Para vencer o desânimo do consumidor de ir às compras, e sem ter pela frente grandes datas que esquentam as vendas, uma das estratégias do varejo tem sido alongar as parcelas para fazer a prestação parecer menor, e ocupar menos espaço no bolso das famílias. As promoções adiantadas também estão na linha de frente para combater um semestre frio para o comércio. As vendas do varejo em abril, caíram 0,4% frente a março. É a terceira queda consecutiva, o que não acontecia desde 2003, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Frente ao mesmo mês do ano passado a retração do setor foi de 3,5% e nos últimos 12 meses, (-0,2%).
Os preços em alta e a queda do rendimento das famílias está afastando os brasileiros do consumo. “Percebemos que o consumidor está buscando mais prazo e produtos mais simples”, diz Romeu Zema, presidente do Grupo Zema, com 514 lojas no varejo. Segundo o executivo, além da política de esquentar as promoções, compras que antes eram fechadas em oito ou dez parcelas, agora estão sendo divididas em até 15 vezes. A estratégia usada pela rede é uma espécie de arma para convencer o consumidor a arcar com custo de novas compras, em época de alta da taxa de juros e encolhimento de prazos para pagar.
Na Líder Interiores, rede com 18 lojas no país e oito em Minas, a estratégia é apostar nos prazos, como 60 dias para pagar a primeira parcela, e fatura quitada em até 10 vezes. “Estamos anunciando essas possibilidades e formas de pagamento para o consumidor, o que não fazíamos antes”, explica Leonardo Fernandes, gerente regional de vendas em Minas. Segundo ele, mesmo os consumidores das classes A e B estão demonstrando receio de comprar e têm optado por renovar a casa aos poucos.
O vestuário é um dos segmentos, que podem apresentar recuperação no segundo semestre, na avaliação da Confederação Nacional do Comércio (CNC), mas ainda assim, em abril, a queda medida pelo IBGE foi forte, de 7,5% frente a abril passado. Anderson Borges, proprietário de nove lojas da marca K9 diz que o varejo sente o freio do consumo e por isso seu comércio e muitas lojas da capital anteciparam as promoções para antes do Dia dos Namorados e não encolheram prazos de parcelamento. “Também estamos mantendo o desconto de 5% para pagamento a vista”, comentou.
Cautela A diarista Silvana Lúcia do Carmo, de 32 anos, está de olho num fogão novo para sua cozinha há mais de um ano, esperando o melhor momento para fechar a compra. Ela conta que está pesquisando preços e que pretende aproveitar uma promoção para levar o produto que custa cerca de R$ 2 mil . “Eu devia ter comprado quando comecei a olhar. Ele estava mais barato e as condições de pagamento eram melhores, mas eu fiquei com medo de assumir cinco prestações. Hoje, se eu realmente comprar, vou ter que dividir em 10 meses e pagar juros mais altos”, afirma. Segundo a diarista, a ideia é continuar pesquisando, até que o produto entre em promoção.
Mesmo com as medidas para fisgar sua atenção, os brasileiros estão resistindo ao consumo. Em abril seis, dos oito segmentos pesquisados pelo IBGE no comércio varejista apresentaram queda frente ao mesmo período do ano anterior, sendo as maiores retrações no segmento de móveis e eletrodomésticos (-16%). Em alta, somente artigos farmacêuticos e perfumaria (6,2%), artigos de escritório, informática e comunicação (2,7%).
“Estimamos queda de 1,5% nas vendas do comércio em 2015. O crédito está mais caro e as famílias estão com a renda corroída pela inflação”, observa Carlos Tadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Segundo ele, os segmentos com melhor desempenho no segundo semestre devem ser aqueles onde a compra depende mais da renda, como vestuário e alimentos, e menos de financiamentos.
Queda na renda
reduz consumo
Um dos impulsos para a queda do consumo está ligado a redução dos postos de trabalho e da renda das famílias. No último ano, o rendimento médio real, que reflete a relação entre o salário pago e o emprego, aponta para um empobrecimento da população. O rendimento que desde 2005 seguia trajetória de alta, desacelerou nos últimos doze meses. No Brasil, a queda é de 3,4% no período. Em Belo Horizonte, a retração é quase o dobro da média nacional, 6,5%, segundo o IBGE.
Para o vice-presidente do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), Pedro Paulo Pettersen, alguns fatores podem explicar a queda. “Tivemos uma reversão do ciclo das commodities e existe uma questão conjuntural de desaceleração econômica.” Com a redução no preço do minério, Minas enfrenta retração no setor, que tem grande peso em sua economia. Já a questão conjuntural, segundo Pettersen, reflete o estado geral do país. “Este ano, o Brasil pode vir a enfrentar a pior retração desde 1999, com encolhimento de até 1,7% do seu PIB.”
E é esse panorama que faz o enfermeiro João Paulo Carmindo pensar duas vezes antes de trocar o smartphone. Ele conta que está juntando o dinheiro para fazer o pagamento à vista. Aproveitando a maior disposição do varejo para negociar, ele quer tentar um desconto ainda maior para levar o produto. “Estou pesquisando há mais de dois meses, mas ainda não decidi. Quero pagar à vista, pois tenho medo de fazer prestações. E se eu perder o emprego, como eu vou pagar?”, pergunta. (MC e FM)