Nascida em uma família de classe baixa, Gilza Borges, de 38 anos, há 10 anos viu sua vida mudar para melhor. Fez curso técnico para massagista, alugou uma sala na Zona Sul de Belo Horizonte, onde atendia em média 10 clientes por dia, comprou equipamentos , reformou a casa onde morava, adquiriu um carro e começou a faculdade de fisioterapia. Com uma maior renda, engrossou a faixa social que mais ascendeu nos últimos anos: a classe C. “Foi como se me dessem todas oportunidades e, agora, me tirassem todas elas”, desabafa Gilza, que desde o ano passado viu sua ascensão perder o fôlego.
Com a crise econômica que atingiu o país em 2014 e se acentua com mais força este ano, ela perdeu a sala que alugava, vendeu o carro e os equipamentos e parou de estudar. Ela não é a única a sentir os impactos de um revés. A então nova classe média, na qual Gilza ingressou e que foi o motor do crescimento da economia nos últimos anos, está agora, segundo especialistas, na corda bamba, correndo o risco de encolher e mudar a pirâmide social do país.
Com 114 milhões de brasileiros , ou representada por 56% da população, a classe C foi aquela para qual o comércio escancarou suas portas, para a qual havia uma maior oferta de créditos com juros baixos, que financiava imóveis, celular, televisão, carros, viagens e outros bens de consumo. Porém, segundo pesquisa do instituto Data Popular, essa mesma classe não está mais tão otimista e a realidade agora é outra. O instituto considera a classe C, aquela com renda per capta de de R$ 338,01 a R$ 1.184, ou uma renda mensal de até R$ 2,9 mil. Segundo o levantamento, em uma década, a massa de renda dessas pessoas aumentou em 71%, chegando a R$ 1,35 trilhão.
Mas, com a alta da inflação, já em 7,7% nos últimos 12 meses, e o aumento do desemprego, que chega a 6,8%, os mais de 3 mil entrevistados pelo instituto estão descrentes com o Brasil e acreditam que as coisas vão piorar daqui pra frente. Em relação à inflação, 79% acreditam que os preços vão continuar subindo; 55% estão pessimistas em relação ao emprego; e 68% disseram que 2015 será um ano pior para o país.
“O medo é de despencar dessa classe social a que chegamos”, confessa a cabeleireira Zilda Bernardina. Há 10 anos, Zilda trabalhava como empregada doméstica e, com a melhora na vida dos brasileiros, ela se preparou e, em pouco tempo, se tornou manicure. “Depois, tornei-me sócia do salão e consegui dar uma entrada em um apartamento, conheci o mar quando viajei para a Bahia, e tinha uma agenda cheia de clientes”, recorda. Segundo ela, em 2014 os ventos mudaram. A clientela minguou.
Devendo à Caixa Econômica Federal, resultado do financiamento que fez para a casa própria, Zilda diz que está deixando de pagar também as contas de água e de luz. “Tudo mudou para nós. Sempre fui muito correta com as minhas despesas, não tinha dívidas e estava indo muito bem. Mas, com a situação atual, tudo reverteu. Já deixei de comprar muita coisa, e se continuar desse jeito, vamos despencar da classe C para D, E”, aposta, sem ver muitas esperanças para os próximos meses.
Essa retração da qual Zilda tem medo, segundo o economista da Fecomércio Caio Gonçalves, é possível. Ele lembra que, depois da crise mundial de 2008, houve um estímulo ainda maior ao consumo da classe C, que passou a ter acesso a bens a que antes não tinha. “Houve uma oferta maior de crédito e as taxas de juros eram mais baixas. Mas, atualmente, tem ocorrido o oposto daqueles anos. Com uma inflação muito elevada, há a perda do poder de compra. A mesma renda que se tinha antes se tem hoje para preços mais altos, isso para todas as classes.” Para um retrocesso de brasileiros da Classe C, Caio diz que o mais agravante seria o aumento do desemprego. “E esse sentimento de risco de perder o emprego já começou a ser sentido por essa parte da população.”
