A reportagem do Estado de Minas constatou casos de lojistas que tentam, sem sucesso, passar o negócio adiante há mais de um ano. A disputa até para desfazer do empreendimento surge nas faixas e cartazes que anunciam preço baixo e a urgência do dono para sensibilizar os interessados, como se observa nos bairros Floresta, na Zona Leste, e Funcionários, na Região Centro-Sul. “É a segunda maior rede em expansão, a primeira é o aluga-se”, ironiza o vice-presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), Marco Antônio Gaspar.
Marco Antônio diz que o cenário é preocupante, uma vez que reflete o desespero de um comerciante diante de uma retração na economia. “Quando a atividade econômica está ruim, a primeira coisa é passar o ponto e, depois, fechar as portas”, diz. Porém, à medida em que as placas de aluga-se proliferam, fica mais difícil passar o ponto.
Eduardo Reis sabe disso. A decisão de se desfazer do negócio foi tomado diante, inicialmente, de contas que entraram no vermelho. “Desde o início do ano, o movimento de consumidores caiu mais de 50%. Não há mais jeito, tenho que parar de trabalhar”, afirma. Para recuperar o dinheiro investido no estoque, de cerca de 20 mil itens, entre sapatos, bolsas, cintos e guarda-chuva, ele fez uma promoção com preço máximo de R$ 50 para qualquer produto. “Até o fim do mês, acredito que fecho as portas”. Eduardo pede R$ 30 mil pelo ponto. O aluguel custa R$ 8 mil mensais. “Está difícil continuar, por isso, estou deixando o comércio para trás. A sensação que dá é que o governo não quer que trabalhemos”, critica.
O vice-presidente da CDL-BH aconselha o comerciante que quer entregar seu negócio a tentar, primeiro, desovar todo o estoque. No Bairro Ouro Preto, na Pampulha, há lojas que têm feito promoções para, justamente, encerrar o estoque e passar o ponto. Na loja de vestuário e acessórios SerChic, por exemplo, todas as peças de roupas estão com 50% de desconto.
“Estou há um ano tentando passar o ponto, mas não recebi nenhuma proposta”, lamenta a comerciante Rita de Cássia da Silva, dona do negócio. Ela conta que está disposta a flexibilizar nas exigências e que pede um valor até mesmo abaixo do investimento feito na loja. “Peço R$ 32 mil e passo o negócio com móveis, manequins, luminárias e circuito interno de câmera”, garante. A loja está localizada em uma rua comercial do Barro Preto e o aluguel do espaço chega a R$ 2,8 mil.
Rita diz que o principal motivo de passar o ponto está no fato de ter optado por continuar um outro negócio no ramo alimentício, tendo em vista as dificuldades que a retração da economia impõe para que ela concilie as duas atividade. “O setor de alimentação não perdeu tanto com a queda no movimento, como o de vestuário”, compara.
OPORTUNIDADE Para quem sonhar em ter o próprio negócio, a febre do “passo-se ponto” na cidade pode ser uma boa oportunidade . Em meio à chuva de placas e faixas, três sócios realizaram o sonho de abrir um bar voltado para o público de classe mais alta da cidade. Há cinco anos, eles acompanhavam o mercado e buscavam uma boa localização para abrir as portas. O bairro escolhido por eles foi o Lourdes, na Região Centro-Sul. “Na época o aluguel estava alto, então esperamos mais um pouco. Foi quando uma loja de lingerie anunciou, este ano, que passaria o ponto, na Rua de Janeiro”, comenta Flávio Braga, um dos sócios do Butchery, inaugurado há cerca de 15 dias na cidade . “Conseguimos o ponto por R$ 18 mil e aluguel de R$ 4 mil. Foi uma boa oportunidade”, avalia André Prates, sócio do estabelecimento.
Tentativa de reduzir o prejuízo
O valor de um ponto comercial, de acordo com Marco Antônio Gaspar, depende atividade exercida, do tempo da atividade e do acordo que se faz com o sucessor da loja. “Pode ser que a pessoa abriu uma loja de picolés na garagem de casa e, durante 20 anos, ficou por ali. Nesse local, conquistou uma clientela fiel. O valor terá que levar em conta tudo isso”, observa. Numa economia em crise, entretanto, o que antes poderia ser simples também afeta a opção de passar o ponto.
Para comerciantes ouvidos pelo Estado de Minas, as propostas têm sido raras. ”Estou há seis meses tentando, mas nada. Isso me dá tristeza e já tenho problemas de saúde”, comentou um lojista que prefere manter-se no anonimato. Ele trabalha em área nobre da cidade, na Avenida do Contorno, na Savassi, e admite que a situação o abalou emocionalmente. “Chega a determinado momento em que você não consegue mais passar o ponto, porque as contas vencem. Com dívidas, e o melhor é fechar as portas”, afirma Marco Antônio Gaspar.
Na maior parte dos casos, quem passa o ponto é inquilino e a decisão é tomada, segundo Marco Antônio, quando o contrato com o proprietário do imóvel está em vigor e, por isso, o comerciante será obrigado apagar multa recissória. “Por isso, ele tenta diminuir o prejuízo. O primeiro passo é passar o ponto, porém, a dificuldade de conseguir algum interessado é o empecilho neste momento, já que são muitos fazendo o mesmo”, comenta. (LE)