O dólar ultrapassou a barreira dos R$ 3 ontem, nas casas de câmbio e bancos de Belo Horizonte. O dólar turismo chegou a R$ 3,08 (quando comprado com dinheiro vivo) e R$ 3,21 (no cartão pré-pago) – valores com IOF incluído. Apesar de o fluxo cambial brasileiro estar positivo em mais de US$ 4,7 bilhões este ano, o dólar continua em disparada. Ontem, subiu mais 1,33% e o comercial já está cotado em R$ 2,874, o maior valor desde 25 de outubro de 2004. No acumulado de 2015, o real é a segunda moeda que mais se desvalorizou diante da divisa norte-americana, com perdas de 8,10%, de acordo com o portal de informações financeiras Moneyou. Apenas o dólar canadense caiu mais no período, 8,79%. A deterioração dos indicadores econômicos do Brasil fizeram o real ter desempenho pior do que moedas como o rublo, da Rússia, e a coroa tcheca, da Tchecoslováquia, com desvalorizações de 7,72% e 7,12%, respectivamente.
Para o economista do Moneyou, Jason Vieira, o movimento pode ser explicado por incertezas sobre o futuro da Grécia na Zona do Euro e pela expectativa de que os Estados Unidos elevem a taxa de juros antes do previsto, o que está valorizando o dólar em todo o mundo. No Brasil, contudo, a desvalorização do real tem sido mais acentuada por preocupações sobre uma piora nos fundamentos macroeconômicos do país. O mercado teme que a fragilidade da economia provoque a perda do grau de investimento, com o rebaixamento da nota de crédito por agências de classificação de risco.
Na avaliação do economista e diretor da NBO Corretora, Sidnei Nehme, a cotação do dólar no Brasil está buscando o ajuste que foi determinado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. “O ministro afirmou que não queria um dólar artificial e o mercado está buscando esse ajuste. O teto seria R$ 2,80 no primeiro trimestre. O que está acelerando a alta para quase R$ 2,90, neste momento, é pura especulação porque não há pressão de demanda no fluxo cambial”, disse.
Para Nehme, a partir de hoje, no máximo amanhã o dólar deve recuar, e depois oscilar em torno dos R$ 2,80, para subir, gradualmente, até o fim do ano, atingindo o máximo de R$ 3,20, que seria um patamar cômodo para as pretensões do ministro Levy. “A equipe econômica deixou claro que não quer mais o dólar se prestando a controlar a inflação. Valorizada, a moeda norte-americana tem como ajustar alguns setores da economia”, explicou.
O especialista enumerou, entre as vantagens do dólar alto, o aumento da competitividade da indústria nacional frente aos produtos importados no mercado doméstico, a redução das importações e o melhor desempenho das exportações brasileiras, com ganhos cambiais. “Por outro lado, o capital produtivo, aquele dólar que entra no país como investimento de longo prazo, deve cair este ano. A economia está estagnada, o Brasil não cresce e se tornou pouco atrativo para os investidores”, assinalou.
Como resta ao país atrair o capital especulativo e o Brasil é visto com alto risco nessa área, a correção da cotação da moeda norte-americana pode deixar o especulador mais confortável para aplicar seus dólares por aqui, observou Nehme. “Nesse momento, não podemos nos dar ao luxo de negar capital especulativo. O dólar alto também colabora para equacionar os preços das commodities, que tiveram queda no mercado internacional, e a correção cambial pode contrabalançar isso”, acrescentou.
O economista da NBO Corretora destacou ainda que, além da especulação, fatores externos e internos pressionam a moeda norte-americana, como a perspectiva de aumento de juros nos Estados Unidos e o risco de o Brasil perder o grau de investimento. “O superavit primário está muito comprimido e o temor de rebaixamento é real, mas isso é mais lá para frente. Não se justifica o dólar acima de R$ 2,80 neste momento, a não ser pela ação dos especuladores”, emendou.
Mudança de planos
Com parte do seu salário de estoquista de supermercado, o haitiano Wesnaíder Joseph, de 25 anos, manda remessas de dinheiro para a família praticamente todos os meses. Porém, com a alta do dólar, o valor que tem chegado aos seus familiares já não é suficiente para as compras mensais. “Antes, conseguia mandar cerca de US$ 100, que eles usavam para a alimentação durante 30 dias. Hoje (ontem), com a mesma quantia em reais, chegou lá UU$ 70”, compara. Além da diferença, que começa a pesar para seus parentes no Haiti , ele conta que só voltará para casa quando a moeda norte-americana perder valor frente ao real. “Iria em agosto , mas resolvi esperar a queda do dólar para comprar as passagens. Caso contrário, terei de ficar mais tempo em BH”, afirma. Para especialistas, o retorno do estrangeiro a sua terra natal certamente deve ser adiada um pouco além de sua expectativa. Isso porque a moeda norte-americana não deve se desvalorizar tão cedo.
A alta recente do dólar afastou compradores e as casas de câmbio de Belo Horizonte sentiram a queda no movimento nos últimos dias. “Antes, vendíamos cerca de US$ 10 mil nos primeiros três dias da semana. Hoje (ontem), esse valor ainda não chegou a US$ 6 mil”, disse a gerente da Western Union, no Centro, Cristiane Souza Santos. Na Savassi, na casa Fitta Câmbio, o dólar era negociado ontem a R$ 3,05 (com o IOF incluído). Com o preço alto, a queda no movimento foi de cerca de 10%, se comparado ao fluxo registrado em dezembro.“Está caro demais, mas, para quem precisa comprar, não tem como adiar. Vai fazer o quê?”, disse uma senhora que comprava dólar na Picchioni Câmbios e Investimentos, no Shopping Diamond Mall, mas pediu para não ser identificada.
O mestre em finanças e professor da UNA Silvério Otávio Marinho Bacelar Dias conta que, há seis meses, o dólar custava algo em torno de R$ 2,30, o que significa alta superior a 30% em um espaço curto de tempo. “O turismo ficou mais caro, mas não é só ele. Os bens de consumo do brasileiro também vão sofrer impacto. Quando você compra uma televisão, boa parte dela é feita com produtos importados e, consequentemente, o fabricante vai repassar essa alta”, explica.
“No caso de uma viagem, por exemplo, temos sempre que pensar que é preciso levar em consideração o fator emocional da diversão e o consumo em outro país. Não há como mensurar quanto custa o lazer para alguém, mas racionalmente, hoje não está barato viajar para o exterior. Se a pessoa gastava R$ 10 mil em uma viagem aos Estados Unidos no ano passado, hoje gasta R$ 15 mil. Se ela sonha em fazer o passeio e tem os recursos, no entanto, não deve adiar”, aconselha Silvério.