Brasília – A crise política que atinge praticamente toda a base aliada do governo no Congresso e as manifestações que tomaram o país na sexta-feira 13 enlouqueceram os investidores e empurraram o dólar para o maior patamar em quase 12 anos. Após superar a marca dos R$ 3,28 na máxima do dia, a divisa dos EUA perdeu força e encerrou o pregão negociada a R$ 3,249 para a venda; ainda assim, no maior patamar desde abril de 2003. Para analistas, a escalada da moeda norte-americana reflete incertezas sobre a capacidade do governo de colocar em prática um duro ajuste fiscal em um ano já marcado pela queda do Produto Interno Bruto (PIB) e pela instabilidade provocada pela Operação Lava-Jato, cujas investigações podem continuar gerando turbulências no cenário político.
Poucas vezes o quadro institucional do país interferiu tanto nas cotações do dólar quanto ontem. Prova disso é que, antes mesmo da abertura oficial dos negócios na Bolsa de Valores de São Paulo, a divisa dos EUA já superava os R$ 3,21. Por volta de três horas depois, a cotação já havia pulado para R$ 3,28, com investidores reagindo a informações sobre uma maior adesão aos atos pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff, marcados para o domingo. Agora, além de lideranças políticas da oposição, as manifestações ganharam o apoio de artistas e de personalidades públicas, que se declararam indignados com as denúncias de corrupção e com a crise econômica vivida pelo país.
Para piorar, as incertezas acerca dos próximos passos da política monetária nos EUA levaram a uma fuga generalizada de ativos e contribuíram para afundar de vez as cotações do real e de outros países emergentes. Investidores temem que o Federal Reserve, o banco central norte-americano, antecipe para o primeiro semestre um possível aperto nos juros básicos.
Praticamente todas as moedas dos países emergentes vem perdendo valor frente ao dólar este ano. As maiores quedas registradas foram as da lira turca, que desabou 13% desde janeiro, do rand sul-africano, com queda de 8%, e dos pesos mexicano e chileno, com 5% de desvalorização, cada um. Ainda assim, o desempenho do real brasileiro é, de longe, o pior registrado nesse ranking: 22,20%. Significa uma pressão a mais para a inflação, que este ano poderá romper o teto da meta, de 6,5%, o que não acontece desde 2004.
Avalanche Desde o primeiro turno das eleições do ano passado, o dólar já avançou 35%. E o processo de maxdesvalorização deve continuar, na opinião de analistas, motivado por influências externas e, sobretudo, pelos desgastes políticos no Brasil. Ninguém, no entanto, arrisca dizer até quando a cotação da moeda norte-americana subirá. Há projeções de dólar caminhando para R$ 3,50 na semana que vem.
Um dos maiores temores dos investidores é de que as medidas fiscais consideradas essenciais para tirar a economia do atoleiro não sejam concretizadas. Ontem, intensificaram os rumores no mercado financeiro de uma eventual saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda. Em conversas reservadas, ele teria dito que, caso o governo não consiga aprovar o arrocho fiscal, entregaria o cargo.
Os movimentos de aversão ao risco começam a ganhar mais força, na análise do estrategista da Guide Investimentos Luis Gustavo Pereira. “A alta do dólar é estrutural, não estamos sendo o único país a ter a moeda desvalorizada, mas o mercado acaba refletindo o cenário político conturbado”, sublinha. “O dólar continuará subindo, com pouco espaço para reversão, mesmo que deixe de ter altas muito fortes”, emenda o economista da Guide Ignacio Rey.
O mercado terá de conviver com bastante volatilidade nos próximos dias, acrescenta o economista da RC Consultores Marcel Caparoz. Os indicadores econômicos, elenca ele, estão confirmando um cenário de perda de dinamismo da atividade, já esperado desde o ano passado: desemprego em alta, o comércio enfraquecido, os juros subindo.
O novo patamar da cotação da moeda norte-americana não ficará abaixo de R$ 3,20, na aposta de Caparoz. “A forte volatilidade deve continuar, mas não dá para fazer previsões no médio prazo neste momento”, pondera. Com exceção da moeda russa, o rublo, o real é a divisa que mais se desvalorizou frente ao dólar nos últimos 12 meses. “O cenário interno complicado, com manifestações e escândalos, agrava o processo de desvalorização cambial.”
O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Paulo Dantas, percebe uma especulação bem acima do natural por parte dos investidores neste momento de turbulência. A preocupação dele é com o impacto da alta da moeda na inflação. “Vai atingir em cheio o bolso do consumidor. O dólar interfere no preço de medicamentos, do pãozinho francês, de tudo”, exemplifica.
O avanço da divisa tende a piorar a carestia e obrigar o Banco Central a manter a alta dos juros básicos da economia (Selic), atualmente em 12,75% ao ano. Na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no fim de abril, já se projeta um novo aumento de 0,50 ponto percentual, e mais 0,25 ponto percentual na de junho.
Meta ameaçada
A escalada do dólar tende a provocar estragos na renda não só de quem planeja viajar para o exterior, mas praticamente de todos os brasileiros. “Nossos cálculos mostram que o repasse do câmbio para a inflação está longe de ser trivial”, assinalou o diretor de Pesquisas para América Latina do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos. Uma valorização da divisa dos EUA por 12 meses eleva em 6% o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Por isso, num cenário que já contempla inflação acima de 8% este ano, todo o cuidado é pouco, reforça o economista. “Tudo isso reforça a nossa visão de que o Banco Central deve manter-se extremamente vigilante a fim de ancorar com sucesso as expectativas de inflação e limitar efeitos de contágio do dólar sobre outros preços.”