Brasília – Com inflação e o atual cenário de juros altos e baixo crescimento econômico, a caderneta de poupança, apesar de ser o investimento preferido dos brasileiros, perdeu o encanto este ano. Houve expressivos saques da aplicação em 2015 e o saldo líquido caiu ao menor patamar da história. Por vários motivos. Primeiro, porque a renda dos trabalhadores caiu e não há mais sobra para investir na poupança, então, os depósitos minguaram. Segundo, porque a conjuntura recessiva, com emprego em queda e preços em alta, obrigou o brasileiro a sacar o dinheirinho guardado para pagar as contas. Mas a principal razão da debandada é que a caderneta está perdendo de lavada para a carestia. Como a rentabilidade é de 7% ao ano, em média, e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, pode chegar a 9% em 2015, essa diferença de 2 pontos percentuais significa perder quase 23% do poder de compra.
Não é à toa que, em maio, pelo quinto mês seguido, os saques superaram os depósitos em R$ 3,2 bilhões. No acumulado do ano, a captação líquida da poupança está negativa em R$ 32,2 bilhões. O que significa que houve mais retiradas do que depósitos em todos os meses. Somente em março, o saldo entre saques e depósitos foi negativo em R$ 11,4 bilhões, um recorde na série histórica do Banco Central (BC), iniciada em 1995. “Não há dúvidas de que as pessoas estão ganhando menos e está sobrando menos para poupar, mas os juros altos forçam os investidores a buscar outros investimentos”, avalia o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito.
A maioria dos especialistas, como Perfeito, acredita que a mudança de cenário se deva, sobretudo, ao aumento da taxa básica de juros, a Selic. O BC está elevando sistematicamente a Selic para conter a inflação e levá-la para o centro da meta, de 4,5%, em 2016. Em junho, a autoridade monetária promoveu a sexta alta consecutiva dos juros e elevou a taxa para 13,75% ao ano, mas, pela projeção do mercado, ela deve passar de 14% até o fim de 2015. Com isso, outros tipos de investimentos, atrelados à Selic, se tornam mais atraentes. No caso da poupança, quando a Selic está acima de 8,5% ao ano, a remuneração dos investidores fica limitada a 0,5% ao mês mais a variação da Taxa Referencial (TR), que se altera muito pouco, entre 0,5% e 1,5% ao ano, resultando em ganho de 7%, em média, anuais.
CENÁRIO MANTIDO
Para os especialistas, a expectativa é de que os saques na poupança continuarão. Além de as projeções do IPCA para 2015 terem sido revisadas para 8,9% ao ano, há um excesso de concentração, com poucos poupadores representando fatia elevada do total de recursos. De acordo com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), a concentração de valores depositados na caderneta de poupança, desde 2006, nunca foi tão grande quanto é hoje. Cerca de 85% dos recursos aplicados na poupança estão na faixa acima de R$ 10 mil, sendo que esses aportes foram feitos por um grupo de apenas 9% dos investidores. A falta de diversificação torna os saques desse pequeno grupo de grande impacto sobre o volume total de recursos.
Outro dado que reforça a tese de saques crescentes é que a desaceleração econômica chegou ao mercado de trabalho. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego atingiu em abril seu maior nível dos últimos quatro anos, de 8%, maior da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílios (PNAD). “As retiradas também estão altas, porque está faltando recursos para os brasileiros honrarem os compromissos. O mercado de trabalho piorou e o rendimento começa a registrar queda real”, destaca Perfeito, da Gradual.
Reflexo na casa própria
O grande problema de o saldo líquido da poupança estar minguando é que o impacto é direto no financiamento imobiliário. Aproximadamente 65% dos recursos investidos pelos brasileiros na caderneta são utilizados pelos bancos para empréstimo imobiliário, ou seja, vai ficar mais difícil realizar o sonho da casa própria. Isso, aliás, já começou. No início de maio, a Caixa Econômica Federal, responsável por três de cada quatro financiamentos imobiliários no Brasil, anunciou a alteração das regras para compra de imóveis usados. Antes, financiava até 80% do valor do imóvel de até R$ 750 mil, e até 70% de imóveis acima desse valor. Agora, passou a financiar no máximo 50% da habitação até R$ 750 mil, e somente 40% das unidades com valor superior a isso. Na prática, isso quer dizer que quem tinha o plano de adquirir uma casa ou apartamento de R$ 400 mil, em vez de precisar de R$ 80 mil para dar de entrada, agora precisará ter R$ 200 mil no ato.
Na avaliação do gerente de investimentos da Corretora Concórdia, Mauro Mattes, na ótica do investidor, a questão do crédito imobiliário é secundária. “O poupador tem que ter como alvo a defesa do seu poder de compra. E a poupança é um mau negócio”, defende. Para o diretor-executivo da Libratta Finanças Pessoais, Rogério Olegário, o problema é do governo, que deve criar uma alternativa. “Os bancos não vão bancar. Se há menos recursos para financiar imóvel, eles vão cobrar mais caro por isso. O mercado sinaliza que não é hora de fazer financiamento. Melhor é investir o dinheiro em uma aplicação rentável para ganhar lá na frente. Assim, a menor demanda força o mercado imobiliário a baixar preços”, assinala.
A opção do governo, lembra Mattes, foi criar a Letra Imobiliária Garantida (LIG), que já foi aprovada, mas ainda precisa ser regulamentada. “É uma medida interessante, um instrumento de funding, que deve suprir a falta de recursos da poupança”, acredita. A LIG será um título que o banco que empresta dinheiro para uma incorporadora construir imóveis vai colocar no mercado para servir de lastro. “Pode dar certo. O banco vende a letra para o investidor e com o dinheiro retroalimenta o setor imobiliário”, explica Mattes.