O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Universidade Federal de Uberlândia (UFU) que permita aos candidatos que participarem dos concursos públicos o acesso à informações e documentos produzidos pelos demais concorrentes, tais como folhas de resposta das provas discursivas, gravações das provas orais e documentação comprobatória de títulos dos aprovados.
De acordo com a recomendação, concursos públicos são eventos de natureza administrativa e devem receber o mesmo tratamento conferido aos demais atos praticados pela Administração Pública no que diz respeito à obrigação constitucional da publicidade, reforçada há cerca de três anos pela Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), que estabeleceu a publicidade como regra e o sigilo como exceção.
“Na verdade, quando determinada pessoa formula requerimento para ter acesso às provas dos candidatos que concorrem com ela a uma vaga oferecida pela universidade, está exercendo um direito amplamente assegurado pela legislação brasileira, que garante ao indivíduo receber dos órgãos públicos as informações necessárias à defesa de seus direitos ou ao esclarecimento de situações de interesse pessoal”, explica o procurador da República Leonardo Andrade Macedo, autor da recomendação.
Normalmente, um candidato pede vista das provas dos concorrentes para cotejá-las com as suas, o que acaba constituindo uma espécie de controle administrativo e social dos atos da banca examinadora. Em provas discursivas e orais, por exemplo, a comparação das respostas dos candidatos é método importante na própria atribuição das notas. Por outro lado, nas provas de títulos, o acesso público permite a verificação, por critérios objetivos, da pontuação concedida a determinado candidato, afastando-se eventuais irregularidades.
“Ou seja, é direito do cidadão obter tais informações e dever do órgão público prestá-las, porque, como o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu, concurso público, como o nome indica, exige a mais ampla e irrestrita transparência e publicidade, e quem nega acesso a informações pertinentes a concurso público mutila a própria essência do instituto. Além disso, a divulgação de informações de interesse público, independente mesmo de solicitações, visa, em primeiro lugar, possibilitar o controle social dos atos da administração pública”, afirma Leonardo Macedo.
Sigilo
A Universidade Federal de Uberlândia vem negando os requerimentos feitos por candidatos de vista das provas realizadas pelos concorrentes, sob o argumento de que tais documentos constituiriam “informação de caráter pessoal de cada candidato”. O MPF contesta tal entendimento e afirma que “exames, provas e quaisquer outros documentos e informações produzidos no curso de um processo seletivo de natureza pública para provimento de cargos e funções públicas ou acesso ao ensino público não estão compreendidos no âmbito de proteção do direito à privacidade, ressalvadas apenas as informações estritamente cadastrais, como endereços, telefones e documentos pessoais”.
Ainda segundo o Ministério Público Federal, a Lei de Acesso à Informação define informação sigilosa como “aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado (artigo 4º, III)”, o que de forma alguma guarda relação com o resultado de provas em concursos públicos.
Por sinal, o próprio STF já limitou o sentido de privacidade concedido a determinadas informações no âmbito do serviço público, ao julgar mandados de segurança interpostos contra a Lei de Acesso à Informação, que obrigou a divulgação das remunerações recebidas por servidores públicos nos portais da Transparência.
Em um dos casos, o ministro Luiz Fux afirmou que “o cidadão que decide ingressar no serviço público adere ao regime jurídico próprio da Administração Púbica, que prevê a publicidade de todas as informações de interesse da coletividade”. Em outro julgamento, o Ministro Ayres Britto disse que “para além da simples publicidade do agir de toda a Administração Pública, [o acesso à informação pública] propicia o controle da atividade estatal até mesmo pelos cidadãos”.
Para o MPF, fica claro, assim, que não existe nenhuma expectativa de sigilo por parte dos candidatos quanto aos documentos e informações produzidas no curso de uma seleção pública, pois ao aderir às regras do edital, o cidadão concorda com seus termos, especialmente aquele que prevê a possibilidade de apresentação de recursos. Foi dado prazo de 30 dias para que a UFU informe se irá acatar a recomendação.
O MPF advertiu que eventual descumprimento poderá acarretar futura responsabilização do reitor da universidade por ato de improbidade administrativa, já que, ao receber a recomendação, ele se torna ciente da ilicitude das práticas adotadas até o momento.