Com o medo do desemprego batendo à porta, as empresas diminuindo custos e reduzindo seus quadros, o velho sonho de estabilidade volta a povoar o imaginário do trabalhador: “Eu deveria ter feito um concurso”. É neste momento, em que a economia brasileira sofre uma retração, com 8 milhões de desempregados no país, que o velho e bom caminho rumo ao funcionalismo volta a ser visto como salvação por quem não quer mais noites de insônia. O impacto disso já aumenta o caixa dos cursinhos preparatórios, que registram 40% mais demanda por aulas desde o início do ano. Para acompanhar a alta na procura, alguns estabelecimentos chegaram a aumentar a grade de cursos e aprenderam a enxergar a crise como um bom negócio.
Embora o ano tenha começado com movimento fraco, especialmente em janeiro a retração da economia avançando a cada mês e o desemprego vitimizando muitas famílias fez com que março virasse mesa para os cursinhos. Além da divulgação de editais – como o do condurso do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que oferece salários de R$ 5.425,79 a R$ 10.485, 62 –, a insegurança em relação a empregos em empresas privadas contribuiu para a corrida às salas de aula. “Quando há um cenário econômico desfavorável, um momento de recessão, a estabilidade profissional chama o aluno. Sempre que há um aumento no desemprego a demanda por cursos para concursos aumenta”, afirma o diretor-geral do Meritus, Gustavo Nascimento Campos.
Gustavo conta que, ao comparar com o mês anterior, a procura pelas aulas no Meritus cresceu cerca de 40% em março. “Estamos, neste momento, entrando na contramão da realidade brasileira. Enquanto muitos estão deixando de ganhar dinheiro, os alunos estão enchendo as salas de aula”, comemora Gustavo. Os cursos no Meritus, dependendo da carga horária, variam de R$ 150 a R$ 4 mil mensais. “Nesse período em que há uma crise mundial, desemprego, a procura pelos cursinhos, é claro, se intensifica. Percebemos que, nas salas de aula, os alunos estão vindo de cursos de graduação como engenharia, psicologia e desapontados com o mercado de trabalho. Há formados em odontologia que também não est ão conseguindo alavancar a carreira. A maioria é de jovens e mulheres, mas há também os maiores de 40 anos”, comenta o professor de Regimento Interno dos tribunais e Poder Judiciário do Meritus, Ronaldo Lemos Botrel.
Um outro perfil muito comum é o de iniciante em concursos, conforme comenta o coordenador pedagógico do Mega Concursos, Marcelo Cury. “A demanda por aulas no Mega praticamente dobrou em relação ao ano passado. E a gente tem percebido que tem havido uma busca muito grande por parte de ‘alunos de primeira viagem’ em concursos”, observa. Marcelo diz que, diante do aumento da procura, o Mega, mesmo com cinco unidades na cidade, tem enfrentado dificuldades de espaço. “Há filas para turmas a serem formadas. As pessoas têm procurado estudar para uma carreira na esfera pública porque estão temerosas em relação ao desemprego. Quem está empregado teme ser demitido a qualquer momento, e quem está sem emprego tem dificuldade de encontrar uma colocação no mercado”, analisa.
No Orvile Carneiro, conforme comenta a coordenadora Ana Karine Senra, o aumento na procura por aulas aumentou em 30% desde março. “Estamos, inclusive, sem salas para o turno da manhã. Estávamos com menos turmas até meados de março, mas, com a publicação dos editais da Polícia Militar, com cerca de 1,4 mil vagas, e do TRT, o setor aqueceu.” Segundo ela, com a retração na economia e a crise de confiança, a maioria dos alunos que, atualmente, procura pelos cursos não quer mais ter medo de perder o emprego – sensação que tem se intensificado com o aumento do desemprego no país. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na semana passada, o número de desempregados chegou a 8 milhões no país, crescimento de 18,7%, ou 1,3 milhão de pessoas a mais do que no trimestre encerrado em janeiro. Na comparação com o mesmo período do ano passado, a alta foi de 14%, ou 985 mil pessoas desempregadas a mais.
