Brasília – Sem acordo entre governo e bancos para a concessão de novo empréstimo às distribuidoras de energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) adiou, ontem, pela segunda vez, o prazo para a liquidação de dívidas acumuladas devido aos gastos maiores com o insumo das termelétricas e as compras realizadas em novembro e dezembro no mercado à vista. O vencimento foi estendido deste mês para 31 de março com o objetivo do governo de ganhar tempo para que as negociações com as instituições financeiras sejam concluídas. Com a decisão da agência reguladora, haverá incidência extra de juros sobre os pagamentos e o resultado será uma conta ainda mais cara para o consumidor.
Outra má notícia foi o anúncio da proposta da Aneel para ampliar o rateio do Encargo de Serviços de Sistema (ESS), que cobre a geração das usinas termelétricas, cujo custo supera o teto do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD). Pelas regras atuais, o pagamento é rateado entre os consumidores do mercado mais próximo de onde as termelétricas estão instaladas. Agora, a Aneel sugere que a conta seja paga por todos os consumidores do chamado Sistema Interligado de Energia.
Além de pagar o pato pela energia mais cara, com o uso das térmicas e a ajuda às distribuidoras, os brasileiros serão também prejudicados com a perspectiva de que um racionamento de energia leve o Brasil a uma recessão. Segundo cálculos da equipe de economistas do banco Credit Suissse, cada 10% de redução forçada no consumo de eletricidade terá impacto negativo de 1 ponto percentual no Produto Interno Bruto (PIB), o conjunto da produção de bens e serviços .
O cenário-base usado pelo banco já prevê retração de 0,5% da economia brasileira neste ano. Com o racionamento, o tombo seria bem maior. Os técnicos da instituição, no entanto, avaliam que a chance de haver corte de energia subiu de 20% para 43% em pouco mais de um mês. Segundo o economista-chefe do Banco no Brasil, Nilson Teixeira, a falta de energia poderia contribuir para elevar ainda mais a inflação, que já está em perspectiva de alta diante da possibilidade de o real sofrer uma desvalorização mais acentuada em relação ao dólar. De acordo com ele, as medidas anunciadas recentemente pelo governo nos campos fiscal e monetário são insuficientes para que o Brasil volte a ter inflação perto da meta anual, de 4,5%, nos próximos anos.
Maldades
Na avaliação de Teixeira, para alcançar esse objetivo em 2016, conforme anunciado pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, a instituição teria que elevara taxa básica de juros, a Selic dos atuais 12,15% para mais de 13% ao ano. Pelas previsões do Credit Suisse, a inflação ficará acima de 7% em 2015 e recuará para a faixa dos 6% no próximo. A pressão inflacionária, porém, pode diminuir se a Petrobras reduzir o preço dos combustíveis até o fim de 2015, hipótese que o banco considera possível.
Na visão dos analistas do Credit Suisse, a correção dos desequilíbrios da economia vai depender da firmeza na implementação das medidas de ajuste fiscal. O presidente-executivo do banco no Brasil, José Olympio Pereira, afirmou que, se o governo federal voltar atrás nas mudanças anunciadas recentemente nas regras do seguro-desemprego, estará dando um sinal negativo para o mercado, num momento em que tenta retomar a confiança dos agentes econômicos na solidez das contas públicas.
O novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, estabeleceu como meta obter, em 2015, um superavit primário (economia para pagamento de juros da dívida) de R$ 66 bilhões nas contas do setor público consolidado (União, estados e municípios). No ano passado, segundo estimativas de analistas, o país registrou deficit nessa conta, o primeiro em uma década. Os números serão divulgados na sexta-feira.
Refresco na distribuição O governo já negociou dois empréstimos, num valor total de R$ 17,8 bilhões para salvar as distribuidoras, que ficaram sem contrato com usinas geradoras — ou descobertas, no jargão dos técnicos — e tiveram que recorrer ao mercado de curto prazo, em que a energia é bem mais cara. O montante só foi suficiente para cobrir o rombo até outubro. Para quitar as dívidas do último bimestre de 2014 serão necessários mais R$ 2,5 bilhões.
O vencimento da fatura de novembro, de R$ 1,2 bilhão, já havia sido postergado de 13 para 30 deste mês. A conta de dezembro deveria ser liquidada em 9 de fevereiro. Os custos serão repassados ao consumidor. A Aneel decidiu ainda adiar a votação do orçamento para 2015 da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo destinado a corrigir desequilíbrios no setor. O relator do texto, Tiago Correia, disse que o valor a ser arrecadado das contas de luz ficará abaixo dos R$ 23 bilhões previstos anteriormente. (Com agências)
Socorro à Argentina
Depois de importar energia da Argentina por dois dias seguidos, foi a vez de o Brasil devolver o favor. Na segunda-feira, o país exportou 200 megawatts (MW) para o vizinho da América do Sul, que também sofre com crise de abastecimento, por solicitação do operador do sistema elétrico argentino, a Compañía Administradora del Mercado Mayorista Eléctrico (Cammesa). As informações constam do boletim diário de dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão de coordenação e gestão da geração e transmissão no Brasil.
O intercâmbio de energia do Brasil para a Argentina, conforme o ONS, ocorreu de 15h05 às 17h14, totalizando 17 MW médios. O motivo foi “uma redução não programada da disponibilidade de geração naquele país”. A exportação só foi possível porque o total da carga (consumo mais as perdas) brasileira ficou abaixo da esperada, em torno de 69.772 MW médios, ante uma programação de 71.263 MW médios.
O volume vendido para a Argentina, contudo, ficou bem abaixo do que o Brasil precisou importar, por dois dias consecutivos, na semana passada, depois do apagão que deixou 10 estados e o Distrito Federal sem energia. Na terça-feira passada, um dia depois do corte no abastecimento, o Brasil comprou 165 MW médios. Outros 90 MWs médios foram comprados no dia seguinte.
O ONS e a Cammesa assinaram um acordo em 2006, que permite, em situações especiais, a troca de energia entre os países, a ser compensada em função de acerto direto entre os dois operadores. Conforme o ONS, o intercâmbio de energia nos dois sentidos “vem sendo adotado em diversos momentos ao longo da vigência do acordo”.
Até semana passada, o Brasil só tinha importado da Argentina em 2010. Já a última exportação para o país vizinho, além da realizada na segunda-feira, havia ocorrido em setembro de 2014. Além da Argentina, o Brasil mantém interligações de seu sistema elétrico com o Uruguai e o Paraguai.