Simone Kafruni, Marinella Castro, Rodolfo Costa, Diego Amorim e Antonio Temoteo
Ontem, o Banco Central divulgou as contas externas e o item viagens internacionais registrou despesas líquidas de US$ 970 milhões em fevereiro, uma retração de 26,7% na comparação com o mesmo mês de 2014. Os gastos de brasileiros no exterior despencaram 22,9%, de US$ 1,9 bilhão para R$ 1,4 bilhão, enquanto as despesas de turistas estrangeiros no país caíram 14,4%, de US$ 592 milhões para US$ 507 milhões. No acumulado do ano, os gastos dos turistas no exterior somam US$ 3,68 bilhões, ante US$ 4,04 bilhões nos dois primeiros meses de 2014.
Vieira destacou que viagem de turismo é o desejo de consumo número 1 dos brasileiros, mas também está em primeiro lugar na lista de cortes quando a economia vai mal. “Antes, quando o dólar subia, os turistas trocavam viagens internacionais por nacionais. Agora, estão simplesmente cancelando tudo”, lamentou. Segundo ele, só estão viajando as pessoas que adquiriram pacotes com antecedência.
Passeio adiado
A alta do dólar tem chocado os consumidores, principalmente aqueles com viagem marcada ou planejada para o exterior. No mês passado a médica Luiza Magalhães planejava embarcar com sua família para a Flórida, nos Estados Unidos, mas o revéz do câmbio fez o grupo mudar os planos e aproveitar as férias em um resort da Bahia.
Nos últimos dois anos, Luiza foi aos Estados Unidos duas vezes, onde visitou a Disney e uma amiga em Nova York. Ela conta que também aproveitou o passeio para fazer compras de produtos como roupas, maquiagens e perfumes encontrados a preços bem menores que no Brasil. “Agora já estou sentindo que alguns sites que vendem importados estão ficando mais competitivos. Quando faço compras percebo que a diferença, comparada aos Estados Unidos, diminuiu, devido ao câmbio.”
Além da viagem que acabou não acontecendo em fevereiro, Luiza planejava voltar aos Estados Unidos em junho, mas esse segundo voo também está em banho maria. “Estou acompanhando os sites de passagens internacionais e percebo que as ofertas estão crescendo muito. Acredito que com a alta do dólar muita gente está desisistindo das férias no exterior, o que pode fazer o preço do bilhete cair.” O destino da médica nas próximas férias está dependendo do comportamento do câmbio e qualquer que seja a viagem, ela garante que será decidida de última hora. “Como posso mudar a data das férias, vou observar o câmbio e as promoções.”
A arquiteta e decoradora Raquel Paiva, foi três vez aos Estados Unidos no ano passado. Em sua última viagem, em agosto, o dólar flutuava próximo a R$ 2,23, perto de 40% menos que o fechamento da moeda ontem. Raquel tem amigos que moram em Parkland, próximo a Miami, e costuma viajar para visitá-los, passear, acompanhar as novidades em materiais de construção, além de fazer compras. Recentemente ela também desenvolveu um trabalho no país e viajou para acompanhar o projeto.
Esse ano ela e o marido haviam planejado embarcar para a Flórida em junho, mas desistiram. “O dólar subiu demais e não vamos mais viajar como havíamos planejado.” Segundo ela, pode ser que a programação seja transferida para 2016. “Vamos aguardar uma estabilização do câmbio para depois decidir. Nesse patamar, tudo fica mais caro.”
Menos consumo O freio no consumo foi necessário para que o advogado Ênio Zampieri, 44, aproveitasse as férias com a família, em fevereiro, sem dores de cabeça. “Poderia ter consumido mais, se o real não estivesse tão desvalorizado”, admitiu. Ele se recorda que, na primeira viagem que fez ao exterior, em 2011, a cotação do dólar na fatura do cartão de crédito era de R$ 1,74, valor bem destoante dos R$ 3,19 da última fatura, o que representa um salto de 83,33%. Os planos para uma nova viagem ao exterior estão suspensos, mas uma possível queda na demanda pode ser um atrativo, garantiu Zampieri.
