Brasília – A inflação tem sufocado tanto o custo de vida dos mais pobres que nem o Bolsa-Família anda salvando as contas do mês. Apesar de o benefício do governo federal ter sido reajustado em ritmo mais acelerado do que o da própria carestia nos últimos anos, a atual conjuntura econômica embaraçou de vez o orçamento das famílias de baixa renda. Estrangulada pela alta dos preços e dos juros, a ajuda criada para garantir o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde não consegue assegurar itens básicos da cesta de consumo como ocorria em um passado recente.
Na sexta-feira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou, em fevereiro, aumento de 7,7% em 12 meses, maior patamar desde maio de 2005. O indicador serve como parâmetro, mas não reflete o impacto real da inflação nas camadas mais pobres da população, sempre mais castigadas do que mostra a média registrada oficialmente. Os reajustes dos preços administrados, por exemplo, como os das faturas de água e luz, pesam mais sobre os lares com menor renda. Os gastos com alimentação ilustram bem a discrepância entre os prejuízos da inflação na população pobre e nas classes média e alta. O Índice de Custo de Vida (ICV), calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), indica que as despesas em supermercados, bares e restaurantes representam 40% da cesta mensal das famílias de baixa renda, enquanto nas de faixa superior esse peso é de 26%.
Em um das dezenas de barracos da região, moram Vivaldina Rosa Teixeira e os três filhos que garantem a ela o direito ao Bolsa-Família. Há quase 10 anos, quando a dona de casa se cadastrou no programa, pingavam no banco todo mês R$ 180 destinados a ela. Hoje, são quase R$ 400, mais do que o dobro, mas Vivaldina tem saudade do tempo em que começou a receber o benefício. “O que eu ganhava naquela época valia muito mais do que ganho agora. O dinheiro de hoje não dá para nada”, reclama.No início do Bolsa Família, lembra a beneficiada, compravam-se 10 pães com R$ 1, valor que hoje não paga três.
Com a inflação domada, o Bolsa-Família conseguia fazer milagre na casa de Maria Alice Gomes, 49, também moradora de área próxima à capital federal. O benefício que chega a quase R$ 500 mensais no caso dela bastava para estimulá-la a tomar crédito nos bancos e fazer as compras de casa sem medo do endividamento. Com a carestia castigando, o jogo virou. Maria Alice agora sobrevive negociando com os donos de farmácias e mercadinhos perto de casa. “Compro fiado e pago quando posso”, resume.
Nos últimos quatros anos, o benefício médio mensal pago pelo governo teve um reajuste de 80%: saiu de R$ 94, em janeiro de 2011, para R$ 170, no fim de 2014. No caso dos lares mais pobres, o benefício pulou 83% no mesmo período: de R$ 132 para R$ 242. “Esse aumento é compatível com a política de governo de apoio à população mais pobre e permite a essas famílias passar por um período de inflação sem maiores atropelos”, analisa o secretário extraordinário para Superação da Extrema Pobreza do MDS, Tiago Falcão.