Os serviços de locação de bicicletas compartilhadas fazem parte do dia a dia de quem vive em Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Não se discute a importância desses projetos nas grandes cidades para o meio ambiente e como alternativa diante dos problemas de mobilidade em ruas lotadas de carros e com trânsito caótico. O consumidor que optar pelo serviço, no entanto, deve ficar atento às cláusulas dos contratos. Levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em parceria com o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) Brasil, indica condições desfavoráveis e até abusivas para os clientes do negócio.
O estudo do Idec analisou os termos de uso dos serviços do sistema patrocinado pelo Itaú Unibanco em parceria com a empresa Serttel – Bike BH, Bike Brasília, Bike Rio e BikeSampa – e ainda o CicloSampa, disponível apenas da capital paulista e patrocinado pelo Bradesco Seguros. A análise levou em conta o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e outras normas relacionadas. O objetivo foi verificar a clareza e a objetividade dos contratos, além do cumprimento dos direitos dos usuários. Foram avaliadas também as informações como valores cobrados, período de utilização, prazo de devolução, número de estações, entre outros aspectos.
A regra que mais merece atenção do consumidor, de acordo com o Idec, é a que trata do extravio da bicicleta. Todos os contratos preveem multa de mais de R$ 1 mil se o consumidor não devolver o equipamento, inclusive em caso de roubo ou furto, mesmo com apresentação de boletim de ocorrência. Só os serviços patrocinados pelo Itaú reduzem a penalidade nesses casos. Com base nos contratos dos prestadores do serviço, o cliente pode, ainda, ser acionado judicialmente e ter de pagar outros encargos, o que seria uma dupla pena.
De acordo com a advogada do Idec Livia Cattaruzzi, essa regra põe o cliente em desvantagem excessiva, condição vedada pelo CDC. “A empresa transfere todo o risco do negócio ao consumidor com taxas abusivas. O contrato que atende o serviço Bike BH determina taxa por não devolução do equipamento de R$ 350 inclusive em caso de roubo antes mesmo de o consumidor apresentar o boletim de ocorrência à empresa, e ainda mais R$ 1 mil caso ele não devolva a bicicleta”, afirma. A indenização é considerada dupla, o que torna essa cláusula nula, com base no CDC.
•Responsabilidade solidária
Livia observa que as taxas podem ser facilmente contestadas judicialmente pelo cliente do serviço. Outro ponto destacado pelo Idec nos contratos é que as empresas não se responsabilizam por acidentes de quaisquer tipos, ainda que causados por falha de manutenção nos equipamentos. Essa atitude fere o artigo 7º, parágrafo único, do CDC, que trata da responsabilidade solidária. Se as empresas dos sistemas de compartilhamento de bicicletas contratam outras, ambas devem se responsabilizar por possíveis problemas ou danos gerados ao usuário do equipamento que não estiver em boas condições de uso.
Nos contratos dos serviços patrocinados pelo Itaú, os dados pessoais dos usuários cadastrados não têm garantia de privacidade, uma vez que não são especificados os usos que a empresa pode fazer deles, segundo o Idec. Há mais um vício, para o Idec, tendo em vista que as cláusulas podem ser modificadas unilateralmente pela empresa, rescindindo o contrato ou alterando valores, por exemplo.
Em nota, o banco, em parceria com a Serttel, informou que a bicicleta tem valor comercial e que, por isso, é previsto o débito, caso o usuário não faça a devolução e não apresente um boletim de ocorrência. “Ressaltamos, porém, que, até o momento, nenhum valor foi cobrado dos usuários. Para oficializar esta condição, o contrato será modificado a fim de não cobrar nenhum valor, sob apresentação do B.O.”
Em relaçãoà questão da responsabilidade por acidentes, os parceiros explicaram que, “ao se registrar no sistema de compartilhamento de bicicleta, o usuário está coberto por um seguro contra acidentes provocados por eventuais falhas de sistema”. Quanto à privacidade dos dados, o banco e a empresa dizem que “os dados estão guardados sob requisitos de segurança especificados para esse tipo de informação”. O banco contesta a suposição de modificação unilateral dos contratos, afirmando que eles são regidos pelas cláusulas contratuais que assina com as prefeituras.
Desconhecimento
Os usuários nem sempre leem as regras do contrato, o que leva a surpresas. A fisioterapeuta Tatiana Gobbi, de 33 anos, usa bicicletas desde que o serviço foi implantado em BH. “Uso para ir de um emprego para o outro todos os dias. Tive problema uma única vez, quando devolvi a bike e não foi constatado que devolvi”, afirma. Ela conta que fez a devida reclamação sobre o erro e duas semanas depois o serviço foi liberado. Tatiana disse que não leu os termos do contrato do Bike BH ao se cadastrar, desconhecendo a multa por extravio, que, agora, considera abusiva, diante das altas taxas de assaltos e roubos nas grandes cidades.
Adepto do serviço desde o início do ano em BH, o videomaker Leo Lima, de 27, também desconhecia todo o conteúdo do contrato. “Gasto menos tempo indo de bicicleta para tudo que preciso fazer na cidade do que se fosse esperar um ônibus e fazer o trajeto dependendo dele. O aplicativo para o aluguel das bikes é bem útil também. Contudo, já peguei muitas bicicletas em más condições, com freio ruim e pneu vazio”, afirma. Ele teve problemas, ainda, no registro da entrega do equipamento.
A mineira e estudante de direito, Joyce Gonçalves Coutinho, usou o sistema de bicicletas compartilhadas apenas no Rio de Janeiro e gosta do serviço em razão de sua praticidade e baixo custo. “Nunca li o regulamento do serviço, mas a multa é abusiva pois, o valor cobrado pela não devolução muito alto se comparado ao valor da bicicleta cedida. Considero ainda a privacidade dos dados importante pois, dados de cartão de crédito são mencionados para a ativação do serviço. A preservação deste tipo de informação é indispensável para que os dados do usuário não sejam usados para outros fins”, reclama.
O que diz o código
•Art. 7º
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
•Art. 14º
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.