As famílias brasileiras puxaram o freio de mão no consumo e a economia do país encolheu 0,2% no primeiro trimestre de 2015 na comparação com o quarto trimestre do ano passado. Pressionado por uma grave crise de confiança, o Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todas as riquezas do país, recuou 1,6% na comparação com o mesmo período do ano passado e, em 12 meses fechados em abril, caiu 0,9%. Para os especialistas, apesar dos dados ruins, o pior ainda está por vir. Como a retração de 0,2% no início do ano foi menor do que a esperada pelo mercado, o tombo maior vai sobrar para o segundo trimestre.
Com exceção da agropecuária, todos os outros setores da economia registraram desempenho negativo em todas as comparações (veja quadro ao lado). Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em valores correntes, o PIB brasileiro ficou em R$ 1,408 trilhão no início deste ano. Com a queda, o Brasil ficou à frente apenas das economias da Rússia e da Ucrânia, que amargaram retração de 1,9% e 17,6%, respectivamente, no ranking elaborado pela Austin Rating e que mostra os resultados do primeiro trimestre de 2015 de 33 países.
O mercado de trabalho em retração, a desaceleração da massa salarial e a inflação em alta fizeram os consumidores fecharem a carteira e o consumo dos brasileiros recuou 1,5% em relação ao último trimestre de 2014. Na comparação com o primeiro trimestre de 2014, a queda foi de 0,9%, o que não ocorria há 12 anos. De acordo com a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca de La Roque Paris, a taxa de juros mais alta e a restrição ao crédito também influenciaram a redução no consumo das famílias.
Na avaliação do economista-chefe da Opus Investimento, José Márcio Camargo, a queda de 0,2% do trimestre foi menor do que a esperada. O mercado apostava em recuo de até 0,9% na comparação com o quarto trimestre de 2014. “Também foi muito concentrada no consumo das famílias, que era um fator que vinha resistindo antes e que tem um peso muito grande, mais de 60% da economia. O que é mais grave é que a tendência é isso piorar no segundo trimestre porque não há reação nenhuma”, destacou.
Do primeiro trimestre de 2015 em relação a igual período do ano passado, apenas três segmentos econômicos tiveram crescimento, mas, segundo Rebeca, do IBGE, eles representam apenas 25% da produção de riquezas do país, o que significa dizer que três quartos da economia brasileira encolheram de um ano para o outro.
Pelo lado da produção, os Serviços, que representam 71% da economia, tiveram o maior impacto na queda do PIB. O setor não resistiu à crise econômica e recuou 0,7% nos três primeiros meses do ano na comparação o quarto trimestre do ano passado e 1,2% em relação a igual período de 2014. Os segmentos dos serviços que determinaram o recuo, de acordo com Rebeca, do IBGE, foram comércio e transporte, armazenagem e correio.
Para o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes, o comércio não tinha um desempenho tão ruim, de 6% de retração, desde 2003, o mesmo período da maior queda do consumo das famílias. “O resultado do PIB está alinhado com a redução das vendas do varejo, que foram de 5,3% no primeiro trimestre de 2015, na comparação com igual período de 2014”, destacou.
MÁ NOTÍCIA
A surpresa ruim dos dados do PIB ficou por conta dos investimentos, que desabaram muito acima da expectativa do mercado. O tombo na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) foi de 7,8% no primeiro trimestre sobre igual período de 2014 e de 6,9% no acumulado em 12 meses. O recuo é reflexo da recessão da indústria, que teve retração pelo quarto trimestre seguido. Nos três primeiros meses de 2015, caiu 0,3% sobre o último do ano passado e recuou 3% ante igual período do ano passado, sobretudo por conta do desempenho negativo do segmento de transformação. “O desempenho foi puxado por eletricidade e transformação. O maior peso da indústria, 47% , é transformação, que teve queda de 7%, com piores desempenhos do segmento automotivo e de máquinas e equipamentos, que são os que mais investem”, explicou Rebeca, do IBGE.
O desempenho do PIB sofreu os efeitos de abastecimento de energia e água. Na comparação do primeiro trimestre de 2015 com o último de 2014, a maior queda, de 4,3%, foi no item distribuição de eletricidade, gás e água. “O maior uso de térmicas, a queda na produção industrial, com menor consumo de energia, e o racionamento de água por causa da seca justificam os dados”, disse a coordenadora do IBGE.
O ajuste fiscal também apareceu nos resultados apurados pelo instituto. O governo regulou mais os gastos e o setor registrou queda de 1,3% sobre o quarto trimestre de 2014 e 1,5% ante o primeiro trimestre de 2014. Em 12 meses, a retração é de 0,2%. A queda de 1,5% é a maior desde o quatro trimestre de 2000, quando foi de 2,8%. De acordo com Rebeca, do IBGE, isso já é efeito do ajuste fiscal. “O gasto corrente do governo é com pessoal, não considera investimento, portanto os governos, nas três esferas, estão contratando menos”, disse.
Com a demanda interna toda em retração, o setor externo conseguiu dar uma contribuição positiva, com as exportações crescendo 5,7%, mais que as importações, que subiram 1,2%. O movimento, claro, é resultado do câmbio. Mas as importações também sofreram com a queda na demanda pela fraca atividade econômica.