O brasileiro que anda frustrado com o reajuste nos preços dos combustíveis pode se preparar para mais uma notícia ruim – a “nova” gasolina anunciada pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), com 27% de etanol, vai aumentar o consumo de combustível dos veículos em até 4%. O aumento do percentual de álcool anidro no derivado de petróleo foi acertado entre as montadoras e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), e ainda depende de aval do governo. Segundo o engenheiro Francisco Satkunas, da Sociedade dos Engenheiros Automotivos (SAE Brasil), a decisão deve resolver só o problema da indústria do álcool e penalizar o consumidor.
“Você vai ter um combustível inferior. Toda vez que se adiciona etanol, o consumo aumenta e o rendimento energético cai”, explica o especialista. Assim, além de arcar com o reajuste dos combustíveis, que em Belo Horizonte chegou a 9,73% no caso da gasolina e a 7,07% no caso do álcool, de acordo com o site de pesquisas Mercado Mineiro, o proprietário de veículos automotores terá que voltar às bombas com mais frequência.
Logo após o anúncio da nova medida, o presidente da Anfavea, Luiz Moan, foi questionado pela imprensa se haveria alteração no preço do litro da gasolina em razão da mudança da mistura, mas a resposta também não foi animadora. Moan disse que o assunto é uma questão das distribuidoras e que não cabe à associação fazer esse tipo de projeção.
Problemas Outro ponto polêmico da “nova” gasolina é que ela não se limita à alta no consumo, mas pode causar problemas ainda maiores para proprietários de carros movidos somente a gasolina, importados e antigos. Segundo Satkunas, com o novo teor da mistura esses veículos poderão apresentar deterioração nos componentes, dificuldades em dar a partida e falhas posteriores. Proprietários de motocicletas também devem enfrentar o mesmo contratempo.
Até agora, a solução encontrada pelo governo é sugerir que esses condutores, donos de motos, importados e veículos antigos, abasteçam com a gasolina premium, que permanece com a porcentagem de 25% de etanol. O problema é que o combustível é ainda mais caro que a gasolina comum. “O consumidor vai ser penalizado novamente. Essa medida vai favorecer um segmento, que é a indústria do álcool, e quem vai pagar a conta novamente é o consumidor”, finalizou o engenheiro.
Apesar de a Anfavea ter anunciado que a medida passa a valer a partir do dia 16, a associação se antecipou ao governo federal, que ainda não decidiu sobre o tema. Segundo a presidente da Única, Elizabeth Farina, o ministro Aloízio Mercadante se comprometeu a encaminhar a proposta para a presidente Dilma Rousseff ainda esta semana.
Consumo de etanol cresce com preços competitivos
O aumento no preço do combustível levou o consumidor a fazer as contas na hora de abastecer. Além de considerar os valores cobrados após o reajuste, que em Belo Horizonte chegou a 9, 73% para a gasolina, o motorista passou a calcular se o etanol tem valido mais a pena do que o derivado do petróleo. E o consumidor fez a troca em alguns postos. Houve aumento de até 30% na procura por álcool em duas revendas da capital. “A nossa demanda pelo etanol aumentou muito. Vendíamos cerca de 1 mil litros por mês e, hoje, são 1, 8 mil litros”, comenta um dos sócios do Posto São José, na Savassi, Dande Pacheto. Lá, a gasolina custava R$ 3,39 e o álcool R$ 2,39 na semana passada.
Com o aumento, o preço médio da gasolina passou de R$ 2,939 para R$ 3,225, conforme dados do site Mercado Mineiro. O reajuste se deve ao aumento dos impostos PIS e Confins, que, juntos, passaram a corresponder a R$ 0, 22 para o litro da gasolina e a R$ 0,15 para o diesel. No caso do etanol, que não teve alteração de imposto, a alta é de 7,07%, sendo que o valor médio era de R$ 2,165 e passou a ser de R$ 2,318. Mas é na ponta do lápis que o consumidor descobre quando vale a pena substituir o combustível na hora de abastecer. Na teoria, essa troca só é viável caso o preço do litro de etanol seja inferior a 70% do valor da gasolina. “Com a gasolina você enche um tanque de 50 litros e consegue andar, em média, 500 quilômetros, ou seja, o veículo percorre 10 quilômetros com um litro. Já com o álcool, com a mesma quantidade no tanque, o motorista consegue andar 350 quilômetros, o que dá uma média de 7 quilômetros por litro. Ou seja, a relação de um para outro combustível é de 70%” , explica o engenheiro Clayton Zabeu, membro da Comissão Técnica de Motores Ciclo Otto, da Sociedade dos Engenheiros Automotivos (SAE Brasil).
