Brasília – O tarifaço de eletricidade e combustíveis vai custar R$ 47,2 bilhões aos consumidores brasileiros em 2015. E nem mesmo essa fatura bilionária pode livrar o país de mais um racionamento de energia elétrica, a exemplo do que ocorreu em 2001 e tirou R$ 45 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB). O primeiro apagão do ano, que deixou 3 milhões de brasileiros sem luz em 10 estados e o Distrito Federal, reacendeu o temor da falta de abastecimento e não há qualquer garantia de que blecautes como o de segunda-feira não se repitam. Se a pior crise hidrológica dos últimos 80 anos adentrar o período úmido de 2015, que vai até abril – e a falta de chuvas em janeiro indica que isso é muito provável –, não haverá outra saída senão a redução da carga pela limitação do consumo, apontam os especialistas.
Apesar de três regiões inteiras do país terem ficado sem luz por uma hora, o governo continua negando o risco de apagão, ciente do custo político de um racionamento. O ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Pepe Vargas, disse ontem que o que motivou o blecaute foi uma falha técnica, mesma coisa que afirmou o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga. “Mesmo com uma severa estiagem, prolongadíssima e preocupante, nós não temos risco de apagão por causa de falta de geração e falta de distribuição como ocorreu no passado”, afirmou Vargas.
Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, os brasileiros estão pagando a energia mais cara do mundo. “A gasolina já está 70% mais cara do que no mercado internacional e vai subir entre 5% e 8% nas bombas por conta do aumento de impostos do governo”, pontuou. O custo do reajuste dos combustíveis para a população é calculado em R$ 12,2 bilhões só com o aumento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e deve provocar um aumento de 0,3 ponto percentual na inflação.
A Petrobras quer manter a gasolina cara, apesar de o preço do barril estar caindo vertiginosamente no mercado internacional, para recompor o caixa, quebrado pela política de preços administrados do governo. “O Brasil está sempre na contramão do mundo. Quando o barril estava caro, o governo não deixou a petroleira aumentar preços e quebrou o caixa da estatal. Agora que o barril caiu, ele provoca aumento de impostos e encarece o produto que está mais barato no mundo inteiro”, lamentou Pires.
O aumento do preço do diesel também vai encarecer a geração de energia termelétrica das usinas que usam o óleo como combustível, como se não bastasse o rombo do setor elétrico, que provocará elevação de até 40% nas tarifas. O efeito cascata só vai parar quando chegar no bolso do consumidor, responsável pelo pagamento da fatura. O gerente de regulação da Safira Energia, Fábio Cuberos, explicou que o custo dos reajustes de eletricidade podem chegar a R$ 35 bilhões. “Um aumento de quase 1% representa R$ 1 bilhão a mais na conta dos consumidores”, disse. A Safira Energia calcula em 30,5% o reajuste de energia em 2015. Outros especialistas dizem que o índice chegará a 40%.
Com tanto reajuste, o pacote de maldades do segundo mandato de Dilma Rousseff deve levar a inflação a estourar o teto da meta, de 6,5%. As projeções calculam a carestia em 7,1% este ano, tirando ainda mais o poder de compra do consumidor, que já vai pagar a salgada fatura de R$ 47,2 bilhões pelos reajustes de energia e combustível. Se confirmado esse índice, será a maior inflação desde 2004.
Mais blecaute no horizonte
Brasília – Enquanto o governo faz a sua parte, de ignorar o perigo e tentar minimizar o apagão da segunda-feira, especialistas revisão suas projeções e apostam que esse não será o único blecaute por carga instantânea – quando o pico de consumo atinge quase a capacidade de geração de energia e provoca desligamentos forçados para não comprometer o sistema. O Itaú BBA aumentou a previsão de risco de racionamento, de 26% para 35%.
O professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ Marcos Freitas destacou que o pico de consumo no dia do apagão chegou a 65 mil MW, o que fez o Operador Nacional do Sistema (ONS) mandar as distribuidoras interromperem o abastecimento por uma hora. “Antes, os apagões se davam porque havia um consumo intensivo quando escurecia e as pessoas chegavam em casa, acendiam as luzes e ligavam o chuveiro. Hoje, o ar condicionado é o grande vilão”, afirmou. Por isso, o pico ocorre, não mais das 18h às 20h como antes, e sim às 15h, quando o forte calor é responsável pelo acionamento de climatizadores de ar por todo o país.
