A indústria se ajusta em cadeia à retração do consumo, adotando medidas para baixar os estoques, o que já resulta em cortes de empregos ou dispensa temporária dos trabalhadores. A Fiat Automóveis concederá férias coletivas de 10 dias a partir de 1º de julho a 12 mil trabalhadores do seu parque industrial de Betim, na Grande Belo Horizonte, paralisando toda a produção. O mecanismo é adotado pela terceira vez neste ano, agora envolvendo mais de 60% do quadro de pessoal da companhia. A Fiat lançou mão das férias logo depois de uma parada técnica – a produção foi interrompida de 8 a 12 de junho –, acompanhando as paralisações adotadas por outras empresas do setor, como a GM, que na segunda-feira anunciou a interrupção de todas as suas linhas no Brasil, e a Mercedes-Benz.
Com a crise nas montadoras e a queda das encomendas dos fabricantes de máquinas e da construção civil, as indústrias siderúrgicas eliminaram 11.188 postos de trabalho desde junho do ano passado, informou ontem o Instituto Aço Brasil (IABr). Outros 1.397 empregados do setor estão com seus contratos de trabalho suspensos, no sistema do chamado lay off. Há 20 unidades desativadas ou paralisadas no país, incluindo alto-fornos, aciarias e laminadores, entre outros equipamentos.
A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) decidiu orientar as empresas a adotarem todas as medidas permitidas na legislação trabalhista, inclusive a redução de jornada, para enfrentamento de uma das maiores turbulências enfrentadas pelo setor. No começo da cadeia da produção industrial, a mineradora Vale paralisou a produção de ferroligas da sua unidade de Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, e iniciou a transferência dos trabalhadores para outras unidades. Em Barbacena, na mesma região, a empresa reduziu a produção local de ferroligas.
Ainda na cadeia da indústria de transformação, os fabricantes de calçados de Nova Serrana, no Centro-Oeste de Minas, sentem a queda do consumo e foram obrigados a reduzir em 50% a produção, o que levou à demissão de 700 trabalhadores nos últimos dois meses. As dificuldades são retrato do desaquecimento de todo o setor no país, que estima um corte de 25 mil empregos (leia mais abaixo).
A comercialização de veículos caiu 17% de janeiro a março, impactando diretamente o fornecimento das indústrias siderúrgicas. De acordo com o IABr, houve redução de 13,6% das vendas de produtos siderúrgicos no mercado brasileiro de janeiro a maio, na comparação com o mesmo período do ano passado. O presidente-executivo da instituição, Marco Polo de Mello Lopes, afirmou, ontem, que o setor se debate numa turbulência com impactos mais graves que aqueles vistos em 2008, em razão da crise financeira mundial. “Trata-se da maior crise que o setor já viveu. Olhamos agora com inveja para economias em recuperação no mundo, seja nos Estados Unidos, seja na Europa.”
Apreensão Os sindicatos locais dos metalúrgicos de Ouro Preto e Barbacena temem demissões em massa. Ao justificar as medidas adotadas, a Vale destacou que “contratos atuais de eletricidade expiraram e custos de energia aumentaram, impossibilitando a viabilidade econômica da operação de ferroligas”. Por meio de sua assessoria de imprensa, a mineradora informou ontem que não há desmonte da unidade de Ouro Preto, onde estão sendo feitos programas de manutenção e treinamento de pessoal.
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Ouro Preto, Carlos Wagner de Carvalho, disse que não há qualquer garantia dos empregos e informações claras sobre o destino da unidade. O problema foi discutido em assembleia dos trabalhadores (são cerca de 160) realizada ontem. “A transferência pode significar reestruturação ou mais à frente uma pulverização das demissões para não caracterizar dispensa em massa”, disse o sindicalista, que aguarda a definição de audiências públicas pedidas à Assembleia Legislativa de Minas Gerais e à Câmara dos Deputados para debater a situação. O presidente do sindicato de Barbacena, onde a Vale emprega 211 pessoas, Jaci da Silva Coelho, espera que a unidade retome a produção em julho.
Setor calçadista entorta o passo
Chegou em 2013 e, aos poucos, foi enfraquecendo o setor, até que, neste ano, estourou, de vez, a crise da indústria calçadista no país. Um segmento que vivia, em 2011 e 2012, em lua de mel com a economia brasileira, crescendo cerca de 10% e alcançando a cifra de 600 milhões de pares consumidos ao ano, assiste, agora, à “queda livre” de faturamento em torno de 30%, redução de 50% no quadro de funcionários de algumas fábricas e retração de 9,1% na produção nacional. Somente este ano, já foram fechadas 25 mil vagas nas indústrias calçadistas do Brasil. Em Minas Gerais, a produção de algumas fábricas caiu mais de 50% e o desemprego na área chegou a 5%, com cerca de 2 mil demissões.
Essa “pedra no sapato” veio para Marília de Souza Lima, de 72 anos. Há mais de 30 anos na área de calçados em Belo Horizonte, Marília é dona da fábrica Pé de Fadas e conta que já teve, em 2013, cerca de 30 funcionários. “Em 2014, tive que passar para seis e, este ano, estou contando com dois”, lamenta. Ela diz que já chegou a faturar R$ 25 mil por semana com a venda de seus calçados. “Na semana passada, não chegou a R$ 800, sendo que tenho que pagar R$ 600 a funcionários. Lembro que recebia ônibus de excursões de fora toda a semana, este ano eu recebi somente dois ônibus. Diminui o preço do meu produto, passei de R$ 49 para R$ 35, mesmo assim, não tem ninguém comprando”, reclama. Ela diz que sua fábrica já produziu 700 pares semanais e, agora, não chega a 70.
O aperto de Marília que é também o de tantos outros micro e pequenos empresários do ramo é justificado pela Associação Brasileira de Indústria de Calçados (Abicalçados) com o endividamento das famílias brasileiras, que já chega a 46,30% (maior percentual em 10 anos); e a inflação de 8,47% no acumulado dos últimos 12 meses. “Com isso, há uma queda muito forte no consumo, o que vem causando demissões de 8% este ano no nosso segmento, com perda de 25 mil vagas em todo o país”, ressalta o presidente-executivo da Abicalçados, Heitor Klein. Segundo ele, essa crise parece mais poderosa.
Em Minas Gerais, de acordo com dados da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) as horas trabalhadas no segmento calçadista do estado diminuíram 7,84% em abril, frente ao mesmo mês do ano passado. “Houve uma redução de cerca de 50% de mão de obra de algumas fábricas. Muitas estão correndo o risco de fechar as portas”, comenta o presidente do Sindicato da Indústria de Calçados de Minas Gerais (Sindicalçados), Jânio Gomes.
Conhecido no país inteiro, o principal polo de fabricação de calçados de Minas Gerais, a cidade de Nova Serrana, no Centro-Oeste, também tem sentido o impacto da crise econômica. De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego, o município teve saldo negativo de 1.218 pessoas nos últimos 12 meses até abril na indústria de transformação. Somente em abril e maio, 700 vagas foram fechadas em fábricas de calçados da cidade.