O preço da água mineral e o do grupo leite e derivados seguem direções opostas na Grande Belo Horizonte em 2015. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas mostram que o valor médio do líquido mais precioso do planeta – o IBGE calcula a variação do valor da água no mesmo grupo que os refrigerantes – teve alta de 2,03% no primeiro bimestre do ano, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país. Por sua vez, o item leite e seus derivados apurou queda de 1,95% no mesmo período. A água está em alta também em decorrência da crise hídrica no país. Já o preço do leite cai tradicionalmente nesta época do ano por causa da chegada das chuvas que estimulam o pasto e levam à produção maior do gado leiteiro.
O maior recuo entre as bebidas lácteas no bimestre, segundo o IBGE, foi notado no leite longa vida, com queda de 4,48%. Os valores também recuaram nas seguintes mercadorias: leite condensado (0,11%), leite em pó (0,72%), iogurte e bebidas lácteas (1,36%), manteiga (1,45%) e creme de leite (1,59%). Apenas o queijo, com alta de 1,62%, não seguiu o mesmo caminho. Os recuos nos lácteos ajudam a entender o porquê de a indústria do setor prever um crescimento em 2015 abaixo da média dos anos anteriores.
O litro de leite pago ao produtor, segundo levantamento da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) teve preço médio de R$ 0,90 entre janeiro e março, cerca de R$ 0,10 menos frente a igual período do ano passado, reflexo do aumento da produção maior e também da redução da demanda do consumo das famílias, pressionadas pela alta no custo de vida. Em redes do varejo, o litro longa vida pode ser encontrado a partir R$ 1,89. Já meio litro de água engarrafada, observando os preços mais baratos na mesma rede, custam entre R$ 1,19 e R$ 1,45.
Maria de Jesus Cordeiro, dona de casa, está pagando entre R$ 1,90 e R$ 2,15 pelo litro de leite e observa que o custo pesa para uma família de cinco pessoas. A conta do supermercado vem apertando o orçamento e, por isso, ela já cortou produtos como requeijão cremoso de sua lista, reduziu a compra de iogurtes e também trocou a manteiga pela margarina, apesar da retração nos preços.
SEM SOBRAS “A gente substitui uma mercadoria pela outra mais em conta ou simplesmente deixa de comprar, pois, pelo menos na minha casa, o dinheiro não sobra como antes”, lamenta a dona de casa Maristela Santos, moradora do Bairro Santa Efigênia, na Região Leste da capital. Ela é cliente de um supermercado na região, onde a embalagem de 1 litro de leite da marca Camponesa sai a R$ 1,79. No mesmo lugar, o Itambé custa R$ 1,98. “Temos de pesquisar para saber as melhores ofertas”. Ela tem razão. Em uma padaria do Bairro Funcionários, a mesma embalagem do Itambé sai a R$ 3,75 – 76,7% a mais o que preço do supermercado. No estabelecimento menor, uma garrafa de 1,5 litro da água mineral Crystal é negociada no varejo por R$ 2,75. No supermercado em que Maristela Santos é cliente, a mesma embalagem custa R$ 2,19 – 25,5% a menos do que na padaria.
A médica Renata Margarida Pedrosa e sua mãe, a professora aposentada Laura Pedrosa, também já começaram a trocar marcas de lácteos. “O leite que mais gosto custa R$ 2,15, mas estou comprando outra marca por R$ 1,99”, aponta. Renata diz que paga R$ 13,90 pelo garrafão de 20 litros de água. As embalagens menores ela evita, uma vez que considera que em alguns casos custam mais caro que o leite. Sua mãe, Laura, também paga para encher a caixa d’água, em Itapecrica, onde mora no interior do estado. “Pago R$ 50 a cada vez que preciso abastecer a caixa de 500 litros”, conta.
Viajando de Norte a Sul do país para dar manutenção em aparelhos de ar-condicionado, os mecânicos Anísio Luiz Siqueira e Wesley Becker também estão assustados com o preço da água engarrafada. Na estrada, vindo do Sul do país para Minas Gerais chegaram a pagar R$ 3,60 por uma garrafinha de 500 ml de água. No supermercado, aproveitaram para comprar o produto a preço menor, pagando cerca de R$ 2,50 por um litro e meio. “Acredito que a água vai se tornar cada vez mais cara e esse é um produto que não dá para cortar do carrinho. A água vai ficar mais cara em casa também”, diz Anísio. Fazendo uma conta rápida, os dois mecânicos calculam que nos últimos seis meses a água que compram encareceu cerca de 15%. Segundo pesquisa do site Mercado Mineiro, o garrafão de 20 litros de água mineral chega a custar, em Belo Horizonte, para quem compra direto do distribuidor R$ 17, ou seja R$ 0,85 o litro. Já a garrafa com cinco litros atinge o preço de R$ 11 ou R$ 2,20 por litro.
Preocupações em cadeia
A retração no consumo de lácteos em plena safra do produto, que é quando as chuvas costumam melhorar os pastos e os preços ficam mais baixos, preocupa o setor produtivo mineiro responsável por cerca de 30% do leite produzido no país. Pierre Vilela, coordenador do Instituto Antonio Ernesto de Salvo (Inaes), ligado à Faemg, diz que como o período chuvoso foi fraco, os preços do produto já deveriam ter reagido ao pasto mais seco e a menor oferta, mas estão mais baixos do que no ano passado por causa da queda na demanda. “Com a inflação corroendo a renda, o brasileiro não reduz o consumo de leite fluido, mas de seus derivados.” Para Vilela, a expectativa no início do ano era de que no segundo semestre a média de preços pagos ao produtor pelo litro atingisse perto de R$ 1,11, mas dão agora sinais de que não vão passar a média R$ 0,95. “Leite e derivados são produtos de tempo curto de estocagem”, observa.
A indústria de lácteos já prevê um freio no ritmo de crescimento experimentado em anos anteriores e estabilidade em 2015. Guilherme Olinto, vice-presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios de Minas Gerais (Silemg-MG), aponta que o consumo de lácteos no Brasil saltou 125 litros per capita ao ano, em 2008, para perto de 175 litros per capita, em 2014. Apesar do grande avanço, o consumo ainda é menor do que a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 200 litros por habitante/ano. Em 2014, o menor vigor da economia refletiu também na cesta do supermercado. “No ano passado, o consumo já cresceu cerca de 1,5%, menos que no ano anterior quando tinha avançado perto de 3%”, calcula.
Para o pecuarista Sílvio Queiroz Pinheiro, da Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro, a saída para os produtores está na busca pela eficiência e qualificação. Os laticínios remuneram melhor quem oferece mais qualidade. (MC e PHL)