Argolo (BA), Caravelas (BA) e Araçuaí (MG) – A saudade dos quatro filhos que “foram morar bem longe” corta o coração de Maria do Carmo Silva, de 66 anos, como se fosse aço de navalha. Ela não vê Chico, o primogênito, desde 2010. Dineide, Paula e Renata aparecem “ano sim, ano não”, conta. Todos deixaram Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, em busca de emprego, diante das oportunidades escassas de trabalho em várias cidades que um dia tiveram suas economias alimentadas pela Ferrovia Bahia-Minas.
A estrada de ferro, construída em 1881 e desativada em 1966, ligava o Sul da Bahia ao Jequitinhonha. No auge das operações, empregou 2 mil pessoas e fomentou o trabalho em diferentes setores. Hoje, diferentemente daquela época, o desemprego reina no solo que foi cortado pelos trilhos, como mostra mais uma reportagem da série que o EM e o em.com.br publicam desde domingo em alusão aos 50 anos do fim da linha.
Em Araçuaí, ponto final da locomotiva, o saldo entre as vagas formais geradas e os postos de trabalho fechados ficou negativo em 21 vagas no acumulado do primeiro semestre de 2015. Em Teófilo Otoni, que na época da maria-fumaça foi a terceira cidade mais populosa do estado, atrás de Belo Horizonte e Juiz de Fora, a estatística é mais alarmante: 513 empregos eliminados. Os saldos do trabalho com carteira assinada também ficaram no vermelho em Francisco Sá, onde houve 153 demitidos a mais que os contratados; Serra dos Aimorés (108) e Carlos Chagas (8).
Os dados são do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Em todo o Brasil, o saldo de vagas ficou negativo em 111,2 mil de janeiro a junho. Foram 1.453.335 pessoaso admitidas e 1.564.534 demitidas.
“O Chico tem 33 anos. Foi para o interior de São Paulo, para uma usina. Não vejo meu filho há cinco anos. As meninas também estão lá, no corte de cana ou em casa de família. A saudade deles dói. E muita”, lamenta Maria, que na época em que a Baiminas estava ativa, como os mais antigos se referem à linha, ganhou a vida negociando o feijão que a família plantava numa roça no Jequitinhonha.
Boa parte da clientela dela chegava nos vagões da Baiminas. O trem corria num pedaço de chão que hoje é o quintal da casa da ex-agricultora. “Bem ali”, faz questão de mostrar da janela, de onde costuma desejar a volta em definitivo de Dineide, Paula e Renata. Para que isso ocorra, porém, o emprego precisa voltar a brotar no solo das redondezas.
Enquanto o sonho de Maria não se realiza, o exército de desempregados leva muita gente a recorrer à informalidade. É o que restou a Gilmar Pinheiro Araújo, um negociante de cachaça em casca de coco. “Cinco reais cada uma. Está barato, mas difícil de vender, porque o povo não tem grana”, afirma. Gilmar mora em Argolo, distrito de Nova Viçosa, na Bahia, cujo nome homenageia o engenheiro Miguel Teive de Argolo, idealizador da ferrovia.
“Ele trouxe o progresso, que não existe mais por aqui”, reclama Gilmar, fã do compositor Fernando Brant (1946-2015), que percorreu o trecho e compôs Ponta de Areia, música que fala da Baiminas. Gilmar aprendeu a letra, sucesso na voz de Milton Nascimento e de outros cantores, ainda na juventude. Duas das estrofes descrevem a situação atual da praça onde a estação de Argolo foi construída. O imóvel foi jogado ao chão na década de 1970, o que reduziu o charme do lugarejo: “Na praça vazia, um grito, um ai / Casas esquecidas, viúvas nos portais”, diz a canção.
Urbano Maria, de 65, também conhece a letra. Saudosista, ele garante que o povoado já foi o centro econômico da região: “Digo que era até maior que Nova Viçosa. Quando arrancaram os trilhos, as coisas boas da economia foram também”. O MTE não divulga a geração de vagas em distritos e povoados, mas Nova Viçosa não fugiu à situação em nível nacional. Entre janeiro e junho deste ano, 325 postos de trabalho foram fechados na cidade.
RETROCESSO
O fim da Baiminas não prejudicou apenas a geração de empregos do Sul da Bahia ao Jequitinhonha. Em Ponta de Areia, início da linha, o veterano Valdemar da Costa Manoel, de 83, conta que a ferrovia mantinha um hospital. Sobraram as ruínas. “Havia até agência bancária”, recorda o ex-ferroviário.
Valdemar trabalhou na Baiminas por 17 anos. “Foi uma época que deixou saudade em muita gente. A máquina partia daqui às 4h. Chegava a Araçuaí quatro dias depois. Eu ia junto, porque era o guarda-freio. Sabe o que eu fazia? Ajudava o trem a frear”, disse, torcendo para que um dia novas locomotivas ajudem a acelerar a economia das cidades que ficaram órfãs da Bahia-Minas.