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Estado de Minas

21 anos do Real: Conta da estabilidade pesa mais no bolso dos pobres

Moeda criada há 21 anos segurou corrida de preços, mas reajustes acumulados são mais altos para quem ganha menos. Na baixa renda, inflação do real em BH é a maior do país


postado em 01/07/2015 06:00 / atualizado em 01/07/2015 07:27

O comerciante João de Oliveira reclama do preço das mercadorias (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
O comerciante João de Oliveira reclama do preço das mercadorias (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
O comerciante João de Oliveira Ávila, de 48 anos, não gosta de se lembrar da época em que ganhou a vida num supermercado da Grande BH: “Trabalhei com etiquetadora. Marcava o preço de um produto pela manhã e, à tarde, o remarcava com um valor maior”. Ele se refere ao período antes do real, que hoje completa 21 anos em circulação. A atual moeda do Brasil foi implantada no governo Itamar Franco (1930-2011), em 1º de julho de 1994, com a missão de exterminar uma inflação galopante – o indicador havia sido de 47,43% apenas no mês anterior.

O Plano Real pôs fim à inflação mensal de dois dígitos, mas o custo de vida para as famílias menos abastadas é maior do que nos domicílios com maior poder aquisitivo na era da atual moeda. Para se ter ideia, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação nos domicílios com rendimento de um a cinco salários-mínimos (R$ 788 a R$ 3.940,00), avançou 413,96% em 21 anos. Já o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que calcula o indicador nas famílias com ganho de até 40 pisos (até R$ 31.520,00), subiu 398,85% no período.

Tanto o INPC quanto o IPCA são calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IPCA). Levando-se em conta apenas o INPC na era do Real, o da Grande Belo Horizonte foi o que mais avançou entre as regiões metropolitanas pesquisadas (352,67%). Essa é a inflação, na teoria, que afeta o bolso de João, o ex-funcionário que manipulava uma etiquetadora.


“O Real acabou com aquela inflação monstruosa, mas os preços hoje estão altos novamente. Hoje sou dono de um bar e tiro, em média, dois salários-mínimos (R$ 1.576,00). Peno com o preço das mercadorias, como o do quilo da dobradinha. Pago R$ 14. Desembolsava R$ 5,99 pela mesma quantidade há um ano”, lamentou. Dobradinha é um petisco que não pode faltar no bar dele e no de outros comerciantes, mas o IBGE não calcula a inflação da iguaria.

Por outro lado, no acumulado dos últimos 12 meses encerrados em maio último, o feijão-carioca, que ele também usa em seu estabelecimento, ficou 23,49% mais caro na inflação do INPC. Na do IPCA, 22,89%. Na era do Real, a inflação do grupo ao qual o feijão se encaixa nos critérios do IBGE, o de cereais e leguminosas, foi de 327,43%, segundo o INPC. No IPCA, o percentual foi de 319,89%.

A alta dos preços também prejudicou uma produtora de queijo que se mudou do Serro, no Vale do Jequitinhonha, para a Grande BH, onde consegue cerca de R$ 2 mil com a venda da iguaria. O nome completo dela é Maria Magna. Conhecida pelos queijos frescos e saborosos, dona Maria, de 66, pensa em encerrar o negócio.

“O custo encareceu muito. A conta de luz, que era de R$ 80 em janeiro, agora está em mais de R$ 170. O coalho foi de R$ 3 para R$ 7,50. Aumentei o preço do queijo de R$ 12 para R$ 15. Não adiantou. Vendi três das sete vacas, além de um freezer. E continua difícil”, disse dona Maria. A inflação da energia elétrica que ela tanto lamenta é de 751,24% na era Real, segundo o INPC (41,29% no acumulado de janeiro a maio de 2015). No IPCA, 686,9%.

“Enquanto o INPC computa a inflação das faixas salariais mais baixas, o IPCA reflete a inflação oficial e com uma amplitude maior. Cada indicador apresenta pesos diferentes para itens diferentes. Nesse ano, por exemplo, vemos um significativo avanço nos preços dos produtos alimentícios, em grande parte decorrente da crise hídrica no início do ano, sendo esse um item de maior peso no INPC. Sendo assim, a inflação para aqueles com renda mais baixa tem um impacto maior”, disse Guilherme Almeida, economista da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais (Fecomércio-MG).

Já Bruno Falci, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de BH (Cdl-BH), destaca que a cesta do IPCA abrange mercadorias consideradas supérfulas, enquanto a do INPC é formada por produtos de necessidade básica. “Deve-se considerar que o IPCA abrange uma cesta com itens mais supérfluos. Por isso, sofre maior oscilação de preços. Sendo assim, é natural que o INPC registre maior crescimento em relação ao IPCA, pois contabiliza menos produtos e estes, por sua vez, são itens de necessidade básica.”

CARGA TRIBUTÁRIA

O presidente da CDL-BH defende a redução da carga tributária como uma das medidas para alavancar a economia nacional. “Sabemos que os impostos são indispensáveis para o desenvolvimento do país. Entretanto a atual carga tributária, extremamente abusiva, está emperrando o desenvolvimento econômico brasileiro”.

Para se ter ideia, o impostrômetro, equipamento instalado em São Paulo pela associação comercial local com intuito de estimar o quanto a população nacional paga em tributos, alcançou a cifra de R$ 1 trilhão anteontem. Em 2014, esse volume foi registrado em 10 de julho. Como anteontem foi Dia de São Pedro, a Associação Comercial de São Paulo, mantenedora do impostômetro, lançou a campanha “Arraiá do trilhão – São Pedro... Socorro! Ta chovendo imposto”. O objetivo é chamar a atenção da população para a marca de R$ 1 trilhão.

Carne entra no cardápio diário

Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Fazenda no governo Itamar Franco, aproveitou o lançamento do Plano Real para alçar o frango a um dos símbolos da moeda, ao dizer que, a partir daquela data, todo brasileiro poderia comer carne. O quilo da ave custava R$ 1.

A variação do preço do frango inteiro no acumulado dos cinco primeiros meses do ano, segundo o IPCA, registrou deflação de 0,42%. O valor da ave em pedaço ficou 1,79% menor.

O comerciante José Márcio dos Anjos, de 64 anos, vende frango vivo em sua loja de ração e de utilidades domésticas no Bairro Bom Sucesso, em Vespasiano, na Grande BH. “Negocio a raça índio. Tenho criação em casa. O preço dessa ave, de 1,7 quilos, é de R$ 25. O dessa outra, com peso menor, é R$ 20. Tem boa saída”, comemora.

Por outro lado, ele lamenta a alta da carne bovina. O corte de acém, de janeiro a maio, ficou 9,23% mais caro, segundo o IPCA. Um dos motivos é que os pecuaristas abateram matrizes, em 2014, em razão do baixo preço registrado em anos anteriores. Com isso, a oferta caiu, o que elevou o preço ao consumidor final.


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