraga, entre 1999 e 2003._
Para ele, apenas o risco de que o país venha a ser rebaixado por uma das três principais agências de classificação de risco (Moody’s, Standard & Poor’s e Ficht) já é suficiente para trazer insegurança ao mercado e incentivar a debandada de investidores, especialmente estrangeiros. “Se começa a ter cheiro de perda do grau de investimento, uma parcela dos investidores já vai saindo (do país)”, disse Figueiredo ontem, durante almoço-palestra promovido pelo Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF).
A fragilidade da política fiscal dominou o debate entre os economistas, mediado pelo também ex-diretor do BC Carlos Eduardo de Freitas, que comandou o extinto Departamento de Desestatização e Liquidações Bancárias, entre 1999 e 2003. Tanto Freitas quanto Figueiredo chamaram a atenção para a expansão dos gastos públicos e a consequente piora do quadro de financiamento interno. “A consequência foi uma política fiscal não sustentável, que já resultou no aumento de três pontos percentuais na dívida pública apenas no ano passado”, reforçou Figueiredo.
A persistência dos resultados negativos, disse o ex-diretor, poderá colocar ainda mais pressão dos investidores, especialmente estrangeiros. Hoje, 18% do passivo estatal é financiado pelo capital externo, que, em tese, tende a bater em retirada do país caso a piora dos indicadores fiscais resulte em rebaixamento. “Não é questão de boa vontade. Se o país deixar de ser grau de investimento, uma boa parte dos investidores não poderá mais aplicar no Brasil, por uma obrigação até estatutária de fundos estrangeiros”, disse.
Anestesia O cenário externo mais adverso, marcado pela aversão ao risco em países emergentes, e uma maior procura pelo dólar, atenua as dificuldades do país em atrair captais estrangeiros. “Estamos vivendo um momento desafiador, em que a Europa e a Ásia estão dando sinais claros de que não estão nada bem. A questão, agora, é saber se os EUA vão conseguir guiar o mundo nessa guinada, e ser o motor do crescimento global”, questionou.
Figueiredo mencionou que as principais economias ainda não digeriram por completo os estragos da crise de 2008. “Os mercados ainda estão anestesiados, sob efeito dessa cortisona que foi a injeção de dinheiro barato dos EUA”, reforçou o ex-diretor, ao se referir ao programa de estímulos adotado pela maior economia do mundo, que desde 2008 despejou US$ 4 trilhões nos mercados internacionais, por meio do quantitative easing, que foi finalizado em outubro deste ano.