Representantes das instituições de ensino superior estão questionando em mandado de segurança coletivo o controle de reajustes no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Dos mais de 7,3 milhões de alunos matriculados, perto de 2 milhões cursam a faculdade com a ajuda do Fies. No fim de dezembro, medidas do governo alteraram as regras do financiamento, provocando um turbilhão que repercutiu no valor de mercado das ações dos grupos de ensino e surpreendeu milhares de estudantes que não conseguiram renovar o crédito. Na quinta-feira da semana passada, o governo, que havia estipulado índice para reajuste das mensalidades, voltou atrás. O percentual foi alterado do teto de 4,5% para 6,4%. O Ministério da Educação divulgou também que a partir do dia 23 o sistema, que saiu do ar em janeiro, volta a funcionar para atender os novos alunos. Diante das mudanças das regras, o setor privado de ensino pode buscar reduzir o percentual da receita líquida vinculada ao Fies.
As medidas afetaram os calouros, mas também quem já tinha contratos em curso. O teto de reajuste de 4,5% para as mensalidade, sem aviso prévio, travou o sistema, e com isso só 280 mil do 1,9 milhão que usam o Fies conseguiram renovar o crédito. “As universidades estão, agora, se adequando ao percentual de 6,5% para que os alunos consigam seguir com o financiamento”, diz Sólon Caldas, diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES). Segundo ele, a situação é complexa porque as instituições que tiveram custos acima desse patamar não podem praticar um reajuste diferente para os alunos do Fies. Amábile Pacios, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), entidade que apresentou mandato coletivo contra as medidas que atingem o programa, diz que não existe indexador para o reajuste de mensalidades. Ela reforça que a lei assegura o livre reajuste às instituições, desde que justificado pela alta de custos. “Portanto, a medida é equivocada e ilegal. O mandado inclui outras questões, como o reembolso”, destaca.
De acordo com as novas regras, o pagamento às instituições será feito em oito parcelas, em vez de 12. As quatro parcelas restantes serão pagas depois da formatura do estudante. No entanto, o governo não esclareceu de que forma vai fazer os pagamentos. Prestes a se formar no curso de jornalismo, a estudante Beatriz de Castro pela primeira vez não conseguiu acessar o site do programa para renovar seu financiamento, o que ela acredita que vai conseguir fazer agora. “Espero que toda essa situação seja resolvida. Só consegui cursar uma faculdade devido ao Fies e fico receosa de que na reta final alguma mudança nas regras comprometa minha formatura”, diz a estudante, que antes de se formar já conseguiu emprego em sua área de atuação e se prepara para lançar um site.
Efeito colateral Papéis dos grupos de educação chegaram a ter desvalorização superior a 50%. No entanto, após os anúncios das medidas pelo governo, voltaram a recuperar o valor de mercado. “As ações caíram porque o governo fechou sem maiores explicações o sistema para novos contratos. Agora, com a abertura do crédito para novos alunos, o mercado se recupera”, diz Sólon Caldas. Só as ações do grupo Kroton, que é a maior rede de educação privada listada na bolsa, sofreram desvalorização de 13% em fevereiro, mas na quinta-feira, depois de o governo rever as medidas, registrou alta de 14,3% e fechou a semana com crescimento de 4,3%. A reformulação nas regras do Fies anunciadas pelo Ministério da Educação (MEC), além de travar o sistema para as renovações do financiamento, está fazendo com que mais de 250 mil estudantes comecem o ano depois do carnaval sem ter conseguido efetivar a matrícula. O sistema só será reaberto na próxima segunda-feira.
Outra medida do governo diz respeito à nota mínima. A partir de 31 de março, os candidatos ao financiamento não poderão zerar a redação e terão que ter nota mínima de 450 pontos no Enem. Fonte ouvida pelo Estado de Minas estima que cerca de um milhão de estudantes devem ficar de fora do programa. “O governo tem os mecanismos para garantir a qualidade das instituições, agora precisa investir na escola pública, que é gestora para garantir que esses alunos cheguem às universidades”, critica Pacios.
Em busca do modelo ideal
O valor do Fies saltou de R$ 1,8 bilhão em 2011 para R$ 9 bilhões no ano passado. O consultor Carlos Monteiro, especialsta em planejamento estratégico para educação da CM Consultoria, diz que grandes instituições chegam a ter mais de 50% de seus alunos vinculados ao programa. No enanto, ele acredita que as redes devem se adequar para não ultrapassar 30% de sua receita líquida ligada ao Fies. Novos modelos de financiamento estudantil, na avaliação dele, devem sair das gavetas de instituições financeiras e as escolas também deverão investir em novas formas de ensino, como o chamado “Blended Learning”, que mescla o ensino a distância com o presencial. “Este é um modelo com grande potencial no país e já amplamente utilizado na América do Norte e Europa, com tempo de formação e custo menores”, afirma.
Segundo o governo federal, as medidas têm objetivo de garantir a qualidade. O ministro da Educação, Cid Gomes, disse que a autorização de novos contratos do Fies vai levar em conta a qualidade e o perfil do curso. As áreas consideradas prioritárias para suprir carências do mercado, como licenciaturas, terão prioridade. “Segundo critérios de qualidade e de cursos que são estratégicos para o futuro do Brasil, vamos definir os novos cadastros para o Fies.” O Brasil tem 15% dos estuantes entre 18 e 24 anos no ensino superior. Argentina, México e Colômbia já superaram a marca dos 30%. A meta do Plano Nacional de Educação é que até 2024 o país tenha 33% de seus estudantes no ensino superior. A rede privada responde por 85% das matrículas.
Por dentro do Fies
O que é
O programa do Ministério da Educação (MEC) permite a concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores presenciais não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo ministério
Quem pode solicitar
Estudantes de cursos presenciais de graduação não gratuitos com avaliação positiva no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), oferecidos por instituições de ensino superior participantes do programa, e que atendam às demais exigências estabelecidas nas normas do FIES
Como é
Para estudantes com renda familiar mensal bruta de até 10 salários mínimos, oferece financiamento escalonado de até 100%, quando o percentual do comprometimento da renda familiar mensal bruta per capita com os encargos educacionais for igual ou superior a 60%
Para estudantes com renda familiar mensal bruta maior que 10 salários mínimos e menor ou igual a 15 salários mínimos, financia até 75%, quando o percentual do comprometimento da renda familiar mensal bruta per capita com os encargos educacionais for igual ou superior a 40%
Acesso facilitado
O acesso crescente dos estudantes ao Fies contribuiu para o aumento dos valores médios das mensalidades nas instituições privadas de ensino superior. Levantamento feito pela CM Consultoria mostrou que enquanto até 2011 os preços seguiam em queda, depois daquele ano cresceram à média anual de 2,9%. O valor médio passou de R$ 575 para R$ 645. Os dados foram elaborados com base no relatório Análise Setorial do Ensino Superior Privado da Hoper Educação referente ao ano passado. Em 2010, o governo estendeu o prazo dos alunos para quitação do empréstimo por meio do programa e reduziu os juros, de 6,5% ao ano, para 3,4% anuais, o que facilitou o acesso ao financiamento. Estimativas dão conta de que o custo do Fies evoluiu de R$ 1,1 bilhão em 2010 para R$ 13,4 bilhões no ano passado.