Se não serviu para despertar no empresariado o "espírito animal", a segunda edição do programa de concessões em infraestrutura lançada na semana passada pela presidente Dilma Rousseff foi recebida, no setor privado, como um bom ponto de partida.
Ao contrário da rodada anterior, o governo se mostra disposto a negociar e garantir um "preço justo" aos concessionários, o que demonstra uma dose maior de pragmatismo do que o visto na rodada anterior. Falta, porém, criar as condições para tirar os projetos do papel. As dúvidas são muitas, a começar pelas condições de financiamento, dos mecanismos de garantia e a rentabilidade dos projetos.
"Vamos sentar e conversar", disse ao Estado o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que coordena os programas de investimento do governo. "Consideramos que todos os projetos são atraentes e que há demanda para eles." Não há dúvida, por exemplo, no interesse privado em portos. "Temos demanda e interessados", assegurou o ministro-chefe da Secretaria de Portos, Edinho Araújo.
Ainda assim, ele reconhece o peso do cenário econômico. "Vivemos um novo momento, de ajuste, e a expectativa é de que o setor privado possa investir." Responsável por boa parte dos leilões bem-sucedidos da etapa anterior do Programa de Investimentos em Logística (PIL), o ex-ministro dos Transportes César Borges reconhece que há muito a responder. "Tudo começa agora", disse. "O que vai dizer se as concessões são ou não viáveis são os projetos."
Eles responderão a perguntas básicas como: qual o investimento necessário, qual a receita potencial daquele empreendimento e qual a rentabilidade possível. Em suma, quais as tarifas necessárias para tornar o negócio bom.
Alguns estudos, porém, ainda nem começaram a ser elaborados. No caso dos aeroportos, a expectativa é que sejam concluídos em 90 dias. Nas novas rodovias, 180 dias. Até lá, as dúvidas permanecerão.
"Os desafios são imensos", disse o vice-presidente executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Ralph Lima Terra. Ele considera que os pontos mais difíceis de superar serão o financiamento e a oferta de garantias. Não só porque o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai reduzir seu apoio ao programa e cobrar mais pelos empréstimos, mas também pela situação macroeconômica do País. Ela pode encarecer até a obtenção de crédito externo, que é o grande trunfo do governo nessa nova rodada.
O executivo aposta na dupla formada por Barbosa e pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para superar essas dificuldades. A mesma impressão tem o presidente da seção latino-americana da União Internacional de Rodovias (UIC), Guilherme Quintella.
Ele considera positivo o fato de os dois estarem no lançamento do programa, o que indica um compromisso do mais alto escalão do governo. "É um começo para a melhora do investimento", comentou o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan.
Mais realista
A dupla garante um governo mais realista e sensível às opiniões do mercado. Muitas das propostas apresentadas pelo setor privado já foram acolhidas. Por exemplo, a fixação da chamada Taxa Interna de Retorno (TIR) será mais alinhada com o mercado. O governo também concordou em escolher concessionários de portos e ferrovias pela maior taxa de outorga paga por eles, conforme pedido pelas empresas. Além disso, haverá menor participação da Infraero nas novas concessões de aeroportos.
A insistência em fixar uma TIR muito abaixo do que o mercado queria atrasou a primeira edição do programa de concessões em quase um ano. O governo só desistiu dessa postura após as grandes construtoras brasileiras, principais candidatas às concessões, avisarem que não participariam dos leilões.
Agora, a promessa é dar uma "remuneração compatível com custos e riscos de construção". Prova disso é que a TIR dos quatro lotes de rodovias cujos estudos técnicos já foram concluídos está sendo recalculada para níveis mais "adequados", segundo informou Barbosa. Nos demais empreendimentos, a TIR ainda será fixada. Tal como na primeira rodada, os cálculos serão feitos pela Secretaria do Tesouro Nacional, que por sua vez consultará os ministérios de cada setor.