O governo atribui o fato de o sistema elétrico brasileiro estar operando no limite, beirando o risco de racionamento, à falta de chuvas. Contudo, agentes do setor, especialistas e até um ministro que participa de todas as discussões do Executivo garantem que os responsáveis pelo planejamento energético do país erraram muito nos últimos anos e ainda insistem em equívocos. O que não faltam são críticas contundentes à Empresa de Pesquisa Energética (EPE), conduzida por Maurício Tolmasquim.
A metodologia utilizada pela EPE é considerada errada e os relatórios do órgão, absurdos. “O planejamento da EPE é fantasioso. Tudo o que pautou o setor de energia nos últimos anos é totalmente errado. O clima ficou tão maluco que é irreal fazer planos para daqui a 20 anos. Tem que ser de quatro em quatro. Também não adianta insistir em matriz com 70% de energia hidrelétrica. Mundialmente, a proporção é 50% de hidrelétricas e 50% de térmicas”, enumera a fonte ministerial.
Para especialistas de mercado, a EPE é apenas um cabide de empregos, já que o planejamento do setor elétrico deveria ser feito pelo Ministério das Minas e Energia (MME), sem a necessidade de criar mais uma empresa para isso. A EPE tem 338 funcionários e consome R$ 93,4 milhões por ano. “O MME é um ministério surreal. Nunca tratou de petróleo e gás, que sempre ficou a cargo da Petrobras. E isso não é só do governo do PT. Antes já era assim. Mas o PT criou mais uma empresa, como a EPE, para fazer o trabalho de planejamento, e esvaziou ainda mais o ministério”, analisa Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
A ideia da EPE era criar uma espécie de Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) do setor de energia. “Mas virou apenas mais uma empresa subordinada ao governo, que produz documentos para endossar o discurso do Executivo de que não há problema nenhum no setor”, afirma Pires. Para ele, os planejamentos dos últimos anos mostraram-se muito distantes da realidade. “É uma companhia chapa-branca. Que está ali para apontar números que agradam ao governo”, lamenta. “O mercado tem horror à EPE. Ela não faz planejamento nenhum. Os relatórios são ruins, a metodologia é errada. Para o Tolmasquim está tudo ótimo. Só a chuva é o problema”, emenda.
TÉRMICAS Nivalde de Castro, professor do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que um estudo de 2009 constatou que vêm ocorrendo mudanças no padrão de geração de energia elétrica. Mas a EPE ainda não se deu conta disso. “No atual século, a matriz não é só hidrelétrica. Hoje, a geração é hidrotérmica”, frisa. No entender dele, o modelo de contratação de térmicas do Brasil é por disponibilidade, ou seja, as usinas ficam paradas até que se precise delas. Não é uma contratação por energia gerada. “Quando se contrata assim, elas são baratas de se construir, mas caras para gerar eletricidade”, explica.
Na avaliação do presidente da Thymos Energia, João Carlos Mello, há, hoje, um somatório de falhas estruturais no setor elétrico. “As usinas que estão operando não foram reavaliadas para se saber a capacidade real. Muitos reservatórios estão assoreados. Houve atrasos de obras que não foram levados em consideração”, lista. Todos esses problemas deveriam ter sido detectados pela EPE. “O sistema vem se deteriorando por uma visão pouco atualizada. A EPE deveria ter modernizado sua metodologia. Mas o Operador Nacional do Sistema (ONS), e sobretudo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), também já deveria ter dito para a EPE se atualizar”, sentencia. Procurada, a EPE não se pronunciou.
FALTA DE CHUVAS E DE PLANEJAMENTO