A 200km da capital da República, moradores da cidade mineira de Paracatu vivem dias de preocupação. Em quase 30 anos de exploração de ouro na região por mineradoras, nunca se falou tanto sobre os riscos da atividade aos recursos naturais e à população, que convive lado a lado com a maior extratora do país nesse segmento, sob o comando, desde 2005, da empresa canadense Kinross Gold Corporation. Apenas 250 metros separam a área, de mais de 11,9 mil hectares, da zona urbana, fator considerado alarmante, segundo especialistas.
Tal situação alimentou denúncias nas redes sociais e na mídia sobre altos índices de câncer no município, fruto de uma suposta contaminação em massa provocada pelo arsênio — substância liberada no processo de retirada do ouro. Textos publicados em sites e blogs alertando sobre os riscos na região foram compartilhados por milhares de internautas nos últimos meses. A direção da empresa garante que as acusações são infundadas.
A reportagem esteve em Paracatu na última semana. Ao chegar pela BR-040, um terreno acinzentado, à esquerda, logo chama a atenção. Ao redor dele, barragens de rejeito, onde são depositados resíduos líquidos e sólidos, decorrentes do processo de extração do ouro, parecem uma grande lagoa. Prédios e casas se misturam à paisagem, logo ao fundo. As barreiras físicas que separam a cidade de empreendimento não são claras, assim como as partículas liberadas no processo para aquisição do minério, como explica o geólogo e mestre em Planejamento e Gestão Ambiental Márcio José dos Santos.
“O ouro está contido dentro da rocha, mas, muitas vezes, está agregado aos minerais, principalmente aos sulfetos, que são compostos de enxofre e ferro, como é o caso do sulfeto de arsênio — um mineral conhecido como arsenopirita. Quando sofre a ação do tempo (intemperismo), ele se oxida e o ouro fica livre. Nesse processo natural, o arsênio também é liberado, mas não é absorvido pelo corpo humano”, ensina.
Não é o que tem ocorrido em Paracatu, segundo o cientista, que é morador da cidade. Ele explica que, diferentemente do que ocorria na época dos garimpos, a chegada das mineradoras trouxe com elas um processo de extração perigoso: a cianetação. “Quando se destrói a rocha, libera-se arsênio em diferentes estados de valência. Para se retirar 1g de ouro, são liberados até 7kg de arsênio nessas condições. O mais letal deles é o trióxido de arsênio, um dos componentes liberados quando se ataca a arsenopirita.” O geólogo frisa que resultados de estudos recentes, feitos pela Universidade de Lavras, mostram que o arsênio presente na poeira de Paracatu está biodisponível, isto é, pode ser absorvido pelo corpo.
O risco da vizinhança entre o município de Paracatu e a Kinross também é citado pelo professor Claudinei Gouveia de Oliveira, do Departamento de Geoquímica e Recursos Minerais da Universidade de Brasília (UnB). “A atividade causa dano ao meio ambiente. Afinal, estamos falando de uma mineração a céu aberto. Ela demanda uma movimentação de massa muito grande para o baixo teor de ouro adquirido. Embora as mineradoras dessa natureza sejam mais econômicas para a empresa, elas causam grandes problemas à sociedade. Poluição, barulho, doenças, problemas urbanos”, exemplifica.
“À medida que a mineração vai evoluindo, o lençol freático vai sendo rebaixado. Então, a água é drenada de diferentes locais e há um risco de se secar um manancial. Sem falar nas barragens de rejeito, onde deve ser feito um monitoramento constante, para não haver vazamento. Se todas as medidas não forem tomadas, com cuidado redobrado, pode acontecer rompimento de barragem e resultar em um desastre ambiental. Sou a favorável à mineração, e essa traz grandes benefícios econômicos ao município, mas a sociedade deve decidir se, no momento, é algo interessante”, conclui Claudinei.
