Brasília – A decisão do Banco Central de aumentar juros fará um estrago maior nas contas públicas, que estão em frangalhos. Em junho, as despesas com juros da dívida somaram R$ 417 bilhões, ou 7,32% do Produto Interno Bruto (PIB), o maior patamar da história, de acordo com dados do BC divulgados nessa sexta-feira. Com isso, o déficit nominal chegou a 8,12% do PIB, o mais elevado da série histórica do órgão, iniciada em 2001, em patamar parecido ao de países em crise.
Na última quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC elevou a taxa básica de juros (Selic) em 0,50 ponto percentual, para 14,25% ao ano, uma das mais altas do mundo e, com isso, os juros com que o governo paga em seus títulos continuarão subindo, elevando a dívida pública porque, neste ano, dado o fraco desempenho das receitas, o governo terá dificuldade em fechar as contas no azul pelo segundo ano consecutivo. A nova meta de superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) para este ano passou de 1,1% do PIB (R$ 66,3 bilhões) para 0,15% do PIB (R$ 8,7 bilhões).
Em junho, o governo registrou uma série de recordes ruins que sinalizam que esse objetivo pode estar cada vez mais distante. O setor público como um todo, que inclui os governos federal e regionais e as estatais, teve déficit de R$ 9,3 bilhões, pior resultado para o mês na história, conforme dados divulgados ontem pelo BC. Na véspera, o Tesouro Nacional havia anunciado o maior rombo da história: R$ 8,2 bilhões. E, apesar de, no acumulado do primeiro semestre, as contas do setor público terem fechado com um saldo positivo de R$ 16,2 bilhões, o menor para o período desde sempre. No acumulado em 12 meses, o rombo somou R$ 45,7 bilhões, o equivalente a 0,8% do PIB.
Esse resultado fiscal ruim de junho, na avaliação de José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), era esperado pelo mercado. “Esse quadro só dá continuidade e escancara a deterioração fiscal que já vinha em curso há anos, mas antes era mascarada pela criatividade contábil e orçamentária da antiga equipe econômica”, afirmou. Ele acredita que, apesar de a situação atual ainda estar muito difícil de ser revertida, é possível que o governo consiga cumprir a nova meta fiscal deste ano. “O gasto do início do ano passado estava maquiado. O resultado deve melhorar e ficar mais real depois de outubro”, avaliou.
O chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, reconheceu que primeiro semestre foi muito ruim porque a economia está muito fraca, e sinalizou que haverá dificuldades para o cumprimento da nova meta no segundo semestre porque “ele concentra um volume de despesas maior que o primeiro para os governos regionais e para o Banco Central”. No entanto, ele informou que o governo espera resultados “mais favoráveis”. Vale lembrar que estados e municípios conseguiram economizar R$ 19,3 bilhões no semestre, o que contribuiu e muito para o resultado positivo no período e, logicamente, eles não poderão contribuir positivamente para o superávit primário do ano, apesar de a meta para eles ser de apenas 0,05% do PIB. “O resultado (fiscal), tanto do mês quanto do primeiro semestre do ano, estiveram bastante influenciados pela dinâmica da economia. Ou seja, um ritmo de atividade menor, que, naturalmente, tem efeito sobre a arrecadação. Uma série de tributos estão vinculados à atividade econômica e um menor ritmo da economia resulta em uma receita mais baixa”, disse Maciel.
Menos pior
Na avaliação do economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, mesmo se o governo conseguir, o resultado será ruim. “A meta anterior, de 1,1% do PIB, já era muito baixa porque não é suficiente para reduzir a relação dívida/PIB. Ao reduzir esse objetivo, o governo perde ainda mais a credibilidade das agências”, disse ele. A Austin foi a primeira agência a retirar o grau de investimento, após o anúncio da redução da meta. Na última quarta-feira, a Standard & Poor’s mudou de estável para negativa a perspectiva da nota do Brasil e sinalizou que deverá retirar o grau de investimento do país. “O voto de confiança dado ao ministro Joaquim Levy (da Fazenda) expirou com a sinalização da S&P. Ela sabe que o governo perdeu a queda de braço com o Congresso Nacional e Levy não conseguiu executar o ajuste que precisava”, avaliou. “Esse resultado de junho só avaliza a nossa posição e reforça a questão para as demais agências rebaixarem o país ou, pelo menos, mudarem a perspectiva da nota”, disse.