VESTIBULAR Além da busca por concurso, a procura por qualificação também cresce em momentos de crise. Segundo Renato Ribeiro e Rogério Ribeiro, donos dos cursinhos Percurso e Determinante, a realidade do negócio é inversa à economia brasileira. “Este ano, a procura dos alunos aumentou em 50%, todas as nossas turmas estão lotadas. A economia retraída faz com que os pais desses jovens incentive-os a estudar e buscar uma vaga nas universidades públicas. No final do ano passado, por exemplo, tínhamos uma fila de espera de mais de 100 pessoas”, comenta Rogério. Segundo ele, o problema, agora, é arranjar espaço para tantos estudantes. “O nosso cusinho é de baixo custo, e varia de R$ 199 (não presencial) a R$ 1,2 mil (presencial) mensais”, explica Rogério.
Mesmo que o tempo e a distância digam não
Com as salas lotadas e de olho no comportamento dos alunos, muitos são os cursinhos em Belo Horizonte que apostam suas fichas nos cursos on-line, não presenciais. São aulas gravadas por professores já consagrados, que são vendidas aos interessados. Como podem ser oferecidas a um número ilimitado de alunos, sem que seja necessário oferecer espaço físico ou adequação de horário às turmas e tornam-se extremamente vantajosas para as empresas, para os alunos e, claro, para os professores. O curso Determinante, por exemplo, surgiu neste ano em função da alta demanda pelas aulas preparatórias para o vestibular. “A versão on-line de aulas não tem número limitado de alunos. Ele pode assistir quantas vezes quiser, seja no computador, tablet ou smartphone, onde estiver. Ou seja, ele não tem desculpa para não estudar”, diz Rogério Ribeiro, um dos donos do Determinante.
Em concursos, a professora de língua portuguesa, redação e comunicação Rafaela Lôbo é uma das pioneiras das aulas on-line na capital. Ela conta que está no ramo desde 2007 e diz que, nessa área, tanto o aluno, quanto o professor ganham tempo. “O aluno na web é prático e, muitas vezes, opta pela aula não presencial por falta de tempo”, destaca Rafaela. Para ela, como negócio, a aula on-line compensa para o professor. “Geralmente, o profissional recebe por hora gravada o mesmo valor da hora em uma aula presencial, cerca de R$ 140”, diz. O interessante, no mercado on-line das aulas, segundo Rafaela, é que o professor recebe uma porcentagem sobre as vendas das aulas. “Cerca de 5% a 10%. Muitos professores dizem que não têm como ter controle dessas vendas, mas é preciso haver uma relação de confiança com o cursinho”, aconselha.
Outro ganho das aulas on-line, segundo ela, é a ascensão profissional. “Com os vídeos, tenho alunos no Brasil inteiro e me tornei conhecida.” Para o aprendizado, Rafaela compara o virtual ao presencial. “Na sala de aula, os alunos se distraem, conversam ou fazem perguntas e, muitas vezes, um conteúdo que se poderia passar em cinco minutos, dura uma hora. Ou seja, as aulas podem render menos, embora a troca seja maior. Na aula on-line, não há esse ruído, o mesmo conteúdo que é passado em uma hora dentro das salas, pode ser ensinado, eventualmente, em minutos”, diz.
Segundo Nylton Andrade, supervisor de desenvolvimento e tecnologia do Meritus Online, há cinco anos, a escola é voltada para aulas on-line para concursos. “A procura pelo on-line também tem crescido, nessa época, cerca de 30%. Nossos cursos variam de R$ 350 a R$ 500, e não precisamos de uma estrutura física”, comenta. Nylton diz que a preocupação da empresa é selecionar professores renomados para as aulas. “Temos um estúdio próprio. Além disso, usamos material de divulgação no canal de Youtube e, para se ter uma ideia, já temos, nesse canal, cerca de 20 milhões de aulas assistidas. É um bom negócio e a tendência é se valorizar cada vez mais, principalmente em tempos de retração na economia, quando muitas pessoas estão repensando seus empregos e driblando a insegurança, optando pelos concursos públicos”, diz.