Dois dias após o governo federal reduzir a meta do superávit primário fiscal (o saldo positivo entre receitas e despesas públicas, sem contar os juros), o Banco Central (BC) deu sinais nesta sexta-feira, 24, de que seguirá, na mesma toada, com a estratégia de subir a taxa básica de juros (a Selic, hoje em 13,75% ao ano) para conter a inflação em 2016. E isso deve ocorrer mesmo que a recessão seja ainda mais profunda.
Desde o início do mês, com a piora das expectativas para o crescimento econômico neste ano e em 2016, alguns economistas vinham apontando para um exagero do BC na dose da alta de juros. Uma retração maior tende a jogar a inflação para baixo e, portanto, poderia haver uma redução no ritmo de aumentos, com elevação de 0,25 ponto porcentual na reunião da próxima semana do Comitê de Política Monetária (Copom) - em vez do 0,5 ponto de todos os encontros desde o fim do ano passado.
Só que a revisão na meta do superávit de 1,1% para 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) na quarta-feira contribuiu para aumentar a aposta em nova alta de 0,5 ponto - quanto maior o superávit, mais o governo poupa, evitando alimentar a inflação. A pá de cal nas apostas de uma alta mais branda na Selic foi o discurso do diretor de Política Econômica do BC, Luiz Awazu Pereira da Silva, num seminário técnico ontem no Rio.
Awazu Pereira afirmou que, apesar de inegáveis resultados positivos, dados recentes mostram que existem novos riscos para a inflação de 2016. "Os progressos até agora na luta contra a inflação, no entanto, precisam ser equilibrados contra os riscos mais recentes que ameaçam o nosso objetivo central (de levar a inflação para o centro da meta, ou seja, 4,5%, no fim de 2016)", afirmou o diretor, segundo o texto do discurso, em inglês, divulgado no site do BC.
O seminário, fechado à imprensa e promovido como atividade paralela do Congresso Mundial de Estatística, que começa no fim de semana, no Rio, era direcionado a técnicos de bancos centrais de diversos países.
Abordado pelo jornal O Estado de S. Paulo, Awazu Pereira recuou-se a dar entrevista, alegando que estava em "período de silêncio" por causa da reunião do Copom na próxima semana. Dessa forma, não pôde esclarecer quais seriam os "riscos mais recentes" que ameaçam a luta contra a inflação.
Esse ponto ficou no ar, na visão de analistas de mercado. Para o economista Henrique Santos, da ARX Investimentos, ao citar riscos recentes, Awazu Pereira fez uma menção clara à revisão da meta fiscal. "Reflete o desconforto com o fiscal, que pode impactar a inflação", afirmou.
Na visão do sócio-gestor da Leme Investimentos, Paulo Petrassi, ficou claro que, por causa da meta fiscal, a próxima alta na Selic será de 0,5 ponto. "O discurso foi de 0,50 ponto, ainda mais porque com a mudança da meta fiscal o BC perdeu a ancoragem (das expectativas)", disse.
Ontem, após o discurso de Awazu Pereira, o Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, captou a mudança de projeção para a Selic de pelo menos seis equipes econômicas, revisando um levantamento de quinta-feira. Antes, 44 de 71 instituições de mercado estimavam alta de 0,5 ponto; agora, são 50 de 71.
Houve reação também nas cotações. Em dia de alta forte e cotação recorde no dólar e baixa na Bolsa, os contratos futuro de juros fecharam com taxas em alta.