Kinross rebate acusações
Simone Kafruni
A empresa canadense de mineração Kinross decidiu abrir a mina para se defender das acusações. A diretoria da companhia garante que as alegações são falsas e imprudentes. Admite apenas que deveria ter se preocupado mais em divulgar as práticas e os processos usados na mineração para tranquilizara população. O vice-presidente da Kinross Paracatu, Gilberto Azevedo, explicou que uma das maiores preocupações da companhia é coma comunidade na qual está inserida. “A forma como somos percebidos é muito importante, por isso temos que estar preparados para responder as acusações à altura e manter a nossa reputação diante da população e dos acionistas, pois a Kinross é listada em Bolsa. Não somos uma empresa clandestina.”
O executivo ressaltou que a questão do arsênio sempre foi conversada com a população em apresentações realizadas no município. “Esse debate era mais local, mas agora ganhou outro nível de discussão. Há muita distorção de informações por parte de pessoas que não costam da empresa e se expressam nas redes sociais.” Entre “as pessoas que não gostam da empresa”, a diretoria citou o médico e cientista Sérgio Dani, que já trabalhou em parceria com a Kinross.
Dani teria tentado emplacar outros projetos que não foram aceitos e a partir daí teria se tornado um opositor contumaz. O diretor de Sustentabilidade e Licenciamento, Alessandro Nepomuceno, admitiu que há dispersão de arsênio da poeira da mina, mas assinalou que ocorre em índices considerados aceitáveis pelas organizações de saúde. “É preciso ficar claro que o arsênio existe no meio ambiente. Assim como está presente em certos frutos do mar e no arroz, está na rocha sulfetada de onde extraímos ouro. O solo de Paracatu tem arsênio na sua forma estável, mas nada em concentrações alarmantes.”
Os resíduos tóxicos da mineração exigem cuidados. Segundo a empresa, eles são coletados e depositados em tanques selados e enterrados. “Todos os tanques envelopados e lacrados são mapeados e bem localizados. É um material potencial para usar na produção de ácido para indústria de fertilizantes. Mas a empresa não tem interesse em usá-lo”, pontuou Nepomuceno. A Kinross destacou que o material segregado não volta para as barragens de água. Tampouco anatanolago a reserva é sinal de poluição. “A barragem funciona como um segregador. O processo separa a água limpando rejeitos, que são tratados.”
Quanto à poeira e ao ruído das detonações, a companhia diz tomartodas as medidas possíveis para mitigar os efeitos. Para baixar a poeira, caminhões-pipa circulam molhando o solo, com aplicação de um polímero que forma uma camada protetora. “Utilizamos o material estéril para criar barreiras acústicas. Usamos retardos nos explosivos e direcionamos o desmonte, comuso de birutas para saber para que lado está o vento”, destacou Nepomuceno.
A companhia apresentou ainda resultados de um estudo do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), no qual não teve interferência, e de outro levantamento próprio, feito em colaboração com as universidades Federal de Minas Gerais (UFMG) e de Queensland, da Austrália. Segundo a diretoria da Kinross, ambos tiveram resultados semelhantes. “As concentrações de arsênio as principais vias de exposição ambiental humana (águas de abastecimento doméstico e em material articulado na atmosfera) foram consideradas baixas. As taxas de mortalidade por câncer entre a população de Paracatu estão dentro, em alguns casos se apresentam menores, das estatísticas para outras cidades no Brasil.”
Retorno
A Kinross também aposta na contribuição para a cidade para ganhar o apoio da população. A gerente de Comunicação e Relacionamento com a Comunidade, Ana Cunha, destacou os programas realizados pela empresa. “A Kinross investiu R$ 15 milhões, em três anos, em projetos sociais e gasta, por ano, R$ 562 milhões na cidade.”
O diretor de Operações, Marcelo Pereira da Silva, garante que a empresa está revegetando toda a área da minaque está exaurida. “Vamos também colocar barreiras visuais, porque parte da população se incomoda comoimpacto, uma vez que a mina é visível de quase todas as artes da cidade e da BR-040.” Prevista para encerrar as atividades em 2016, o tempo de vida útil da mina foi estendido até 2030. “Depois de encerradas as atividades, a ideia é alagar toda a área da mina para os lagos serem usados para lazer.” Resta saber o quevai ocorrer com o materialtóxicoenterradona áreadamina.