HÁBITOS Pelo menos nas compras, eles já mudaram os hábitos. Ainda segundo o Data Popular, 41% dos entrevistados disseram comprar a mesma quantidade de produtos. Porém, optam por marcas mais baratas. Cerca de 80% disseram estar economizando nas contas do dia a dia, como água, luz e telefone. Mas eles passaram a dever mais. Agora, 31% dos entrevistados assumiram ter comprado “fiado” em 2014. Em 2010, esse percentual era de 27%. Também passaram a socorrer mais os amigos e parentes. Antes, em 2010, 12% assumiram isso à pesquisa; em 2014, foram 26%, mais do que o dobro, os que confessaram emprestar o cartão de crédito ou o nome para garantia de compra. A pipoqueira Renata Sores não se endividou, mas mudou de vida para continuar na luta. Ela conta que há 10 anos conseguiu sair de um emprego de operadora de caixa para ter o seu próprio carrinho de pipoca em BH. “Foi dando certo e até 2013 consegui ter três espalhados pela cidade. Mas, no ano passado, para não ter que perder a minha fonte de renda, tive que tirar meus dois filhos da escola particular e colocá-los na pública, passei a não comprar tanto e a viajar menos também”, conta, acrescentando ter esperança de que haverá uma melhora nos próximos meses. “Quero pensar positivo, não quero sair da classe C”, revela.
A vendedora Vera Lúcia Gonçalves Nascimento engrossa esse coro. Ela conta que nos últimos anos melhorou de vida, conseguiu comprar imóveis, tendo, inclusive, dois lotes na Grande BH. “Foi uma melhora muito significativa, mas, no ano passado, veio essa crise. Porém, não podemos nos deixar abater por ela. É preciso ter um controle financeiro para que possamos continuar na classe C e sempre com tendência ao crescimento”, conta ela, que viu o movimento na loja de sapatos onde trabalha cair 80% neste ano. “Mudei meus hábitos de compra, e sei que, enquanto tiver planejamento, não vou precisar vender meus bens para sobreviver”, garante.
VIRADA
Apesar dos números e dos temores da classe C, o presidente do Data Popular, Renato Meirelles, aponta que há dois movimentos nesse contexto: um momento de crise que impacta a classe média e outro da capacidade de essa parte da população de se “virar”. Como prova, ele cita que a pesquisa aponta que 62% dos entrevistados estão buscando renda extra e 42% estão fazendo “bico” para complementar a renda. “É claro que, com a inflação, eles estão mais pessimistas. Por outro lado, estão deixando de comprar por impulso e procurando ganhar mais dinheiro”, afirma Renato.
Com a crise econômica que atingiu o país em 2014 e se acentua com mais força este ano, ela perdeu a sala que alugava, vendeu o carro e os equipamentos e parou de estudar. Ela não é a única a sentir os impactos de um revés. A então nova classe média, na qual Gilza ingressou e que foi o motor do crescimento da economia nos últimos anos, está agora, segundo especialistas, na corda bamba, correndo o risco de encolher e mudar a pirâmide social do país.
Com 114 milhões de brasileiros , ou representada por 56% da população, a classe C foi aquela para qual o comércio escancarou suas portas, para a qual havia uma maior oferta de créditos com juros baixos, que financiava imóveis, celular, televisão, carros, viagens e outros bens de consumo. Porém, segundo pesquisa do instituto Data Popular, essa mesma classe não está mais tão otimista e a realidade agora é outra. O instituto considera a classe C, aquela com renda per capta de de R$ 338,01 a R$ 1.184, ou uma renda mensal de até R$ 2,9 mil. Segundo o levantamento, em uma década, a massa de renda dessas pessoas aumentou em 71%, chegando a R$ 1,35 trilhão.
Mas, com a alta da inflação, já em 7,7% nos últimos 12 meses, e o aumento do desemprego, que chega a 6,8%, os mais de 3 mil entrevistados pelo instituto estão descrentes com o Brasil e acreditam que as coisas vão piorar daqui pra frente. Em relação à inflação, 79% acreditam que os preços vão continuar subindo; 55% estão pessimistas em relação ao emprego; e 68% disseram que 2015 será um ano pior para o país.
