Nanuque (MG), Serra dos Aimorés (MG), Mucuri (BA) e Ponta de Areia (BA) – Um dos maiores custos da madeireira Carvalho é o frete com as carretas que levam os eucaliptos das florestas do Vale do Jequitinhonha, onde funciona a sede da empresa, para a unidade em Nanuque, no Vale do Mucuri. “Se as viagens fossem feitas pelos trilhos, seria muito mais barato”, conclui Júnio Lemes Carvalho, gerente da firma.
A afirmação dele é confirmada por uma pesquisa do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). O custo médio da movimentação de carga por ferrovia, segundo o estudo, é seis vezes menor que pelo modal rodoviário. Em 2012, quando o levantamento foi elaborado, cada tonelada por quilômetro útil (TKU) transportada por ferrovia custava R$ 43. Pelo asfalto, valia R$ 259. Apesar da disparidade de preços, o poder público investiu pouco na malha ferroviária nas últimas décadas.
De 1997, quando ocorreu a desestatização dos caminhos de ferro, a 2013, por exemplo, a União aplicou R$ 1,59 bilhão no setor. Já as empresas privadas aportaram R$ 39,7 bilhões. Os dados são da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) e serviram como base para uma lista de propostas que a entidade apresentou aos candidatos à presidência da República no pleito de 2014.
Em junho passado, o governo federal anunciou investimentos de R$ 86,4 bilhões na malha férrea. Trata-se da segunda fase do Programa de Investimento em Logística (PIL). O problema é que, em 2012, a presidente Dilma Rousseff lançou, com pompa, propostas de aporte de R$ 99 bilhões para ferrovias e três anos depois as obras ainda não saíram do papel. A negligência do poder público com as ferrovias é o tema da última reportagem da série que o EM e o em.com.br publicam desde domingo, sobre a Ferrovia Bahia-Minas.
Os 578 quilômetros da linha erguida em 1881 e desativada em 1966 ligaram o sertão mineiro ao mar, de Araçuaí a Ponta de Areia (BA). A ferrovia levou o milagre econômico por onde passou, mas, depois que os trilhos foram arrancados, não se viu mais o progresso em cidades e lugarejos fundados pela própria Baiminas, como a ferrovia é conhecida. Em Nanuque, onde Júnio gerencia a madeireira, não há mais a prosperidade do tempo da ferrovia.
A rodovia que corta a cidade recebe, diariamente, dezenas de caminhões carregados de eucaliptos. Troncos de madeira eram um dos principais produtos transportados pelos vagões da Baimina. Com o fim da linha, Júnio faz um lamento que é seguido por vários empresários do ramo na região. “Pago R$ 1,5 mil pelo frete de um caminhão. Com o trem, então, pagaria bem menos”.
A quantidade de carretas abarrotadas de eucaliptos na região levam moradores a se perguntarem se a demanda não justificaria o retorno da Baiminas. “A gente até perde a conta de quantos caminhões com madeira passam por aqui”, destaca Marcos Rocha Ribeiro, dono de um bar em Pedro Versiani, distrito de Teófilo Otoni. O comércio dele foi erguido a menos de 10 metros de onde os trilhos foram arrancados e a menos de 100 metros de onde hoje é a rodovia que recebe as carretas com eucaliptos.
Por isso, o nome do microempreendimento dele homenageia a extinta ferrovia – Bar Bahia-Minas. Marcos tem 50 anos de idade, por coincidência, tempo que vai completar em maio do ano que vem a última viagem da locomotiva na ferrovia. Durante o vaivém de vagões, a estrada de ferro levou o progresso a um pedaço do Sul da Bahia e ao Vale do Jequitinhonha.
“Agora falta emprego”, reclama Sílvio Matos da Silva. A situação dele é um caso a parte na história da ferrovia. Casado com Marciele Santos Gonçalves, ele mora num imóvel que abrigou a estação da ferrovia. Na mesma construção, também residem Giovani dos Santos e a sobrinha dele, Josiele. Metade da estação foi erguida em Serra dos Aimorés (MG), onde mora o casal. A outra metade foi construída em Mucuri (BA), onde vivem Giovani e a sobrinha.
A antiga estação pertence ao poder público, mas, enquanto a construção não volta ao domínio do governo, as duas famílias levam a vida no local. “A energia elétrica é a base de gato mesmo, porque, como não pertence a nós, a companhia não coloca luz pra gente”, confidencia Sílvio. A situação atual da estação resume bem a história da Baiminas, hoje esquecida pelo poder público.
DE UMA PONTA A OUTRA
O descaso que incomoda
Teófilo Otoni e (MG) e Ponta de Areia (BA) – A maria-fumaça exposta numa praça em Teófilo Otoni (foto) chama atenção de turistas. A máquina de ferro, embora protegida do sol forte e da chuva por uma cobertura, necessita de reforma, pois a ferrugem tomou conta de parte da estrutura da máquina. Pior situação é a do porto de Ponta de Areia, onde navios ancoravam para abastecer os vagões de carga. O local, hoje, se resume a alguns troncos de madeira (foto abaixo) cuja maior parte foi engolida pela água. O piso não existe mais. Deu lugar a um mangue, onde ex-ferroviários agora ganham a vida à procura de siris.
De Araçuaí A Ponta de Areia
A série Ferrovia Bahia-Minas – 50 anos depois do ponto final, que o Estado de Minas encerra hoje, mostrou desde domingo os reflexos ainda presentes da desativação, em 1966, da linha férrea que gerou crescimento de emprego, renda e negócios em municípios dos vales do Jequitinhonha e Mucuri e do Sul da Bahia. A reportagem visitou várias cidades, identificou dramas pessoais e a determinação de gente que ainda espera a volta dos trilhos. Além da escassez de oportunidades de trabalho, falta infraestrutura básica e o descaso com a estrada de ferro é um problema vivido em todo o país.