Paris, 05 - Durante 57 anos, desde a aprovação do Tratado de Roma, a criação de uma União Europeia (UE) cada vez maior e mais poderosa norteou líderes políticos e ativistas que trabalharam na construção do “sonho europeu”. Esse foi o intervalo de tempo para que fosse erguido o maior bloco econômico do mundo, um colosso com 507 milhões de habitantes e 4,5 milhões de quilômetros quadrados de superfície.
Neste domingo, dia 5, a coesão do bloco sofrerá na Grécia, berço da civilização europeia, seu maior teste de estresse. Com um inédito calote de pagamentos e um imprevisível plebiscito sobre a austeridade fiscal a ser realizado, o primeiro-ministro radical de esquerda Alexis Tsipras abriu as portas para a exclusão de seu país da zona do euro - gerando dúvidas sobre a sobrevivência da integração monetária dos 19 países após uma eventual “Grexit”, a saída da Grécia também da UE.
Tratar da possibilidade de que um dia um país decidisse sair ou fosse obrigado a abandonar a UE foi por muito tempo um tabu na Europa, a tal ponto que não existe legislação prevendo o desligamento de uma nação do bloco. Em maio, porém, o assunto foi evocado de forma pública na cúpula de chefes de Estado e de governo realizada em Riga, na Letônia.
De lá para cá, o agravamento da turbulência na Grécia, que culminou com o primeiro calote de pagamentos da história do mundo desenvolvido, e os desentendimentos entre Atenas e Bruxelas só aumentaram a ressonância do tema. Todas as maiores potências europeias, como Alemanha e França, agora têm planos de contingência caso os gregos sejam obrigados a deixar o bloco. E todos refletem sobre o futuro da UE.
As respostas a essa questão estão longe de ser definidas, adverte o economista polonês Marek Dabrowski, do Instituto Bruegel, de Bruxelas. “O default da dívida soberana da Grécia e a crise bancária significam uma saída imediata e automática da zona do euro? A resposta curta é não necessariamente e, sem dúvida, não imediatamente.”
Dabrowski lembra que a UE não tem legislação definida sobre uma saída, o que exigiria no mínimo dias ou semanas de discussões intensas. O cenário possível seria uma saída involuntária pela perda do controle econômico do país e pela crise do sistema financeiro grego. Mas até esse cenário é pouco provável, visto que a opinião pública grega é pró-integração à Europa e tenderá a pressionar por um acordo de última hora. “A maioria da sociedade, incluindo os dirigentes da Coalizão Radical de Esquerda (Syriza, partido de Tsipras), quer permanecer no euro. Os demais países-membros não têm nem os instrumentos legais, nem o interesse de forçar a Grexit”, diz Dabrowski.
Entre economistas e cientistas políticos europeus, o consenso é de que há três alternativas caso a Grécia provoque uma crise sistêmica na zona do euro. A primeira seria fazer recuar a integração, organizando a extinção paulatina do euro e fazendo renascer as moedas nacionais, mantendo o bloco como uma área de livre-comércio. A segunda seria manter um nível de integração intermediário, nos termos atuais, estabelecidos no Tratado de Maastricht, de 1992, e no Pacto Orçamentário firmado em 2012. A opção final é a dos sonhos dos criadores do “projeto europeu”: o federalismo.
“Confrontados à crise da Grécia, os líderes políticos europeus deverão logo refletir sobre o problema mais geral a respeito do futuro da zona do euro”, adverte o economista francês Jean Tirole, fundador da Escola de Economia de Toulouse e prêmio Nobel de Economia de 2014, em artigo no jornal Le Monde. “Minha preferência é claramente pela versão federalista, mas não estou convencido de que os europeus estejam dispostos a tomar medidas necessárias para garantir seu sucesso.”
A julgar pela repercussão da crise grega, Tirole tem razão. Em lugar da “construção comunitária”, o que mais se fala na Europa é do risco de “desconstrução comunitária”, embora nos mercados financeiros haja quem aposte que uma eventual “Grexit” já foi antecipada pelos investidores internacionais.
Reino Unido. Não bastasse a questão econômica e política na Grécia, até 2017 o Reino Unido, capitaneado pelo conservador David Cameron, vai submeter a UE a um segundo teste de estresse: a “Brexit”, ou o plebiscito sobre a eventual saída do país do bloco. Para cientistas políticos como o britânico Tim Oliver, pesquisador do laboratório LSA Ideas, da London School of Economics, e o francês Philippe Moreau Defarges, do Instituto Francês de Relações Internacionais, esse plebiscito pode ser mais traumático que o grego.
Mais do que um novo impacto político, haverá grande e imprevisível impacto econômico na eventual ruptura entre Londres e Bruxelas. Diante desse cenário, personalidades do mundo da economia e dos negócios, como o comissário europeu de Finanças, Pierre Moscovici, e o presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, vieram a público nas últimas semanas apelar à estabilidade da união. “Uma das grandes vantagens da UE é o acesso ao mercado europeu”, adverte Carney, ressaltando a ligação política entre a ilha e o continente e o tamanho da ameaça financeira: “É a maior economia do mundo”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.