De um lado, pequenos e médios comerciantes penam para lidar com os custos altos, ao mesmo tempo em que precisam recuperar as perdas dos últimos meses. Do outro lado do balcão, consumidores arredios e à procura dos menores preços. É nesses extremos que a primeira data comemorativa do calendário de 2015 do varejo, a Páscoa, chega, sem qualquer sinal de euforia. Pelo contrário, com a retração da economia e a piora dos indicadores do emprego, o lema das lojas especializadas em produtos típicos da festa cristã é tentar não perder a venda. Para isso, as estratégias privilegiam os produtos mais baratos e ovos de chocolate menores. As empresas também se esforçaram numa dura negociação com fornecedores para evitar parte dos repasses aos preços das despesas maiores com o frete e energia, por exemplo.
No segmento dos chocolates, para amargar ainda mais o que era para ser saboroso, o consumidor não deve tirar grandes quantias do bolso e a expectativa dos empresários é de um tíquete médio de compras de apenas R$ 50, representando uma redução de 50% frente aos gastos feitos há quatro anos, quando o mineiro desembolsou, em média, R$ 100 com presentes para Páscoa.
Não é para menos. Nos últimos cinco anos, o quilo do bacalhau saithe ficou 73,48% mais caro, ao sair de R$ 22,02, na média, em fevereiro de 2010 para R$ 38,20 no mês passado, de acordo com levantamento do site de pesquisas de preços Mercado Mineiro. Um ovo Lacta, Sonho de Valsa, tamanho 20, por exemplo, custava naquela época R$ 28,82 e, atualmente, está cotado a R$ 41,75, acréscimo de 44,8%. A popular sardinha que era vendida a R$ 4,60 o quilo hoje é encontrada a R$ 8,76, o que significa 90,43% mais.
Além da alta nos preços dos alimentos e dos efeitos da estiagem, os reajustes da gasolina e da conta de energia elétrica, somados à valorização do dólar, são motivos suficientes para azedar a festa do coelhinho. Tanto é que os hábitos da assistente social Edna Mendes mudaram. Ela conta que, neste ano, o peixe não teve prioridade na quaresma. “Como está tudo muito caro, passei a comer frango. Deixarei de dar presentes na Páscoa. Antes, comprava ovos de tamanho 20. Agora, comprarei um menor, de tamanho 16, e será somente para a minha filha”, afirma.
As remarcações têm seus motivos, rebate o gerente da empresa Oceânica Pescados, Thiago Antunes Guerreira. “Muitos dos nossos pescados são importados e os valores estão só aumentando. O filé de salmão, por exemplo, encareceu 20%, chegando a R$ 39, 90 por quilo, enquanto o badejo passou de R$ 49,90 para R$ 69 o quilo. Com os preços assim, as nossas vendas caíram”, afirma. A empresa já não tem a mesma expectativa de crescimento de 50% dos negócios, como em outros anos. Medidas como reduzir o tempo de uso do maquinário da empresa foram necessárias para conter o impactos da alta da energia.
Alternativas
E o trabalho, conforme mostram os números, será redobrado. De acordo com pesquisa da Federação do Comércio de Minas Gerais (Fecomércio MG), apesar de 80,9% dos empresários acreditarem que a data afeta positivamente seus negócios, 40,7% esperam manter o volume de vendas, informa Luana Oliveira, supervisora de estudos econômicos da Federação do Comércio de Minas Gerais (Fecomércio-MG). Quanto ao gasto médio por consumidor, a maioria dos comerciantes, de 42%, espera tíquete médio entre R$ 30 e R$ 50.
Diante de um universo de 54 milhões de brasileiros endividados, o medo do comércio, destaca a supervisora da Fecomércio, é com inadimplência. “Os produtos mais baratos serão, agora, a porta de entrada para Páscoa”, observa. Alfredo Soares, sócio da peixaria Modelo, no Mercado Central de Belo Horizonte, diz que 2015 será um ano perdido para o varejo. O lamento dele faz sentido, já que boa parte da mercadoria é importada e o dólar em alta aperta a margem de lucro. O estoque precisa ficar em câmara fria e o reajuste da energia elétrica em dois dígitos compromete a reposição. Isso, sem contar o peso do frete mais caro sobre o negócio “Não dá para repassar tudo para o consumidor. Nunca enfrentamos uma quaresma tão fraca”, afirma o comerciante.
Apolítica adotada pela empresa mineira Qoy Chocolates, de acordo com a diretor comercial Flávia Falci Tavares, foi apostar nos chocolates pequenos. “Estamos segurando ao máximo para não aumentar os valores dos nossos produtos. Esperamos vendas maiores, com produtos mais baratos”, afirma. Segundo ela, a empresa sofreu om os reajustes de matérias-primas, como o valor do cacau, dos serviços, aumento de aluguel e de energia, além da gasolina. “Já houve períodos em que o tíquete médio era de R$ 120. Hoje, caiu para R$ 50. Naquela época, o Brasil estava sorrindo para o consumo”, recorda.
Cai intenção de compras das famílias
Com receio de perder o emprego e com o orçamento corroído pela inflação, os brasileiros nunca estiveram tão indispostos a ir às compras. Em março, a Intenção de Consumo das Famílias (ICF) cravou 110,6 pontos, o pior resultado da série histórica da pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O levantamento registrou queda de 6,1% em relação a fevereiro. O tombo foi ainda maior frente ao mesmo mês do ano passado, de 11,9%, divulgou, ontem, a instituição.
A desaceleração do consumo das famílias, que representa cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) – conjunto de bens e serviços produzidos no país –, deve provocar uma queda do crescimento da economia entre 1% e 2%, analisou o chefe da Divisão Econômica da CNC, Carlos Thadeu de Freitas. “Os investimentos vão continuar minguados e o consumo, responsável por sustentar parte do PIB nos últimos anos, pode cair”, prevê.
A família da médica Francelli Neves, de 40 anos, decidiu repensar todas as contas da casa, devido a inflação alta. Segundo ela, já houve mudança nos planos que contemplavam viagens e lazer por conta da situação econômica do Brasil. “Tudo está mais caro. No sacolão, por exemplo, compro os mesmos produtos em menor quantidade e pago entre R$ 50 e R$ 70 a mais. Da mesma forma, ocorre no açougue. O problema, é que nosso salário não acompanha a evolução dos preços e o orçamento familiar fica apertado”, completou. Ainda de acordo com Francelli, alternativa é diminuir as compras e concentrar gastos nos itens de maior necessidade, sempre com pagamento à vista. “Não dá para financiar mais nada, estamos inseguros com a desvalorização do nosso dinheiro”, afirma.
Diante da perspectiva de aumento de desemprego, os brasileiros estão menos seguros em relação ao emprego atual e com baixa perspectiva em relação ao mercado de trabalho. Com o avanço dos juros, estão menos propensas a pagar compras a prazo e adquirir bens duráveis. O cenário, entretanto, poderá ser outro a partir do próximo ano, ponderou Thadeu, se o ajuste das contas públicas for cumprido.
“Os reajustes dos preços administrados foram maiores que o esperado”, enfatizou ele, destacando que o efeito dessa alta será observado na inflação ao longo do ano e vai provocar novos aumentos das taxas de juros. “Em 2016, a carestia vai começar a ceder e o crédito voltará a ser mais acessível para o consumidor. Mas, é importante que o Congresso Nacional faça a parte dele. O quanto antes forem aprovadas as propostas do ajuste fiscal, mais rápido virão as expectativas. Falta melhorar a confiança dos empresários para a retomada dos investimentos”, acrescentou.