Se o pico chegou a 65 mil MW, a capacidade instalada do Brasil, de acordo com o presidente da Comerc Energia, Cristopher Vlavianos, é de 67 mil MW. “O país não tem back up, ou seja, garantia. Falta oferta. O potencial é de 130 mil MW médios, mas não se consegue gerar tudo isso junto porque 75% é de energia hidrelétrica e os reservatórios estão em níveis críticos e não geram tudo o que podem por falta de água. E o plano B, que são as térmicas, tem capacidade de 25 mil MW, mas elas só geram 19 mil MW, porque muitas usinas estão em manutenção ou não conseguem mais despachar no limite”, destacou.
Vlavianos ressaltou, ainda, que as condições dos reservatórios são muito preocupantes. “Em janeiro do ano passado, a reserva era de 40% de água e choveu 54% da média para o mês. Este ano, os reservatórios entraram janeiro com apenas 18% da capacidade e está chovendo menos, somente 44% da média. Claro que temos dois meses de período úmido ainda pela frente, mas a situação é de alto risco e só redução do consumo pode resolver”, argumentou.
Para o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ, Nivaldi de Castro, o apagão de segunda-feira tende a se repetir mais vezes ao longo do ano. “Nossa capacidade de reserva é muito limitada e as condições de oferta e geração são muito sensíveis. O governo deveria fazer uma campanha para racionalizar o consumo e evitar o racionamento”, assinalou. Para Adriano Pires, do CBIE, a situação é ainda mais grave. “O que ocorreu segunda-feira já é racionamento. Estão cortando a energia”, disse.
Defesa
Os diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) defenderam o desligamento da carga determinado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que evitou que o abastecimento de energia entrasse em risco no país. “Uma coisa é você desligar com controle. Outra coisa é perder o controle e perder todas as usinas. Aí, o desastre é maior”, disse Reive Barros. André Pepitone, outro diretor, ressaltou que o fornecimento de energia foi restabelecido em uma hora, o que prova a robustez do sistema nacional. “Ao baixar a frequência, o ONS tomou as medidas corretas, diminuiu a carga, recuperou a frequência e imediatamente o sistema voltou a operar”, disse Pepitone. (SK)
Racionamento pode custar R$ 110 bilhões
Brasília – O eventual racionamento de energia poderá provocar um impacto no Produto Interno Bruto (PIB) de até 2%, algo em torno de R$ 110 bilhões, segundo cálculos de especialistas. O diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico — Ilumina, Roberto Pereira D’Araújo, está alarmado com a “dívida que estamos assumindo e que não para de crescer”, segundo ele. “Se computarmos os recursos do Tesouro Nacional para socorrer as distribuidoras, mais as perdas das empresas elétricas, dá um montante de R$ 114 bilhões. Com a privatização do setor elétrico, na década de 1990, conseguimos R$ 30 bilhões. Já perdemos todos esses recursos que conseguimos”, concluiu.
Pelos cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU), o racionamento de 2001 custou ao país R$ 45 bilhões (valor atualizado). Na época, o setor que mais sofreu foi a indústria com alta intensidade de uso como, por exemplo, siderúrgicas e metalúrgicas, que consumiam 62% da energia elétrica e participavam com 26% no valor do PIB. Com a economia quase parada e o já sofrível crescimento do país, a possibilidade de racionamento afasta investidores e prejudica qualquer perspectiva de recuperação econômica.
Alerta
Desde 2010, o TCU alerta para a situação crítica da segurança energética do país. No último relatório, em 2014, o ministro Augusto Sherman Cavalcanti, cobrou que, mais de três anos depois de realizada a primeira fiscalização, ainda houvesse “grande número de recomendações pendentes ou em análise”. No documento, o tribunal aponta que encontrou “fortes indícios de que a capacidade de geração de energia elétrica no país configura-se estruturalmente insuficiente”. Entre os problemas estariam falhas no planejamento da expansão da capacidade de geração, superavaliação da garantia física das usinas, indisponibilidade de parte do parque de geração termelétrica e atraso na entrega de obras de geração e transmissão de energia elétrica.
Para o diretor do Ilumina, o risco de racionamento é razoavelmente alto, “está por volta de 30%, o que é extremamente perigoso”. Na opinião dele, “o simples fato de ter que cortar a carga, significa que não tem como atender a demanda naquela hora. A palavra risco ainda não teve o seu significado entendido no Brasil”, resumiu. D’Araújo considera inadmissível as distribuidoras cortarem aleatoriamente a energia, sem saber qual serviço a subestação sem energia iria afetar. “O Ministério de Minas e Energia, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), algum órgão teria que ter traçado um plano com as distribuidoras. Eles não podem cortar a eletricidade onde afeta serviços essenciais à população como hospitais e metrô”, reclamou.