“O medo é de despencar dessa classe social a que chegamos”, confessa a cabeleireira Zilda Bernardina. Há 10 anos, Zilda trabalhava como empregada doméstica e, com a melhora na vida dos brasileiros, ela se preparou e, em pouco tempo, se tornou manicure. “Depois, tornei-me sócia do salão e consegui dar uma entrada em um apartamento, conheci o mar quando viajei para a Bahia, e tinha uma agenda cheia de clientes”, recorda. Segundo ela, em 2014 os ventos mudaram. A clientela minguou.
Devendo à Caixa Econômica Federal, resultado do financiamento que fez para a casa própria, Zilda diz que está deixando de pagar também as contas de água e de luz. “Tudo mudou para nós. Sempre fui muito correta com as minhas despesas, não tinha dívidas e estava indo muito bem. Mas, com a situação atual, tudo reverteu. Já deixei de comprar muita coisa, e se continuar desse jeito, vamos despencar da classe C para D, E”, aposta, sem ver muitas esperanças para os próximos meses.
Essa retração da qual Zilda tem medo, segundo o economista da Fecomércio Caio Gonçalves, é possível. Ele lembra que, depois da crise mundial de 2008, houve um estímulo ainda maior ao consumo da classe C, que passou a ter acesso a bens a que antes não tinha. “Houve uma oferta maior de crédito e as taxas de juros eram mais baixas. Mas, atualmente, tem ocorrido o oposto daqueles anos. Com uma inflação muito elevada, há a perda do poder de compra. A mesma renda que se tinha antes se tem hoje para preços mais altos, isso para todas as classes.” Para um retrocesso de brasileiros da Classe C, Caio diz que o mais agravante seria o aumento do desemprego. “E esse sentimento de risco de perder o emprego já começou a ser sentido por essa parte da população.”
HÁBITOS Pelo menos nas compras, eles já mudaram os hábitos. Ainda segundo o Data Popular, 41% dos entrevistados disseram comprar a mesma quantidade de produtos. Porém, optam por marcas mais baratas. Cerca de 80% disseram estar economizando nas contas do dia a dia, como água, luz e telefone. Mas eles passaram a dever mais. Agora, 31% dos entrevistados assumiram ter comprado “fiado” em 2014. Em 2010, esse percentual era de 27%. Também passaram a socorrer mais os amigos e parentes. Antes, em 2010, 12% assumiram isso à pesquisa; em 2014, foram 26%, mais do que o dobro, os que confessaram emprestar o cartão de crédito ou o nome para garantia de compra. A pipoqueira Renata Sores não se endividou, mas mudou de vida para continuar na luta. Ela conta que há 10 anos conseguiu sair de um emprego de operadora de caixa para ter o seu próprio carrinho de pipoca em BH. “Foi dando certo e até 2013 consegui ter três espalhados pela cidade. Mas, no ano passado, para não ter que perder a minha fonte de renda, tive que tirar meus dois filhos da escola particular e colocá-los na pública, passei a não comprar tanto e a viajar menos também”, conta, acrescentando ter esperança de que haverá uma melhora nos próximos meses. “Quero pensar positivo, não quero sair da classe C”, revela.
A vendedora Vera Lúcia Gonçalves Nascimento engrossa esse coro. Ela conta que nos últimos anos melhorou de vida, conseguiu comprar imóveis, tendo, inclusive, dois lotes na Grande BH. “Foi uma melhora muito significativa, mas, no ano passado, veio essa crise. Porém, não podemos nos deixar abater por ela. É preciso ter um controle financeiro para que possamos continuar na classe C e sempre com tendência ao crescimento”, conta ela, que viu o movimento na loja de sapatos onde trabalha cair 80% neste ano. “Mudei meus hábitos de compra, e sei que, enquanto tiver planejamento, não vou precisar vender meus bens para sobreviver”, garante.
VIRADA
Apesar dos números e dos temores da classe C, o presidente do Data Popular, Renato Meirelles, aponta que há dois movimentos nesse contexto: um momento de crise que impacta a classe média e outro da capacidade de essa parte da população de se “virar”. Como prova, ele cita que a pesquisa aponta que 62% dos entrevistados estão buscando renda extra e 42% estão fazendo “bico” para complementar a renda. “É claro que, com a inflação, eles estão mais pessimistas. Por outro lado, estão deixando de comprar por impulso e procurando ganhar mais dinheiro”, afirma Renato.