Ele esclarece que, se a pessoa gasta R$ 3 para que o carro percorra 10 quilômetros, ela paga R$ 0,30 por quilômetro rodado. “E se ela gasta R$ 2 para andar 7 quilômetros, são R$ 0,28 a cada mil metros. Ou seja, o motorista vai gastar menos para andar um quilômetro”, diz, lembrando que, caso o condutor opte pelo o etanol, terá que abastecer mais vezes. “O álcool consome mais, mas se a pessoa não se importar de ter que parar mais vezes para abastecer, ele pode valer a pena.”
Para o consumidor, dentro do posto, o cálculo deve ser feito colocando o preço do etanol dividido pelo valor da gasolina. “Se der menos do que 70%, está valendo a pena abastecer com álcool, pois o custo por quilômetro vai ser menor”, comenta o engenheiro. Pelos postos da cidade, muitos consumidores estão fazendo essa conta. Na Avenida Via Expressa, em duas revendas , o litro do etanol custava R$ 2,149 e o da gasolina R$ 3,099, um percentual de 69%. “Ainda está tudo muito caro, mas, fazendo as contas, preferi o álcool, porque sairia mais barato e é também uma forma de protesto contra o aumento do derivado de petróleo”, comentou o motorista Leandro de Assis Braga. Para encher o tanque do seu carro com gasolina ele gastaria R$ 154, e com o álcool R$ 107, uma economia de R$ 47.
DIFERENÇA A dentista Michele Goulart também optou pelo etanol e diz que pesquisou muito antes de abastecer. “Encontrei o litro do álcool a até R$ 2,28 e não valia a pena. Somente quando encontrei de R$ 2,14 é que decidi abastecer”, conta. Mas o consumidor menos atento pode se confundir esses valores na hora da conta. Em muitos postos, a diferença entre etanol e a gasolina é de R$ 1. “Porém, para saber qual vale a pena, não interessa essa diferença absoluta nos preços dos combustíveis, mas a relação entre o valor da gasolina e do etanol”, explica Clayton. Exemplo disso é um posto na Zona Sul, onde o valor do litro da gasolina era R$ 3,59 e o do álcool de R$ 2,59. Ao dividir o valor do segundo pelo primeiro, o percentual é de 72%, ou seja, não vale a pena abastecer com o álcool nesse posto.
Pressão sobre a oferta
Com o aumento da procura e a entrada da gasolina com percentual de álcool maior no mercado, o receio é de que a demanda maior afete a oferta de álcool. Além disso, em dezembro, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou projeto que reduz a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o etanol combustível de 19% para 14%. Para compensar a perda fiscal, o mesmo projeto aumenta a alíquota do imposto sobre a gasolina de 27% para 29%. Com todos os sinais de que a opção pelo álcool seja cada vez mais viável para os motoristas e, com isso, o consumo do combustível aumente, o presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig), Mário Campos, diz que não há com o que se preocupar. “O setor tem, atualmente, um dos maiores níveis de estoque dos últimos anos. Agora, estamos no momento da entressafra que dura até abril. Depois disso, haverá uma nova safra. Estamos tranquilos. Nossa expectativa é de que a safra brasileira seja mais alcooleira do que nos últimos anos”, diz.
Associação mineira nega aumento no consumo
A Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig) negou que o aumento no consumo seja de 4%. Segundo o presidente da Siamig, Mário Campos, os testes realizados desde o primeiro semestre de 2014 constataram um aumento no consumo de 1% a 1,5% e nenhum prejuízo ao motor.
A associação também ressaltou que a nova mistura deixará a gasolina brasileira ecológica e menos poluidora, mas em entrevista recente ao Vrum, a informação foi negada pelo professor de engenharia mecânica e especialista em motores e combustíveis, Maurício Assumpção Trielli. Segundo o profissional, se por um lado ocorre a diminuição do monóxido de carbono, por outro aumenta a emissão de aldeídos.
Atualizada em 11 de fevereiro