Marinella Castro
Acordar antes das 6h, organizar o material escolar e sair de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, para trabalhar na capital. Depois da jornada de oito horas na firma, correr para a faculdade de engenharia. Perto das 23h, tomar o ônibus de volta para casa. A exaustiva rotina de estudantes como Bárbara Daniele Gomes se repete em todos os cantos do Brasil, país que tem um exército de alunos trabalhadores no ensino superior. Segundo dados do último Censo da Educação, divulgado pelo governo federal, 63% dos estudantes do ensino superior, perto de 4,6 milhões, são alunos de cursos noturnos e grande parte encara a pesada rotina de trabalhar e estudar.
Mesmo com o crescimento do volume de financiamento e bolsa na última década, chegar ao diploma é um sonho que muitos abandonam no meio do caminho. No ano passado, pela primeira vez em 10 anos, o número de formandos no ensino superior caiu cerca de 5% e, para especialistas, ferramentas que apoiem o estudante a focar na graduação podem contribuir para reduzir a evasão. Se manter na universidade – mesmo com algum percentual de bolsa ou crédito – é um desafio que pede garra contra o cansaço, o sono e a vontade de desistir.
Em dezembro, aos 23 anos, Bárbara vai realizar seu sonho e terá o diploma de engenharia civil. “Consegui financiar 75% do meu curso, mas não foi nada fácil. Cheguei a vender, por um tempo, produtos de beleza, até conseguir estágios na área para pagar a mensalidade, alimentação, transporte, material, xerox. Saio de casa às 6h15 e retorno depois das 23h. São pelo menos quatro ônibus por dia.” Bárbara conta que, várias vezes, ao longo do caminho, o sonho de se formar foi atropelado pelo cansaço. “Muitas vezes, tive vontade de desistir. A rotina é dura.” Mas Bárbara não desanimou, seguiu em frente e, quando se formar, serão duas vitórias: o diploma e o primeiro emprego como engenheira. “Cheguei a pensar que talvez não conseguiria trabalhar na área”, avalia.
“As bolsas do ProUni e programas de financiamento estudantil como Fies foram decisivos para abrir a universidade. O desafio agora é conseguir que o estudante se forme. Para isso, defendemos que a verba para assistência estudantil no país saia dos atuais R$ 600 milhões ao ano e atinja R$ 2,5 bilhões, com recursos para os setores público e privado”, diz Paulo Sérgio de Oliveira, presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) em Minas. Segundo ele, os cálculos foram feitos levando em conta o potencial da política de cotas nos próximos anos e o número de estudantes, principalmente das classes C e D, no ensino superior. “Com a assistência complementar, o estudante de baixa renda consegue ter um tempo para se dedicar. O que ocorre hoje é que a maioria estuda a noite e trabalha durante todo o dia.”
APROVAÇÃO Para milhões de estudantes das classes C e D que conseguiram chegar à faculdade, é um desafio encontrar o equilíbrio entre o cansaço do trabalho, que nem sempre coincide com a área de estudo, as tarefas da escola e o tempo livre para estudar. Não conseguir aprovação significa colocar em risco crédito como o Fies, que tem a aprovação como pré-requisito, alerta Elma Bernardes Santiago, professora de ética e responsabilidade social da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBS). Vendedor de trufas, pipoqueiro e cantor na noite, Luan da Silva veio da Bahia para fazer faculdade em Belo Horizonte. Chegando aqui, se virou e conseguiu metade do valor que precisa para se matricular na faculdade de jornalismo. Os outros R$ 400 vieram das economias que os pais tinham em Eunapólis, na Bahia, e enviaram para o filho.
Luan mora em uma república e na faculdade conseguiu o Fies. “A mensalidade é de quase
R$ 1 mil. Não dá pra mim não. Só mesmo com o Fies.” A um ano da formatura, Luan, que estuda à noite, colocou em prática suas habilidades para conseguir vencer as etapas – uma delas foi a receita de trufas que trouxe da Bahia. Lá já havia ajudado uma doceira que vendia o chocolate.
Com as trufas, ele faturava cerca de R$ 45 por dia e completava a renda com a venda de pipocas em um carrinho emprestado. O universitário tem na ponta do lápis suas despesas principais. Consome por mês perto de R$ 1,2 mil entre aluguel, alimentação e transporte. Atualmente, faz estágio e no fim de semana canta na noite. Com os dois rendimentos, paga suas contas. Perto de concluir sua meta em BH, ele tem planos. “Quando me formar, se conseguir um emprego, fico por aqui, se não, vou para a Austrália.”
Bolsa para alunos das particulares
A assistência estudantil vale para os alunos das instituições federais. Os beneficiados contam com a bolsa permanência para alunos com carga horária extensa, como nos cursos de medicina. Segundo Paulo Sérgio Oliveira, presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), o pleito é para que o recurso seja estendido também para as faculdades privadas, podendo ser acessado por todos os cursos.
A estudante Bárbara Assis, de 26 anos, em um ano e meio vai se formar em enfermagem. Ela estuda à noite e durante o dia trabalha em um agência de modelos na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Com a profissão, distinta do seu curso, ela consegue recursos para pagar a mensalidade de R$ 900.
Bárbara conta que a rotina não é nada fácil. Acordar cedo, sair de Betim, onde mora, para trabalhar durante todo o dia em Belo Horizonte e depois retornar à noite para estudar. “Há dias em que é muito cansativo e tenho que ir embora para não dormir na sala de aula.” Bárbara quer se formar, fazer pós-graduação e concurso para perito da Polícia Civil. Antes de trabalhar como modelo, ela já foi auxiliar administrativa e operadora de telemarketing. “O valor das mensalidades é bem alto. Como moro com minha mãe e não tenho outras despesas, consigo trabalhar e pagar o curso.”
MAIS QUALIDADE Elma Bernardes diz que a ampliação da assistência estudantil é um desafio para o país. Ela aponta que muitos estudantes, como Luan Silva, que estudam fora de suas cidades e têm despesas com moradia e alimentação, acabam tendo que dedicar boa parte do seu tempo para o trabalho, o que acaba repercutindo no curso. “Muitos não conseguem fazer estágio em sua área devido à carga horária do trabalho, e por isso acabam estendendo o curso além do prazo normal para cumprir essa demanda.” Para a especialista, a ampliação da assistência aos estudantes com pré-requisito socioeconômico pode contribuir para qualificar o sistema. “O estudante teria mais tempo para investir em sua formação.”
SAIBA MAIS
Assistência estudantil
O Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) consumiu no ano passado R$ 675 milhões. O plano apoia a permanência de estudantes de baixa renda matriculados em cursos de graduação presencial das instituições federais de ensino superior (Ifes). O objetivo é contribuir para a melhoria do desempenho acadêmico, a partir de medidas que buscam combater situações de repetência e evasão.