Rombo de R$ 90 bilhões em 12 meses
O déficit em transações correntes do Brasil chegou a US$ 89,9 bilhões em 12 meses fechados em fevereiro, o equivalente a 4,22% do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar de representar uma queda em relação ao fechamento de 2014, quando o rombo foi de US$ 91,3 bilhões, o comprometimento do PIB aumentou de 4,19% para 4,22%. Para os especialistas, é possível que a relação conta corrente/PIB se deteriore ainda mais, chegando a 5% este ano. Já a estimativa do BC é de fechar 2015 em 4,23%. Se confirmado, será o pior resultado desde 1999, quando foi de 4,32% do PIB.
O motivo do comprometimento maior do Produto Interno Bruto é que a produção de riquezas do país está menor em dólares por conta da desvalorização do real. “Em percentual do PIB há uma deterioração sensível”, admitiu Fernando Rocha, chefe-adjunto do Departamento Econômico do BC.
Por outro lado, a alta da moeda norte-americana dá mais competitividade às exportações brasileiras porque torna os produtos nacionais mais baratos e atrativos no exterior. Esse movimento fez o Banco Central (BC) revisar a perspectiva para as transações correntes este ano. “Em dezembro, nossa projeção era de deficit de US$ 83,5 bilhões e reduzimos para US$ 80,5 bilhões”, explicou Rocha.
A autoridade monetária também revisou o déficit de US$ 6 bilhões da balança comercial para um superávit de US$ 4 bilhões no fechamento de 2015, apostando na queda das importações e aumento das exportações em função da desvalorização cambial. Contudo, há uma demora para que a resposta da alta do dólar seja sentida na balança comercial, ressaltou o professor da PUC-SP e consultor Antonio Corrêa de Lacerda. “Isso envolve decisões como substituir importações por produção doméstica. Do lado das exportações, o comércio mundial ainda está fraco”, avaliou o consultor.
No mês, as transações do Brasil com o exterior ficaram negativas em US$ 6,9 bilhões, influenciado por elevado saldo negativo na balança comercial e crescente gasto no exterior com aluguel de equipamentos. Apesar de estar em patamar elevado, o déficit foi menor que o registrado em fevereiro do ano passado, quando as contas ficaram negativas em US$ 7,4 bilhões. (SK)
Efeito no câmbio
Em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, assegurou ontem que a instituição está confortável com a posição de estoque de swap em relação às reservas internacionais. Contrariando avaliações que circulam no mercado, o presidente do BC disse que pode manter os níveis atuais (de ingtervenção no câmbio) por um período de 10, 20 anos. “Do ponto de vista do BC, nós estamos confortáveis com essa posição. Nós podemos mantê-la 10, 20 anos nesses níveis”, afirmou Tombini. Ele previu, ainda que, a partir de abril, a inflação mensal estará em patamar “bem inferior” ao observado no primeiro trimestre.
O mercado financeiro não viu clareza no discurso do presidente do Banco Central sobre o programa de swaps cambias. Resultado: um dia de bastante vaivém na cotação do dólar frente ao real. No fim do pregão, com os investidores ainda digerindo os sinais dados pela autoridade monetária brasileira, a moeda norte-americana registrou a terceira queda seguida, a R$ 3,125, um recuo de 0,57% em relação à segunda-feira.
Ajustes O gerente de câmbio da Icap, Italo Abucater, acrescentou que a queda na cotação da divisa norte-americana esta semana representa ajustes de posições dos agentes de mercado, não significando uma tendência. No entender do economista, a moeda continuará a encarecer nos próximos meses, sobretudo quando o Federal Reserve (FED) — o banco central dos Estados Unidos — definir a alta das taxas de juros. “Já tivemos 15% de alta este ano e o movimento não deve ser interrompido”, sublinhou.