Brasília, 30 - O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) terá que cancelar uma licitação feita em 2014 para vender de um terreno de 9 mil metros quadrados que detém em uma área nobre de Brasília por conta de uma série de irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no processo de concorrência pública e de suspeitas de favorecimento do ganhador da licitação. O cancelamento evitará um prejuízo de R$ 150 milhões aos cofres públicos.
A determinação de invalidação imediata da licitação pelo TCU ocorreu depois da análise de detalhes do caso e de ouvir todos os argumentos apresentados pelo BNDES e a vencedora da licitação, a Brazil Pharma, dona da rede Drogaria Rosário. Ambos tentaram comprovar a lisura do caso, sem sucesso.
A polêmica licitação foi realizada em 15 de abril de 2014, às vésperas de um feriado. O preço mínimo do terreno foi fixado pelo BNDES em R$ 45,9 milhões. Com um lance de R$ 51,561 milhões, a empresa AJS Empreendimentos e Participações venceu o leilão. Outras duas candidatas haviam formulado propostas, respectivamente, de R$ 51 milhões e R$ 48 milhões.
Ao analisar a licitação, o TCU passou a colecionar evidências de irregularidades no processo, a começar pelo laudo que o BNDES utilizou para estimar o preço do terreno. Seis meses antes do pregão, o banco contratou uma empresa em São Paulo, a S4AHilco, e pagou apenas R$ 2.420 para elaborar o laudo de avaliação do imóvel. O contrato foi feito com dispensa de licitação.
Depois de fazer seu levantamento, a empresa paulista concluiu que o terreno tinha preço inicial de R$ 107,4 milhões. Ocorre que ela decidiu aplicar um deságio no preço, por conta de "liquidação forçada". Ou seja, simulando a venda em tempo inferior ao observado normalmente no mercado de imóveis. Foi o que bastou para o preço despencar para o que constou no edital: R$ 45,9 milhões.
Paralelamente, o BNDES tratou de exigir que o pagamento pelo vencedor fosse feito à vista, quando a prática comum em casos como esse é o parcelamento ou financiamento bancário, já que isso também significa pagamento à vista para o vendedor do imóvel.
Intrigado, o TCU pediu à área técnica do Banco do Brasil um laudo para avaliar o imóvel . Depois de usar dados de mercado, o BB concluiu que, na realidade, o terreno deveria ser avaliado em nada menos que R$ 195 milhões. Para o tribunal, as estimativas feitas pelo laudo do BNDES consideraram "tão somente `opinião dos corretores', sem qualquer fundamentação técnica ou evidência mínima das consultas", aponta o relatório de auditoria.
Média
O banco público tentou argumentar que já tinha feito várias tentativas para vender o imóvel, mas não encontrou comprador. O mesmo argumento foi mencionado pela defesa da Brazil Pharma, que alegou que o preço proposto pelo BNDES estava dentro da média do mercado. O TCU, no entanto, lembrou que a última tentativa de venda do bem ocorreu há 15 anos. "O argumento de que já foram esgotadas as tentativas de venda do imóvel não procede", declarou o ministro relator Augusto Sherman Cavalcanti. "Seja pelo próprio BNDES, como também pelas avaliações e pela unidade técnica, se trata de imóvel com características únicas na área central de Brasília, possuindo alta liquidez."
O TCU também atestou que havia grau de parentesco entre as pessoas que participaram do processo. O engenheiro responsável por produzir o laudo de avaliação do imóvel pela S4AHilco, Ricardo Caiuby Salles, conforme aponta o relatório do tribunal, é irmão de Cristina Caiuby Salles, diretora da Brazil Pharma. As empresas negaram qualquer tipo de irregularidade nas operações. O TCU decidiu encaminhar os desdobramentos dessa parte da investigação para o Ministério Público Federal.
"Restou constatado que o BNDES, por meio de uma dispensa de licitação, contratou empresa de engenharia para realizar a avaliação de imóvel, por valor muito abaixo do valor estabelecido pelo conselho de fiscalização profissional", disse Cavalcanti. "A partir da avaliação imprecisa do imóvel, o BNDES, aceitou um valor bem abaixo do preço de mercado, que, com a aplicação irregular de taxa de liquidação forçada, reduziu o preço em mais 57%, cujo valor final ficou abaixo de 25% do preço praticado pelo mercado."
Apesar de garantir que não houve irregularidade na licitação, o vice-presidente do BNDES, Wagner Bittencourt de Oliveira, esteve pessoalmente no TCU, na última quarta-feira, para informar o tribunal de que a diretoria do banco decidiu revogar a concorrência e que vai seguir as orientações do tribunal em uma futura licitação do imóvel. A corte de contas determinou que, em vez de revogação, a concorrência tem que ser mesmo é anulada, por ser "a anulação a hipótese jurídica adequada quando da ocorrência de irregularidades".