Se o melhor churrasco no país for mesmo o dos gaúchos, hábito histórico da população local, faz sentido incluir nos cálculos da inflação oficial somente os preços do carvão vegetal coletados na Grande Porto Alegre? Os pesquisadores dizem que sim, mas curioso é perceber como o comportamento dos preços de alguns serviços também é acompanhado em poucas capitais. Para saber como evoluem os gastos dos brasileiros, o IBGE pesquisa quanto desembolsam com depilação somente os consumidores da Grande BH e da Grande Campo Grande. Será que a vaidade resolveu imperar nas duas regiões metropolitanas? Na capital mineira, é possível que sim, uma vez que os salões de beleza passaram recentemente a ameaçar o título reconhecido de BH como a capital dos botecos.
Na hora de incluir as despesas com despachante, só entra nas contas do custo de vida o que gastaram os moradores das áreas metropolitanas de BH, São Paulo e Porto Alegre. “Cada um de nós, a rigor, tem a sua inflação e ela pode ser diferente da média (de cada região metropolitana e do Brasil). Os itens que aparecem no orçamento refletem as características regionais de consumo, aquilo com o quê as pessoas gastam mais ou os subitens mais caros em cada área metropolitana”, afirma o analista do IBGE Antonio Braz de Oliveira e Silva.
O instituto informa que trabalha com metodologias específicas de apuração de preços para caba subitem do IPCA. No entanto, reconhece a defasagem da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF). Levantamento caro, que já chegou a ser estimado em R$ 14 mihões devido à sua grande abrangência e do longo período em que as famílias selecionadas precisam ser acompanhadas para a definição dos perfis de consumo no Brasil, a POF deveria ser atualizada a cada cinco anos, pelos parâmetros internacionais considerados pelos próprios pesquisadores. Por meio de sua assessoria de imprensa, o IBGE informou, ainda, que não tem previsão de atualizar a pesquisa neste ano. O trabalho foi adiado em 2014, depois do contingenciamento de recursos do orçamento da União.
A importância de atualizar a radiografia do consumo do brasileiro está naquilo que diferencia as despesas das famílias: os rendimentos, os hábitos e como os núcleos familiares se organizam, destaca Patrícia Lino Costa, supervisora de pesquisa de preços do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Aquelas famílias constituídas de pessoas mais velhas, por exemplo, em geral têm gastos maiores com remédios e planos de saúde. “Como média das médias, o índice de inflação é composto de uma cesta fixa de consumo que não se altera e por isso é preciso fazer sempre a Pesquisa de Orçamentos Familiares”, afirma.
Antonio Braz e Silva, do IBGE, enfatiza que boa parte dos 88 subitens pesquisados em apenas quatro regiões metropolitanas são produtos com características claramente regionais de consumo. As despesas com pão de queijo são pesquisadas na Grande BH e em outros duas regiões conhecidas por receber os mineiros a trabalho ou a lazer, o Distrito Federal e a Grande Goiânia. Uma das maiores fornecedoras do produto, a Forno de Minas tem quase 63% de participação no mercado de consumo do Centro-Oeste, onde a culinária mineira é apreciada, segundo o diretor comercial de grandes contas da empresa mineira, Renato Carneiro. “O gosto tem raízes na história. Brasília foi construída por determinação de um mineiro (o ex-presidente Juscelino Kubtischek), que levou para a nova capital as tradições do estado, inclusive no consumo”, afirma.
A gastronomia confirma e explora a tradição dos produtos regionais. O chefe de cozinha Ivo Faria critica é a dificuldade do brasileiro para ter acesso a essas iguarias, o que encarece os preços. Em viagem a Maceió no mês passado, ele pagou R$ 7 por quilo de seriguela, que em BH custaria R$ 20. Faria já comprou por R$ 40 o litro do tucupi, típico da culinária do Norte do país, incluindo o frete, quando o derivado da mandioca é encontrado por R$ 10 no local de origem. “Os produtos regionalizados circulam pouco no país. Não há como trazer para BH os frutos exóticos do Norte e do Nordeste a preços acessíveis”, afirma. A infraestrutura deficiente de logística de transporte prejudica o escoamento da produção regional, assim como, na avaliação do chef mineiro, a falta de interesse na valorização desses itens de consumo.