Tamanho desespero o fez cogitar o corte da mensalidade do curso de pedagogia da filha, que custa R$ 600. “Voltei atrás dessa decisão porque quero um futuro melhor para ela. Mas não vou ter outra opção. Terei que reduzir despesas em outros serviços”, explicou. A solução, prevê, será a eliminação de gastos com telefonia fixa e internet. Além disso, vai procurar um emprego informal para compor renda. “Minha mulher está desempregada e, nessas condições, não teremos dinheiro nem para honrar os compromissos de água e luz. Vou tentar algum bico para tirar um extra ao fim do mês”, disse Gildásio, que se desdobrará para colocar comida à mesa com o vale alimentação, de R$ 900.
Ele convivia com R$ 220, mas, para cobrir o rombo do fundo de previdência, ele terá descontado no salário R$ 215 para contribuir com o plano BD Saldado, um dos planos do Postalis. Criado em 1981, o plano foi fechado em 2005 para a entrada de novos participantes, e saldado compulsoriamente três anos depois. Os mais de 71 mil trabalhadores terão de pagar até 24,28% sobre o valor dos benefícios dos participantes ativos do plano deficitário. O outro plano, PostalPrev, foi instituído em 2008, mas não teve alteração nos valores de contribuições.
Clima de revolta
Insatisfeito com a situação, o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Correios, Telégrafos e Similares do Estado de Minas Gerais (Sintect) reuniu 5 mil cartas de trabalhadores dos Correios no estado contrários à decisão da estatal de fazer o desconto do adicional para cobrir o rombo do Postalis no contracheque durante 15 anos e meio.
O Sintect é uma das entidades em Minas que representa 9 mil dos 17 mil trabalhadores dos Correios no estado. Segundo a entidade, a revolta é muito grande entre os funcionários e é por meio de uma batalha judicial, de cunho nacional, que os trabalhadores tentam evitar que o desconto ocorra. “Desde 2008, quando houve um rombo de R$ 3,9 bilhões, também cometido por conselheiros, os funcionários pagam um percentual de 3, 98% descontado em constracheque para cobrir o dinheiro aplicado de forma errônea”, comenta a diretora da Sintect, Irani Fernandes Leandro.
Há 12 anos como carteira dos Correios, ganhando salário de R$ 1.350, Irani conta que assim que passou no concurso dos Correios lhe foi apresentado o fundo de pensão. “Quando você entra, já lhe é apresentado esse fundo, que é uma aposentadoria privada. Porém, os conselheiros, que são indicados, muitas vezes, por partidos políticos, não são técnicos, e acabam fazendo investimentos errados, o que causou o rombo em 2008 e também agora”, comenta.
Ela conta que, por causa do déficit de 2008, desembolsa R$ 26 por mês para “cobrir” o estrago e outros funcionários fazem o mesmo. O percentual é diferente para cada um, porque o desconto é sobre o benefício de cada trabalhador no fundo de pensão. Para mim, somando o rombo do passado, mais a minha contribuição mensal atual e esse novo percentual de 24,28%, teria que pagar R$ 270 por mês”, explica.
Recusa
Para a carteira A.M.S, que há 15 anos está nos Correios, e prefere não se identificar, o clima é de revolta nas agências da estatal em Belo Horizonte. Ela diz que não vai aceitar qualquer percentual sobre o seu salário. “Já estamos com alta nos preços em todo o país, a taxa de entrega está mais cara, tudo encareceu, não temos aumento salarial e ainda vou arcar com o o erro dos outros? Não vamos aceitar”, afirmou.
Os Correios ressaltam que os empregados terão, em média, um percentual de desconto nos salários de 3,88%. No entanto, do funcionário com o menor salário ao maior, todos serão atingidos. O carteiro Luís Roberto Neto, 46, está com dívidas no cartão de crédito e, além da contribuição mensal de R$ 170 com o PostalPrev, deve desembolsar mais R$ 80 com o BD saldado. “O valor pode ser pequeno agora, mas é um dinheiro que eu contava para economizar e saldar os débitos”, afirmou.
Os valores a serem descontados podem aumentar. Durante 15 anos e meio, o déficit será reavaliado anualmente a partir do retorno dos investimentos e da expectativa de vida dos participantes.
Federação acusa má gestão
O secretário geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (Fentect), José Rodrigues dos Santos Neto, afirma que o rombo é resultado de má administração. “Parte dos recursos foram feitos em investimentos suspeitos e pouco rentáveis, que não deram retorno”, reclamou. Entre os investimentos, destacam-se aplicações em notas relacionadas à dívida externa da Venezuela, à compra de títulos públicos da Argentina, em empresas de Eike Batista e em bancos liquidados, como o Cruzeiro do Sul e o Banco BVA.
Funcionários dos Correios e a própria estatal já faziam contribuições extras ao plano desde 2013, para cobrir um déficit de R$ 1 bilhão dos dois anos anteriores. No entanto, a correção nesse período foi inferior, de 3,94%. Pela lei de previdência complementar, os fundos de pensão são obrigados a promover essa medida, garante os Correios. Como patrocinadora do fundo, a estatal destacou que também irá aportar mensalmente uma quantia extraordinária para o plano deficitário, igual à paga pelos participantes ativos ou assistidos.
Os Correios ressaltam que o fato do plano estar saldado não significa que ele não possa dar déficit ou superávit. “Na data do saldamento, os recursos existentes eram suficientes para garantir os benefícios calculados, considerando sua rentabilização de no mínimo a meta atuarial (na época 6%) e as hipóteses atuariais do plano”, explicou.
Justificativa
Segundo a estatal, os R$ 5,6 bilhões de déficit do BD saldado tem origem, em grande parte, em resultados negativos dos últimos três anos, resultados de investimentos feitos até 2012. “As regras do setor determinam que, se o plano apresentar déficit por três anos consecutivos, ou, se ele for maior do que 10% do patrimônio, ele precisa ser equacionado paritariamente entre participantes e patrocinadora”, acrescentou.
O Postalis informou que papéis da Argentina e da Venezuela “integravam um fundo de investimento cujo regulamento previa a aplicação de pelo menos 80% do valor investido em títulos da dívida pública externa brasileira. Os aportes foram feitos entre 2005 e 2008”, justificou. Em 2011, esses títulos foram trocados por outros à revelia do instituto e contra o regulamento do fundo. Para recuperar os investimentos, o fundo “tem ação em curso na Justiça contra o gestor Fabrizio Neves e o administrador do fundo, BNY Mellon, inclusive com decisões a seu favor”, comunicou.
“Não é justo termos que dar um percentual para cobrir um rombo feito por conselheiros que não foram indicados por nós. Daqui a três meses vai ter outro rombo novamente e vamos ter que pagar de novo? O certo é o Correios deixar de repassar o lucro que tem para o governo federal para cobrir esse déficit”, defende Irani Fernandes Leandro, diretora do Sindicato dos Trabalhadores nas Emresas de Correios, Telégrafos e Similares do Estado de Minas Gerais (Sintect). (RC e LE)